Fim da escala 6×1 interessa à Enfermagem?

Dois projetos que tramitam no Congresso podem diminuir a jornada de trabalho da categoria – que muitas vezes trabalha em situações extenuantes. A luta será árdua, inclusive para desmentir falácia de que melhores condições causariam prejuízos à economia

Michael Dantas/AFP
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Por Solange Caetano, em sua coluna no Outra Saúde

O início dos trabalhos legislativos no Congresso Nacional em fevereiro, terá dois projetos de grande interesse para os trabalhadores em geral e, especialmente, para os profissionais da Enfermagem.

A deputada Erika Hilton (Psol/SP) deverá apresentar na Câmara Federal a PEC que estabelece a duração do trabalho de até oito horas diárias e 36 semanais, com jornada de quatro dias por semana e três de descanso.

E no Senado tramita a PEC 19/2024, de autoria da senadora Eliziane Gama (PSD/MA) e relatada pelo senador Fabiano Contarato (PT/ES), que vincula o Piso Salarial Nacional da Enfermagem a uma jornada de 30 horas semanais.

Ambas as PECs tratam de criar melhores condições para que os trabalhadores possam ter vida além do trabalho. Com uma jornada diferenciada, muitas vezes em plantões intermináveis, alguns piores que a escala 6 x 1, profissionais de Enfermagem sofrem com as longas horas de trabalho sem descanso, correndo de um trabalho a outro, exaustos e doentes.

Já a maioria dos trabalhadores tem apenas um dia livre na semana; dia que acaba não sendo de descanso, pois ele é usado para cuidar da casa e resolver problemas que não são possíveis de tratar nos dias de trabalho. Portanto, o trabalhador não tem um dia sequer de descanso, de lazer, de convivência com a família. E isso não é vida.

Por isso, é importante que as duas PECs sejam discutidas e aprovadas. Elas têm o mérito de colocar as necessidades dos trabalhadores no centro do debate. Desde a reforma trabalhista de 2017, passando pelo governo Bolsonaro, os trabalhadores só tiveram perdas; quem tem carteira assinada, trabalha muito e ganha pouco; uma grande parcela, por outro lado, está no trabalho informal, em tese faz seu próprio horário, mas na prática trabalha todos os dias, uberizado, precarizado e sem mais direitos.

Será necessária uma longa luta. Para se contrapor a ambas as PECs, os empresários e grandes conglomerados argumentam que ao virar lei, elas causariam prejuízos à economia — argumento já comprovado falso.

Entidades como a Confederação Nacional do Comércio e Confederação Nacional da Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde) agem para manter condições de trabalho semelhantes à escravidão, com um mínimo de direitos, o máximo de exploração e os lucros sempre maiores.

A CNSaúde foi ao STF para dizer que o setor privado quebraria se pagasse o Piso da Enfermagem. Argumento aceito pelo Supremo, que suspendeu o pagamento do Piso, mas desmentido pelos números.

Considerando os dados acumulados dos três primeiros trimestres de 2024, as informações financeiras enviadas pelas operadoras de planos de saúde e pelas administradoras de benefícios à ANS demonstram que o setor registrou lucro líquido de R$ 8,7 bilhões de janeiro a setembro de 2024 e um aumento de 178% em relação ao mesmo período de 2023.

Do mesmo modo, quem se contrapõe a uma jornada de trabalho menor e mais humana também é desmentido pelos dados. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), países com jornadas mais curtas aumentam a eficiência e a satisfação dos trabalhadores, assim como as experiências realizadas em vários países ao redor do mundo.

As jornadas exaustivas são das principais causas de problemas físicos e mentais dos trabalhadores. A redução de jornada eleva a qualidade de vida, reduz a incidência de doenças como o estresse e o burnout e gera bem-estar social. Estes benefícios se estendem para o conjunto da sociedade, em todos os setores, desde a educação até a saúde; profissionais satisfeitos prestam melhores serviços. Além disso, com a redução do cansaço e das doenças dele decorrentes, os serviços públicos de saúde serão desafogados.

Começamos 2025 e temos pelo que lutar. Por uma vida digna para o conjunto da classe trabalhadora. Isso é muito mais do que uma simples diminuição das horas trabalhadas.

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