O que esperar de Galípolo e Haddad em 2025?
É provável que pouco mude na política monetária: novo presidente do BC endossou juros altíssimos de Campos Neto e relativiza o ataque do financismo à moeda nacional. Já ministro da Fazenda aventa uma insana desaceleração do crescimento do PIB
Publicado 21/01/2025 às 17:02
A primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) a ser presidida por Gabriel Galípolo deverá ocorrer nos próximos dias 28 e 29 de janeiro. Tendo em vista que seu nome foi aprovado pelo Senado Federal ainda no ano passado, o ex-diretor de Política Monetária do Banco Central (BC) assumiu o posto de presidente da instituição em 1º de janeiro deste ano, em substituição a Roberto Campos Neto. Assim, boa parte da herança bolsonarista no comando do órgão já foi substituída, uma vez que a maioria dos diretores (7 no total de 9) atualmente em exercício foram indicações de Lula.
Isso significa que uma pessoa de extrema confiança do ministro da Fazenda passa a ser o principal responsável, entre outros aspectos, pela política monetária e pela política cambial do governo. Vale recordar que Galípolo exerceu as funções de secretário-executivo da pasta comandada por Fernando Haddad até junho de 2023 e, depois, teve seu nome sugerido pelo ministro ao presidente da República para integrar a direção do BC. No entanto, tudo parece indicar que sua gestão à frente da instituição que opera para regulação e fiscalização do sistema bancário e financeiro não deverá ser substancialmente diferente daquele período sob a direção de Campos Neto. As declarações públicas do atual presidente do BC e o seu comportamento enquanto diretor de política monetária ao longo dos últimos 18 meses não demonstram nenhuma intenção de mudança significativa.
Haddad no modelito de queridinho do financismo
Mais recentemente ele chegou, inclusive, a naturalizar o comportamento claramente especulativo da estratégia que o financismo estabeleceu em relação ao mercado de câmbio a partir de dezembro passado. Apenas alguns dias antes de sua posse, ele declarou não ver nenhum elemento de especulação na ação coordenada para promover a desvalorização artificial do real em relação ao dólar norte-americano. (sic)
(…) “Quando o preço de ativo [como o dólar] se mobiliza em uma direção, têm vencedores e perdedores. Ataque especulativo não representa bem como o movimento está acontecendo no mercado hoje” (…) [GN]
Ocorre que, desde o dia 29 de novembro, os principais operadores no mercado de divisas passaram a pressionar para que a cotação da taxa de câmbio permanecesse acima do patamar simbólico de R$ 6,00. Assim, desde o dia 12 de dezembro não houve mais recuo de tal posição. Trata-se de um movimento contra a moeda nacional, mas também de um sinal de chantagem sobre a política econômica, à medida que são divulgadas avaliações alarmistas a respeito da política fiscal. Trata-se das já conhecidas opiniões dos representantes do financismo, eternamente insatisfeitos com as enormes concessões já realizadas por Haddad e Galípolo no atendimento de suas reivindicações de aprofundamento do austericídio. Mas a sanha dos chacais nunca é saciada.
Por outro lado, Galípolo não pretende alterar o rumo estabelecido para as decisões do Copom desde a presidência anterior. Ele tem votado, de forma sistemática, nas reuniões do colegiado de acordo com a orientação do ex-presidente do BC e sempre manifestou concordância com o patamar elevadíssimo da Selic atualmente. Isso significa que as duas elevações previstas na taxa referencial de juros devem ser confirmadas nas próximas reuniões do Copom. Caso esse o quadro realmente seja mantido, deveremos ter o patamar de 13,25 % no final de janeiro e de 14,25 % a partir de meados de março. Uma loucura!
Galípolo no BC e no Copom: mais do mesmo?
Além disso, um elemento que torna o quadro ainda mais preocupante é a avaliação divulgada por integrantes da equipe do Ministério da Fazenda a respeito da necessidade de se reduzir a taxa de crescimento das atividades econômicas de forma geral. O embasamento para tal orientação equivocada repousa no recurso à utilização do conceito de “PIB potencial”. Trata-se de uma construção teórica e bastante polêmica, mas que tem orientado boa parte das ações do governo em termos de política econômica. Segundo esse modelo, a economia brasileira não deveria ou não poderia crescer mais do que um ritmo anual de 2,5% de seu Produto Interno Bruto. Esse é o teor da entrevista concedida pelo secretário de Política Econômica, Guilherme Mello:
(…) ““O PIB potencial não é estático, é uma fotografia do cenário atual. Com nossa atual estrutura produtiva, desempenho macroeconômico, nível de investimento, podemos crescer em torno de 2,5% sem pressionar muito a inflação” (…) [GN]
Não é por acaso que esse número foi utilizado pela equipe de Haddad quando da formulação do Novo Arcabouço Fiscal e permanece até agora nos dispositivos da Lei Complementar nº 200/23 como o limite superior de crescimento das variáveis econômicas relevantes, a exemplo das despesas primárias. Esse foi também o índice utilizado para a correção recente do salário mínimo, claramente inferior ao crescimento do PIB. Ou seja, apesar das reiteradas promessas de Lula quanto à prioridade na política de valorização do salário mínimo (inflação mais crescimento do PIB), as regras para o reajuste em 2025 serão mais baixas do que se imaginava.
A loucura de desacelerar o crescimento do PIB!
O próprio ministro Haddad tem dado demonstrações de que concorda com tal proposição de sua equipe. Em entrevista concedida recentemente, ele assume que será necessário reduzir o ritmo de crescimento das atividades econômicas de forma geral. Ora, esse tipo de orientação certamente deverá prejudicar as expectativas no que se refere ao crescimento do emprego e da massa salarial, por exemplo. Ocorre que tal cenário futuro é exatamente o desejado quando da aplicação do conceito limitador de PIB potencial. Assim, isso pode se converter em mais um tiro no pé do próprio governo, uma vez que atinge em cheio os interesses dos setores de menor renda em nossa pirâmide da desigualdade. Justamente, aquelas camadas que ainda mantêm uma avaliação mais positiva do terceiro mandato.
(…) “Nós temos que tomar medidas para que isso não seja um soluço apenas, para que isso tenha uma continuidade. ‘Ah, então precisa desacelerar um pouco?’ Vamos fazer” (…) [GN]
O governo já errou feio quando mirou o fim do abono salarial, a limitação do acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a mudança para pior nas regras de reajuste do salário mínimo. Se apostar na limitação do ritmo do crescimento da economia, certamente receberá ainda mais insatisfação popular como resposta.
O ritmo atual e futuro de elevação da Selic aprofunda, por outro lado, as mazelas associadas à dominância do financismo em nossa sociedade. Atualmente, o Brasil ocupa o segundo lugar dentre as nações com maior taxa real de juros do planeta. Só estamos atrás da Turquia nesse quesito, de acordo com levantamento realizado por consultorias especializadas. Como o cálculo envolve a subtração da inflação em relação ao valor nominal da Selic, a taxa real de juros no Brasil estaria atualmente em 9,5% ao ano.
Se o governo não mudar imediatamente a meta de inflação para 2025, todo e qualquer esforço para buscar alguma estabilização do quadro macroeconômico será inviabilizado. A intenção de trazer o ritmo de crescimento dos preços para 3% tem se revelado uma façanha impossível de se realizar, além de equivocada em termos de política econômica. Esse é o principal argumento esgrimado a cada dia pelos representantes do sistema financeiro para manter a Selic nas alturas. Ao contrário, caso o centro da meta seja alterado para 4,5%, com intervalo entre 3% e 6%, desaparece o argumento a favor da continuidade – ou mesmo aprofundamento – do arrocho monetário.
Lula: a hora da mudança é agora
Além da mudança da meta, é fundamental que o governo também se volte para atacar o problema do crescimento dos preços em si. Ao contrário da passividade com que o Ministério da Fazenda encarou o fenômeno durante os dois primeiros anos, agora se faz urgente uma ação mais incisiva pelo lado da oferta de bens e serviços. Esse é o caso, por exemplo, da retomada dos programas de estoques reguladores de alimentos e outras ações localizadas para reverter a inflação que mais afeta o povo pobre e trabalhador. Além disso, é importante estabelecer, de uma vez por todas, o fim do programa “paridade preço importação” dos derivados de petróleo. Não faz sentido a Petrobrás reajustar os preços de gasolina/diesel/gás de cozinha/querosene de aviação a cada elevação do preço do barril no mercado internacional. Ao contrário, o que se faz necessário é aumentar os investimentos nas refinarias, para recuperar a soberania energética do país nesse quesito.
Enfim, pelo que se pode perceber, todas as inciativas que se fazem necessárias para melhorar as condições da economia para o ano que se inicia e também para 2026 envolvem elevação de despesas orçamentárias e também do patamar dos investimentos públicos. Afinal, não se consegue superar as dificuldades estruturais que o Brasil enfrenta sem recuperar o protagonismo do Estado na atividade econômica. Porém, existe uma trava para que esse projeto possa ser colocado em prática: a obsessão de Haddad com a austeridade nas contas públicas e a própria existência do arcabouço fiscal.
Assim, como presidente da República, cabe a Lula ter a clareza de realizar a opção política para a mudança. Caso contrário, o campo progressista corre o sério risco de se converter naquele carneirinho que segue tranquilo e pacificamente para o cadafalso que o aguarda logo ali na esquina. O tempo voa e os efeitos de qualquer tipo de redefinição dos rumos da política econômica também demoram a ser sentidos. O momento é agora, para que não se reclame depois que foi tarde demais.