E se o governo apostasse na indignação coletiva?
Culpa-se a comunicação pela queda de popularidade de Lula. Mas há algo mais profundo. A crise do sistema faz aflorar a raiva. O fascismo a usa para cindir a sociedade pelo ódio. E esquerdas ainda não sabem direcioná-la para enfrentar as raízes dos problemas sociais
Publicado 29/01/2025 às 16:40 - Atualizado 29/01/2025 às 16:46
Dados de pesquisa Quaest de 27 de janeiro de 2025 mostram que, pela primeira vez no governo Lula III, a avaliação negativa superou a positiva. Neste início do ano, o governo, apontando um (suposto) erro de comunicação, trocou o ministro de Comunicação Social. Não foi surpresa: a mídia governista, há algum tempo, já batia na tecla de que havia um problema de comunicação neste governo Lula. De fato, comparado aos anteriores, esse governo não é tão popular, mas seria isto apenas um problema de como veicular a mensagem à população brasileira? Os apoiadores dizem que com um PIB acima das expectativas e queda no desemprego, a queda na popularidade só poderia ser explicada por um problema de mensagem. Todavia, a questão é mais profunda. E não digo apenas a oposição refratária consolidada na faixa dos 30% (também denominada de bolsonaristas). O problema está no método.
A campanha de Lula em 2022 apoiou-se na mensagem do “Lulinha paz e amor”. A mensagem era que, em contraposição aos discursos de ódio do bolsonarismo, Lula entregaria a paz, o amor e a reconciliação nacional (regada a cerveja e a picanha). Porém, esse recorte, carece de duas problematizações (ou uma problematização, com duas faces): o que é um discurso de ódio? Ou, qual a paz que os brasileiros querem?
Muitos, numa leitura que entendemos como parcial, aponta que as notícias falsas (fake news) são a principal ameaça à democracia brasileira. Todavia, ainda que turbinada por redes sociais com poder de comunicação difusa, as notícias falsas existem e impulsionam plataformas políticas desde a antiguidade (os faraós do Egito, por exemplo, voltavam e propalavam falsas notícias das guerras). Não é possível mensurar se as populações atuais são mais (ou menos) impactadas pelas notícias falsas da Antiguidade. No atual cenário, o problema de comunicação não está no conteúdo, mas no meio – não são as falsas notícias que geram perturbação da ordem das instituições da democracia ocidental, mas o fato que apenas duas ou três empresas veiculadoras, controlam, através de opacos algoritmos a divulgação global da informação (no período do jornal, e depois da rádio/TV, a concentração dos veículos de propagação de notícias era tão intenso).
Neste contexto, falar em discurso de ódio é um eufemismo. Não há dúvidas que nessas redes se difunde ataques a grupos minoritários, em recortes racistas, misóginos e homofóbicos, entretanto, o problema não está na tonalidade afetiva dos ataques, mas do conteúdo que revela um abalo da hegemonia humanista.
E por que o humanismo está em crise? A resposta não está apenas na ascensão do fascismo – uma resposta deste tipo seria tautológica. O fascismo e a crise do humanismo ascendem ante a crise do capitalismo. Neste cenário de crise estrutural do capital, como denominou Mészaros, é natural que a raiva cresça. Mas o problema não está na raiva, mas no que se tem raiva? O fascismo direciona a raiva para grupos minoritários para esconder que a crise está no modo de produção. E assim, ao invés do ódio à burguesia, fomenta-se a luta interna entre grupo das classes trabalhadoras.
O fascismo, no entanto, não se combate com “amor”, mas com o redirecionamento do ódio às causas da miséria da sociabilidade, ou seja ao modo de produção capitalista. É preciso “vender” o combate, apontar e enfrentar as raízes do problema (e nesse sentido, ser mais radical) E exemplos não faltam: Petro AMLO, Sheinbaum mostram essa postura e tem conquista mais apoio social que a postura conciliatória do lulo-petismo. Esse é o caminho, e para tanto, é preciso abandonar a muleta da justificativa da correlação de forças e de uma (dissimulada) pacificação social.