Escala 6×1: bandeira reacenderá as esquerdas?
Pauta tem enorme potencial de mobilização – não só de trabalhadores, mas também de suas famílias. Exemplos internacionais mostram como enfrentar a resistência das empresas e introduzi-la. Quando partidos progressistas e sindicatos abraçarão de fato esta luta?
Publicado 21/02/2025 às 18:53 - Atualizado 21/02/2025 às 18:54
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Por José Dirceu, no Congresso em Foco
Uma das agendas prioritárias para 2025, pela sua importância para os trabalhadores e pelo seu potencial de mobilização para pressionar o Congresso a aprovar a medida, é o fim da jornada 6×1, em que se trabalha seis dias para um de folga. Temos a PEC da deputada Erika Hilton (Psol-SP), de novembro de 2024, à espera de entrar na pauta da Comissão Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, que vem se somar a uma PEC anterior (PEC 221/19), do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). É hora de assumir com garra esta bandeira para acabar com o regime de semi-escravidão dos empregados do comércio, que não podem desfrutar do fim de semana com seus familiares e amigos.
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Quando em várias partes do planeta se discute a redução da jornada de trabalho para 36 horas, que podem ser concentradas em quatro dias de trabalho, no Brasil ainda enfrentamos uma situação de absurda exploração do trabalho, que nada tem a ver com as demandas do século 21. O avanço da tecnologia, do estar sempre conectado, das exigências por mais produtividade acabam por ter sérias consequências na vida do trabalhador, como elevação do estresse e burnout, este resultado de um estresse contínuo e prolongado (conhecido como síndrome de esgotamento profissional, é um distúrbio emocional que causa exaustão física e mental).
A PEC da deputada Érika Hilton, junto com o fim da escala 6×1, propõe a fixação da jornada de trabalho semanal em 36 horas (hoje, a Constituição estabelece um máximo de 44 horas semanais). A do deputado Reginaldo Lopes caminha na mesma direção, mas estabelece um prazo de dez anos para a adaptação das empresas ao novo regime de trabalho.
Alguns exemplos
Por que fundamental a campanha pelo fim da escala 6×1? Em primeiro lugar por uma questão elementar de defesa dos direitos dos trabalhadores, onde se inclui o direito ao lazer. A campanha “Pela vida além do trabalho”, iniciada por Rick Azevedo, um ex-balconista de uma farmácia que acabou se elegendo vereador pelo Psol, no Rio de Janeiro, viralizou nas redes e ganhou apoio de mais de 2 milhões de trabalhadores, pelo simples fato de que responde a uma demanda imediata e latente de todo mundo que trabalha no comércio num regime de “escravidão moderna”, como o classifica Rick Azevedo.
Em segundo lugar, é uma campanha que tem um enorme apelo e potencial de mobilização não só dos trabalhadores engolidos pela escala 6×1, mas também de seus familiares, que pagam as consequências da redução da convivência em família, e de todos aqueles que defendem uma vida melhor para todos, com salários dignos, boa atenção médica e tempo para o descanso e lazer. E precisamos de iniciativas que mobilizem a população para enfrentar o avanço da extrema direita e de sua pauta de eliminação de direitos dos trabalhadores.
É certo que haverá resistência, pois as empresas, em todos os tempos, sempre se colocaram contra a redução da jornada de trabalho e de outras iniciativas para tornar o mundo do trabalho mais civilizado e justo, como a eliminação do trabalho infantil, ainda no século 19. Mas resistência se vence com bons argumentos e projeto de transição eficiente de um regime de trabalho da jornada de 44 horas para outro de 36 horas. A redução da jornada com manutenção da remuneração vai provocar aumento dos custos das empresas que terá de ser compensado em parte por benefícios temporários concebidos pelo governo.
Não se trata de reinventar a roda. A França, desde 1988, reduziu a jornada de trabalho de 39 horas para 35 horas, com a possibilidade de estas serem concentradas em quatro dias de trabalho. Para que as empresas pudessem suportar os custos da alteração de regime de trabalho, entre 2000 e 2002, os trabalhadores não tiveram aumento real além da inflação. Como resultado, houve aumento da produtividade e a criação de 300 mil novos empregos. Com o passar dos anos, o governo reduziu os benefícios concedidos às empresas para se adaptarem ao novo regime. Mas a semana de quatro dias não se tornou tão popular quanto o esperado. A maioria das empresas prefere distribuir as 35 horas de trabalho de seus empregados por cinco dias.
Há várias iniciativas de ação da semana de quatro dias de trabalho por três de descanso, com pilotos implementados em 13 países pelo movimento “4 Day Week Global”. Os resultados são positivos, indicando aumento da produtividade e do nível de satisfação dos trabalhadores envolvidos. A Bélgica foi o primeiro país a legislar sobre o tema, estabelecendo semana de quatro dias, com o máximo de 9,5 horas por dia (38 horas semanais). Mas o nível de adesão das empresas à nova jornada ainda é baixo: em 2024, só 1,9% das empresas trabalhavam apenas quatro dias. O Chile também admite jornada de quatro dias desde 2017, mas ela depende de acordo entre sindicatos patronais e de empregados. E também aí não se tornou popular.
Queremos 5×2
Está mais do que claro que nossa meta imediata é acabar com a escala 6×1 e fixá-la em 5×2, como cinco dias de trabalho para dois de descanso. A redução da jornada de trabalho para 36 horas tem que ser um objetivo de médio prazo, estabelecido no tempo como prevê a PEC 221/19, do deputado Reginaldo Lopes, pelo simples fato de que as empresas precisam de uma fase de transição para absorver o novo regime de trabalho. Várias categorias no Brasil já contam com jornadas de 40 horas. E a média de horas trabalhada no segundo semestre de 2024, segundo o IBGE, foi de 39,2 horas, ainda acima da média mundial que é de 38,2 horas.
Em 2022, cerca de 32 milhões de trabalhadores com carteira assinada no Brasil estavam na escala 6×1, o que representava 65,8% dos contratos vigentes. Ou seja, embora nas fábricas e escritórios os brasileiros trabalhem cinco dias na semana, há um enorme contingente de trabalhadores que enfrenta as condições desumanas da escala 6×1. E, entre os que não têm carteira assinada, a escala 6×1 é mais do que comum. Os trabalhadores de plataforma, embora teoricamente sejam “patrões de si mesmos”, determinando a jornada de trabalho, na prática são dirigidos pelas regras dos algoritmos das plataformas como Uber, iFood, 99 etc. E, para obter as pontuações que elevam a remuneração, se submetem a extenuantes jornadas de trabalho.
Na linha de estimular o fim da jornada 6×1, o Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) baixou a Instrução Normativa 190/2024 reduzindo de 44 horas para 40 horas a jornada de trabalho dos empregados terceirizados em serviços contínuos com dedicação exclusiva à administração pública. A decisão (decreto 12.174/2024) atinge principalmente os serviços de apoio administrativo terceirizados, envolvendo um contingente de 9 mil trabalhadores dos 73 mil terceirizados da administração federal.
O fim da escala 6×1 virou uma demanda nacional. Pesquisa Datafolha de 28 de dezembro de 2024 indica que 64% dos brasileiros apoiam a iniciativa. É hora de o PT, os sindicatos e entidades da sociedade civil assumirem este desejo nacional dos trabalhadores da área de serviços e se somarem, com energia e força, ao movimento contra a escala 6×1, que Rick Azevedo tão bem classificou como a “escravidão moderna”.