Trabalho: o que o otimismo (quase não) esconde
Desemprego caiu, de fato. Mas movimento se deu em meio a grande número de desalentados, em especial em face da perda de direitos. Além disso, “Reforma” trabalhista tornou precárias também as ocupações formais, e persistem as graves desigualdades regionais e de gênero
Publicado 17/01/2025 às 18:32
Por Erik Chiconelli Gomes
Embora os dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE apresentem um cenário aparentemente positivo do mercado de trabalho brasileiro, é fundamental uma análise mais aprofundada das contradições e precarizações que persistem após a Reforma Trabalhista de 2017, especialmente considerando os impactos diferenciados sobre grupos sociais vulneráveis.
Os números indicam uma taxa de desocupação de 6,0% em outubro de 2024, com queda de 1,4 ponto percentual em relação a 2023, conforme apontam Lameiras, Fernandes e Padilha (2024). Contudo, esta aparente melhora mascara uma realidade mais complexa de desalento e precarização das relações trabalhistas, especialmente após as mudanças legislativas de 2017.
A taxa de participação de 62,3% em outubro de 2024, ainda abaixo do período pré-pandemia, revela não apenas uma questão conjuntural, mas um problema estrutural do mercado de trabalho brasileiro, onde um contingente significativo de pessoas em idade ativa permanece à margem do mercado formal, muitas vezes em situação de trabalho precário ou informal.
A disparidade de gênero permanece como uma questão crítica: enquanto a força de trabalho masculina cresceu 3,1%, a feminina aumentou apenas 1,4% entre 2019 e 2024. Esta diferença reflete a persistência de barreiras estruturais à participação feminina no mercado de trabalho, agravadas pela sobrecarga de trabalho doméstico não remunerado.
A situação dos jovens é particularmente preocupante, com uma retração de 10,7% na força de trabalho entre 18 e 24 anos, evidenciando como as reformas trabalhistas não foram capazes de criar oportunidades substanciais para este grupo, que continua enfrentando uma taxa de desocupação de 13,4% no terceiro trimestre de 2024.
O aumento significativo de pessoas que não desejam retornar ao mercado de trabalho (85,9% no terceiro trimestre de 2024) pode indicar não apenas uma escolha voluntária, mas uma descrença nas condições oferecidas pelo mercado atual, marcado pela precarização das relações trabalhistas e pela insegurança jurídica trazida pela reforma.
As desigualdades regionais permanecem gritantes: enquanto o Sul apresenta taxa de desocupação de 4,1%, o Nordeste registra 8,7%. Esta disparidade reflete a histórica concentração de investimentos e oportunidades em determinadas regiões do país, não alterada significativamente pelas mudanças na legislação trabalhista.
O crescimento do setor informal é particularmente preocupante: enquanto a população ocupada com registro cresceu 3,7%, os trabalhadores informais aumentaram 4,6%. Este dado sugere que parte significativa dos postos de trabalho criados não oferece proteções trabalhistas básicas, fenômeno intensificado após a reforma de 2017.
Os dados do Novo Caged, que mostram a criação de 2,1 milhões de novas vagas com carteira assinada até outubro de 2024, precisam ser analisados criticamente quanto à qualidade e estabilidade destes empregos, considerando as novas modalidades de contratação flexibilizadas pela reforma trabalhista.
A questão educacional permanece como um fator de exclusão: trabalhadores com ensino médio incompleto enfrentam uma taxa de desocupação de 10,8%, enquanto aqueles com ensino superior registram 4,1%. Esta disparidade evidencia como as reformas não foram capazes de criar oportunidades mais equitativas para diferentes níveis de escolaridade.
O aumento dos rendimentos médios reais (R$ 3.278,00 para rendimentos habituais e R$ 3.311,00 para efetivos) precisa ser contextualizado com o aumento do custo de vida e a precarização das condições de trabalho pós-reforma, que podem ter impactos negativos na qualidade de vida dos trabalhadores.
O crescimento da proporção de pessoas fora da força de trabalho por razões domésticas (de 17,6% para 22,5%) e por questões de saúde (de 17,9% para 23,1%) entre 2019 e 2024 pode indicar uma sobrecarga física e emocional dos trabalhadores, possivelmente agravada pela flexibilização das normas trabalhistas.
A redução do tempo médio de procura por emprego, com 21% dos desempregados em busca há mais de dois anos, pode mascarar a aceitação de trabalhos precários ou subempregos como alternativa ao desemprego prolongado.
As mulheres continuam enfrentando maior vulnerabilidade, com taxa de desocupação de 7,7% contra 5,3% dos homens no terceiro trimestre de 2024, evidenciando como as reformas trabalhistas não foram eficazes em promover maior equidade de gênero no mercado de trabalho.
O aumento da massa salarial real (7,8% para habitual e 9,0% para efetiva) precisa ser analisado considerando a concentração de renda e as desigualdades salariais que persistem no mercado de trabalho brasileiro, não endereçadas adequadamente pela reforma trabalhista.
A diminuição do desalento (queda de 9,0 pontos percentuais desde 2019) não necessariamente indica melhoria nas condições de trabalho, podendo refletir a aceitação de condições precárias de emprego devido à necessidade de sobrevivência.
O crescimento expressivo da força de trabalho entre pessoas com mais de 60 anos (21%) pode indicar não apenas uma escolha, mas uma necessidade de complementação de renda devido à insuficiência da previdência social e à precarização das condições de trabalho e remuneração.
A persistência de altas taxas de informalidade e desigualdade, mesmo em um cenário de aparente recuperação do mercado de trabalho, sugere que a Reforma Trabalhista de 2017 pode ter contribuído para a consolidação de um modelo de precarização estrutural do trabalho no Brasil.
A análise dos dados evidencia que, apesar dos indicadores aparentemente positivos, o mercado de trabalho brasileiro continua marcado por profundas desigualdades estruturais, agravadas por um modelo de flexibilização que privilegia a redução de custos trabalhistas em detrimento da proteção social e da qualidade do emprego.
Um olhar crítico sobre estes indicadores revela que a aparente recuperação do mercado de trabalho mascara a consolidação de um modelo de precarização e desregulamentação que afeta principalmente os grupos mais vulneráveis da sociedade, perpetuando e possivelmente agravando as desigualdades sociais históricas do Brasil.
O conjunto destes dados sugere a necessidade urgente de uma revisão crítica das políticas trabalhistas implementadas nos últimos anos, buscando um modelo que combine dinamismo econômico com proteção social efetiva e redução das desigualdades estruturais do mercado de trabalho brasileiro.
Referências
LAMEIRAS, Maria Andréia Parente; FERNANDES, Leo Veríssimo; PADILHA, Gabriela Carolina Rezende. Mercado de Trabalho: Desempenho recente do mercado de trabalho. Carta de Conjuntura, Brasília, n. 65, nota 26, p. 1-9, 4° trim. 2024. Disponível em: https://t.co/wNRtxpbNEf Acesso em: 28 dez. 2024.
Fontes de Dados:
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua. Rio de Janeiro: IBGE, 2024.
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Novo Caged. Brasília: MTE, 2024.