São Paulo, adoecida pelo rodoviarismo
Carros são responsáveis por 73% dos gases de efeito estufa na metrópole — e transportam apenas 30% das pessoas. Asfalto domina cerca de 40% do território. Uma saída: oferta robusta de transporte público, inclusive com outras modalidades, como o hidroviário
Publicado 05/12/2024 às 16:27
Por Sandra Capomaccio, no Jornal da USP
Segundo o Inventário de Emissões Atmosféricas do Transporte Rodoviário de Passageiros no Município de São Paulo, lançado em 2017, apenas os carros particulares são responsáveis por cerca de 73% dos gases de efeito estufa; em contrapartida, carregam só 30% dos passageiros. De acordo com a Prefeitura do município da cidade de São Paulo, todo o setor de transportes era responsável por cerca de 61% dos lançamentos dos mesmos gases. Os dados indicam que, quanto mais carros nas ruas, mais poluição.
O trânsito não é responsável apenas pela poluição do ar, mas por problemas que podem causar à saúde estresse, fadiga, diminuição da qualidade de vida, problemas alérgicos e respiratórios, além de câncer, e são apenas alguns dos malefícios recorrentes para aqueles que têm sua rotina baseada em horas estagnadas nas ruas. E quais seriam as soluções para diminuir tantos efeitos negativos do trânsito? Sem dúvida, a resposta passa por uma diminuição também da necessidade dos carros.
Atualmente, 70% das emissões de gases de efeito estufa no mundo são provenientes das cidades, sendo que quase a metade é originada dos transportes urbanos, em maior parte, pelos carros de transporte privativo. O número de automóveis aumentou de forma demasiada nas ruas da cidade, com isso ocorre uma diminuição de pessoas circulando nos espaços urbanos. O transporte público representa uma ótima estratégia para enfrentar questões relacionadas à sustentabilidade.
Tempo em congestionamentos
O médico patologista e professor da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva, especialista em poluição ambiental ligada a saúde humana, explica que os motivos são diversos para a locomoção na cidade: desde a distância entre emprego e moradia até escola. “Levamos uma tonelada de carros para a rua para carregar 70 kg ou 80 kg de pessoas” , avalia. Ele ressalta que não adianta produzir carros mais limpos se aumentou o número deles circulando. Cerca de 30% a 40% da cidade de São Paulo é ocupada por asfalto, o que faz a população perder mais tempo em congestionamentos. Em outros tempos, a poluição vinha das indústrias, agora vem do escapamento dos carros.
Com tanta poluição no ar é fácil falar das doenças que atingem os paulistanos. A primeira delas é o sono, tanto pela falta dele para locomoção quanto pela dificuldade de conseguir dormir com o barulho, sem contar os agravos à saúde causados pela poluição do ar, como as infecções respiratórias, por exemplo. “Cada paulistano vai fumar de um cigarro a dois por dia, em um deslocamento de duas a três horas. Somos fumantes passivos no trânsito de São Paulo”, explica o especialista.
A utilização de rios para o transporte, as hidrovias, em uma cidade como São Paulo já foi cogitada em 1920, mas foi esquecida com a chegada da indústria automobilística. Sobre os horários de pico, não existe mais o melhor ou pior momento para circular pela cidade no que se refere à poluição. Um estudo realizado na Faculdade de Saúde Pública USP comprovou isso. Os pesquisadores realizaram um estudo em que avaliaram a exposição a poluentes atmosféricos durante deslocamentos por meio de diferentes tipos de transporte em São Paulo – incluindo carro, ônibus, Metrô e bicicleta – e regiões da cidade. Os resultados revelaram que os moradores da região oeste da capital estão expostos a uma concentração maior de um poluente atmosférico chamado carbono negro. Já as com melhores condições de qualidade do ar foram aquelas que apresentavam maior concentração de áreas verdes. Em contrapartida, as regiões com qualidade intermediária do ar tinham maior presença de edifícios altos, que desfavorecem a dispersão da poluição do ar.