Elogio de Luigi Mangione
Esperava que o garoto que vingou as vítimas dos planos de saúde escapasse. Ele entendeu algo essencial sobre o nazismo liberal, que Trump usará para semear medo e morte. Porém, não é luta de classes; esta requer amizade, cumplicidade e projeto coletivo de emancipação
Publicado 17/12/2024 às 18:08 - Atualizado 17/12/2024 às 18:44
Por Franco “Bifo Berardi, em seu blog | Tradução: Rôney Rodrigues
Meu coração também batia por ele, como o de muitos milhões de pessoas que odeiam a atrocidade neoliberal. Eu também esperava que ele escapasse da prisão antes que um funcionário do McDonald’s, muito mais pobre do que ele, chamasse a polícia e o mandasse prender.
Pensei eu que a eliminação de um canalha que beneficia da doença e das desgraças dos infelizes habitantes do país mais miserável do mundo era um episódio de luta de classes?
Não vamos dizer besteiras.
A luta de classes era coisa séria nos tempos góticos da modernidade: era a ação consciente dos explorados para se libertar dos exploradores. Palavras, estas, incompreensíveis na era barroca da hiperviolência espetacular.
Mangione mistura a Bíblia, Pokémon, Amy Rand, Peter Thiel e Elon Musk. No entanto, acho que ele entendeu algo essencial ao sugerir que pacientes como ele deviam dizer aos seus médicos que os problemas de costas os impediam de trabalhar.
“Vivemos em uma sociedade capitalista e descobri que a indústria médica responde com muito mais urgência a estas palavras do que quando descreve uma dor insuportável”.
O triunfo de Trump é chamado a provocar uma multiplicação surpreendente da violência social no país mais violento do planeta. Mas não procuremos coerência nesta guerra de todos contra todos.
A prometida “maior deportação de todos os tempos” não será uma acção administrativa cruelmente ordenada. Pelo contrário, será uma profecia auto-realizada: forçará milhões a esconder-se, semeará engano e medo. Muitos imigrantes preferem ir embora. Muitos decidirão fazer justiça pelas suas próprias mãos, de um lado ou outro.
Como Thomas Crooks que atirou no homem laranja, como Robert Cimo que atirou no desfile da Festa Nacional em 4 de julho de 2022, milhares de vigilantes solitários fabricarão suas próprias armas com a impressora 3D.
Mas não lhe chamem luta de classes, porque ódio ao mestre não é luta de classes sem amizade, sem cumplicidade, sem projeto coletivo de emancipação.
Chama-lhe mais vingança caótica contra o destino que nos tocou no século do nazismo liberal.