No Equador, já é possível vencer a direita de novo

Oito anos depois de Rafael Correa, candidata de esquerda vai ao segundo turno em condições favoráveis, ao denunciar a crise econômica, energética e de segurança. Possível vitória depende, também, de acordo com o potente movimento indígena

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Por Lautaro Rivara, no Diario Red | Tradução: Antonio Martins

Inconclusivo. Assim foi o resultado do primeiro turno das eleições gerais no Equador, em que 13,7 milhões de cidadãos foram às urnas para escolher entre 16 chapas presidenciais, os 137 membros da Assembleia Nacional e os 5 representantes no Parlamento Andino. Nem Daniel Noboa, presidente-candidato pelo partido ADN, nem Luisa González, representante do correísmo [corrente política liderada pelo ex-presidente Rafael Correa] e da Revolução Cidadã, conseguiram obter a metade mais um dos votos, ou 40%, com dez pontos de dianteira sobre o segundo colocado, o que lhes garantiria a vitória no primeiro turno.

No fechamento desta matéria, revertendo a tendência inicial enviesada da apuração, Luísa se igualava a Noboa, chegando a um empate técnico, sem possibilidades de que qualquer um obtenha a maioria absoluta. Também não havia dados precisos sobre como poderia ser a distribuição exata das bancadas, mas não há dúvidas de que a Revolução Cidadã confirmará seu lugar como a maior bancada na Assembleia Nacional.

As duas chapas mais votadas voltarão a se enfrentar no segundo turno, convocado para o dia 13 de abril. Más notícias para o governo e para um clã familiar (a família Noboa, uma das mais ricas do país), que gastou uma verdadeira fortuna na campanha, principalmente no ambiente digital. E que chegou a insinuar, com institutos de pesquisa aliados e bocas de urna próprias, uma improvável vitória no primeiro turno, feito que apenas Rafael Correa conseguiu.

Além da indefinição do cenário presidencial, como era de se esperar em um contexto altamente polarizado, Noboa e González somaram, juntos, quase 90% das preferências. A participação eleitoral, tradicionalmente alta no país sul-americano, superou até mesmo a do primeiro turno das eleições passadas, chegando a 82%.

Em terceiro lugar, mas com um bom desempenho eleitoral, ficou o líder indígena Leónidas Iza. Teve apoio do poderoso movimento indígena, de seu instrumento de reivindicação — a Conaie — e de seu braço político — Pachakutik, Mais uma vez, a esquerda e o progressismo urbanos, por um lado, e o movimento indígena, por outro, conquistaram separadamente uma força eleitoral que, se unida, poderia ter superado seus adversários em comum.

Contexto de exceção

Os equatorianos foram às urnas em um cenário absolutamente excepcional. Com um país completamente militarizado, sob um suposto “conflito interno armado”, com as fronteiras fechadas e com uma das mais importantes comunidades no exterior – os residentes na Venezuela – impossibilitados de exercer seu direito ao voto. O Equador é um dos poucos países da região que conta com representação de diferentes circunscrições de sua diáspora na Assembleia Nacional.

Outra irregularidade notável foi a denunciada violação do Código da Democracia. Segundo a legislação equatoriana, qualquer funcionário em exercício que aspire à reeleição deve solicitar licença para realizar a campanha. No caso do presidente, o procedimento correto seria delegar suas funções à vice-presidenta eleita, Verónica Abad. No entanto, em vez disso, o mandatário decidiu nomear por decreto, como “vice-presidenta encarregada”, a secretária da Administração Pública e do Gabinete, Cynthia Gellibert.

Além disso, é importante destacar que a presidência de Noboa foi singularmente breve: apenas 15 meses desde que o ex-presidente Guillermo Lasso interrompeu seu próprio mandato e as funções da Assembleia Nacional, ao invocar a figura constitucional da «morte cruzada», convocando novas eleições. Naquele pleito, marcado pelo assassinato do também candidato Fernando Villavicencio, Noboa entrou inesperadamente na disputa e acabou conquistando, no segundo turno, uma presidência que parecia quase certa para o correísmo. Esta é a terceira vez que essa força política, a mais importante do país, tenta retornar ao poder, após as tentativas frustradas do economista Andrés Arauz em 2021 e da própria Luísa González em 2023.

Crise múltipla

Mas a excepcionalidade equatoriana não é apenas política ou institucional. O país chegou a este cenário eleitoral saltando de crise em crise. Principalmente três: a econômica, a energética e a de segurança. Nos próximos meses, também se somará o impacto das deportações em massa promovidas pelo governo Trump e a consequente redução do dinheiro enviado pela diáspora na forma de remessas.

No que diz respeito à economia, tema que a campanha governista mais tentou evitar, o desempenho seguiu a curva descendente dos últimos governos neoliberais: o de Lenín Moreno e o de Guillermo Lasso. Em resumo, mais precarização do trabalho, liberalização comercial e desregulação financeira. Atualmente, o Equador é o país mais endividado da região com o FMI, enquanto sua dívida pública representa 40% do seu produto interno bruto. Além disso, a fuga de capitais, facilitada pelo regime de dolarização, permite a entrada e saída de capitais especulativos que se escondem em paraísos fiscais, além de favorecer a lavagem de dinheiro do narcotráfico e impulsionar economias ilícitas.

Em dezembro do ano passado, 5,2 milhões de pessoas viviam na pobreza, o maior percentual desde a pandemia de Covid-19. No que se refere à informalidade, 58% da população não possui emprego registrado, o índice mais alto desde o último ano do governo de Correa. Enquanto a renda média da população também caiu, Noboa decidiu aumentar o IVA [imposto sobre consumo equivalente ao ICMS brasileiro] de 12% para 15%, a pretexto de financiar a política de segurança.

Relacionada à anterior, o Equador enfrentou, em particular nos últimos meses, uma grave crise energética. A seca, a falta de investimento na infraestrutura hidrelétrica e termelétrica do país e a ausência de planejamento estatal resultaram em meses de cortes de energia, apagões de até 14 horas e um racionamento generalizado, causando grande descontentamento social e um impacto muito negativo na economia. De qualquer forma, o governo conseguiu uma normalização relativa e precária do fornecimento, justo a tempo de amenizar os previsíveis custos eleitorais da crise.

Em terceiro lugar, e com os piores indicadores, está a crise de segurança. O ano de 2024 foi o segundo mais violento da história do país, com um homicídio a cada 75 minutos e 38 mortes violentas para cada 100 mil habitantes. Desde 2020, ocorreram no Equador 16 massacres carcerários. O último, em novembro do ano passado, deixou um saldo de 15 vítimas fatais. No entanto, o fato que mais comoveu a sociedade equatoriana foi, sem dúvida, o desaparecimento forçado de quatro crianças – Ismael, Josué, Saúl e Steven – detidas por um contingente das Forças Armadas, o que resultou em um crime com claros traços de viés racial, inicialmente encoberto pelas autoridades. Tudo isso no país que, até o último governo de Correa, era considerado um dos mais seguros de toda a região.

A resposta do governo de Noboa a essa espiral de violência, também vinculada a novas rotas do narcotráfico que utilizam o Equador como zona de trânsito, foi imitar as fracassadas estratégias da “guerra contra as drogas” e da “guerra contra o crime”, com precedentes como o Plano Colômbia ou a Iniciativa Mérida, no México. Seguindo essa linha, o jovem presidente declarou estado de exceção por três meses, classificou os grupos criminosos e os cartéis do narcotráfico como “atores beligerantes não estatais” e conceituou a situação como um “conflito interno armado”.

Além disso, em pleno processo de “bukelização” da segurança, propôs a construção de duas mega-prisões: uma delas, rejeitada e barrada pelas comunidades indígenas, na cidade amazônica de Archidona. No plano internacional, Noboa ratificou acordos de segurança herdados, recebeu a generala do Comando Sul dos EUA, Laura Richardson, ampliou a cooperação na esfera militar com Washington e propôs uma reforma constitucional para reinstalar bases militares estrangeiras, como a extinta base de Manta.

Mas nem mesmo com a militarização dos territórios, o fortalecimento das forças de segurança ou as onerosas concessões à estratégia de segurança hemisférica dos Estados Unidos, Noboa conseguiu melhorar os indicadores de uma violência, que continuam em ascensão.

Final indefinido


É arriscado fazer análises detalhadas enquanto os votos ainda estão sendo lentamente apurados. No entanto, algumas tendências já se desenham. O cenário poderia ser considerado, à primeira vista, mutuamente satisfatório. Do lado do correísmo, porque conseguiu superar, no primeiro turno, seu núcleo duro das últimas eleições, partindo de uma posição mais favorável na disputa de um segundo turno que promete ser novamente muito acirrado.

Diferente dos últimos dois pleitos, o número de eleitores que tendem a trocar um dos candidatos líderes pelo outro será mínimo, enquanto o ativo mais importante pertence a Leónidas Iza, talvez a liderança indígena com melhor diálogo com o correísmo após anos de amargos conflitos. Esses quase cinco pontos percentuais em seu poder serão, sem dúvida, decisivos. Será possível, desta vez, construir pontes? Haverá negociação, ou a exigência de um cheque em branco? A Conaie se manifestará organicamente ou dará liberdade de ação às suas bases? Também não podem ser desprezados os quase 3 pontos de Andrea González, a candidata empresária de perfil anticorreísta.

Do lado de Noboa, e considerando a incerteza generalizada no país e o cenário de múltiplas crises, chama atenção sua capacidade de reter um volume tão expressivo de votos, muito superior aos obtidos no primeiro turno de 2023 (apenas 23%). Nem a quase ausência de avanços na economia e na segurança, nem mesmo a crise energética parecem ter tido o impacto esperado. Apoiado em uma estratégia de polarização extrema, com um investimento milionário na campanha, o aparato estatal a seu favor e uma autoridade eleitoral parcial, Noboa parece ter conquistado até o último voto anti-correísta: as velhas paixões continuam a definir os novos resultados eleitorais.

Em terceiro lugar, o Equador é um país profundamente fragmentado em suas três grandes regiões geográficas: a costeira, a andina e a amazônica (o arquipélago de Galápagos tem poucos eleitores). Será necessário decifrar o desempenho relativo dos candidatos em cada região, especialmente os resultados das grandes capitais. Cabe examinar, em particular, o que aconteceu em territórios que continuam adversos a González, como a Serra Central e Quito, a capital. Já em Guayas, a província de Guayaquil, a líder da oposição parece estar se impondo.

Por outro lado, resta saber se o alinhamento automático de Noboa aos Estados Unidos (seu país de origem) e suas tentativas desesperadas de se aproximar do governo Trump lhe garantirão algum apoio real e significativo nos próximos meses de campanha. O novo ocupante da Casa Branca receberá seu homólogo sul-americano, como este tanto deseja? No que diz respeito aos seus vizinhos, especialmente os governos progressistas e de esquerda, seu isolamento não poderia ser maior.

Por fim, o tema central do debate público até abril será decisivo: a agenda de segurança continuará dando frutos, ou o correísmo conseguirá impor uma pauta mais voltada para a economia, o desemprego, a precarização, a dívida, os salários e o custo de vida? O próximo debate presidencial será um bom termômetro dessa disputa. As variáveis climáticas também terão um papel importante: as secas previstas podem levar o país de volta à rotina de apagões e racionamento, que geraram tanta frustração. Falta pouco tempo, mas não é pouco o que está em jogo para o Equador e para a região nestas eleições de final aberto.

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