RJ: Justiça nega liminar para anular eleições do CFM; sindicato recorrerá

• Eleições para o CFM: por trás da disputa pelos conselhos, inclusive na enfermagem, relações perigosas e até mortes

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Nesta segunda-feira, o Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro entrou com Ação Civil Pública na Justiça Federal do Rio de Janeiro, a fim de anular o pleito realizado nos dias 6 e 7 de agosto que terminou com vitória da chapa do bolsonarista Rafael Câmara Parente. No entanto, despacho assinado pelo juiz Marcelo da Fonseca Guerreiro indeferiu o pedido. A ação alega cinco razões para contestar a vitória do ex-secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde no governo do capitão: discrepância no número de votos e eleitores habilitados; direito a mais de um voto para certos eleitores; falhas na fiscalização por parte da comissão eleitoral; ausência da comissão eleitoral regional nas apurações por estado; constrangimento a membros de chapas opositoras no exercício da fiscalização.

Sobre a duplicidade de votos, o sindicato e diversos membros da categoria afirmam que o próprio regulamento eleitoral do CFM proíbe tais privilégios, conforme seu artigo 5o. “São direitos dos médicos inscritos no Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, desde que estejam quites com a Tesouraria: a) exercer a medicina no Estado do Rio de Janeiro, com todas as prerrogativas conferidas por lei; b) votar nas Assembleias Gerais para fins do art. 24 da Lei nº3.268, de 30 de setembro de 1957; c) ser votado para os cargos de Conselheiro e de Delegado Eleitor; […]. Parágrafo Único — O disposto nas letras b e c não se aplica aos inscritos que estejam sob regime de inscrição secundária” (negrito da Redação).

Juiz que recebeu ação já derrubou presidente de Conselho de Enfermagem

A ação impetrada pelo sindicato recaiu sobre a mesa do juiz Marcelo da Fonseca Guerreiro, que já julgou diversas causas a envolver conselhos profissionais, a exemplo da Enfermagem e da Farmácia. Uma decisão controversa em seu histórico foi a que afastou definitivamente Andressa Barcellos de Oliveira da presidência do Conselho Regional de Enfermagem do Espírito Santo em 2022, em pedido da direção nacional do mesmo órgão. Dominado por cerca de 20 anos pelo mesmo grupo, ligado ao conservadorismo e recentemente convertido ao bolsonarismo, o Coren-ES viu uma chapa de oposição se eleger em 2021, em eleições adiadas de 2020. Para muitos, esse é o verdadeiro sentido da sentença contra Andressa. Os motivos de sua suspensão seguida de intervenção de 180 dias no Coren-ES foram “indícios de materialidade de prática de violação do sistema de controle de anuidades, quando da realização do pleito eleitoral de 2020” e “assédio moral e abuso de poder”.

 Em sua defesa, em história contada no site do Sindicato dos Servidores e Empregados dos Conselhos e Ordens de Fiscalização do Exercício Profissional (Sinserscon), Andressa afirmou que “o que tenho para advogar sobre mim é o trabalho que faço desde 2019 no Conselho. O Coren tem mais de R$ 6 milhões em caixa. Qual forma que encontraram de tomar o poder? Na honestidade, eles não conseguiriam”. A história da disputa pelo comando do órgão capixaba remonta aos mesmos expedientes registrados nas disputas pelos conselhos de medicina, com cerceamento de chapas opositoras ao grupo político hegemônico. “Fui oposição pelo fato de a gestão ser ligada ao Gilberto Linhares”, afirma Andressa, referindo-se ao ex-presidente do Cofen, que esteve à frente dessa entidade de 1991 a 1997, e do Coren/RJ de 1987 a 1991.

Um personagem potencialmente criminoso

Gilberto Linhares é uma figura cuja história ficou marcada por episódios brutais. Sua gestão foi denunciada por corrupção por Maria Lúcia Martins Tavares e Guaraci Novaes, em 1999, por atos realizados em 1993. Um mês depois, Guaraci foi assassinado e Gilberto foi imediatamente colocado como suspeito. Ainda em 1999, também foi indiciado como suspeito pelo assassinato do casal de enfermeiros Edma e Marcos Valadão. Edma Valadão era presidente do Sindicato dos Enfermeiros do RJ; Marcos Valadão, presidente da Associação Brasileira de Enfermagem Seção RJ. Ambos denunciaram Gilberto Linhares ao TCU por desvio de verbas do conselho, em valores que hoje chegariam a R$ 100 milhões.

Preso na Operação Predador em 2005, Linhares foi condenado a 19 anos de prisão ao lado de esposa e outras 15 pessoas. Já havia sido condenado em 2000, porém solto pela 5a Turma do STJ que acusou ilegalidade na coleta de provas. No dia 19 de abril deste ano, a 2ª Promotoria de Justiça Junto ao II Tribunal do Júri da Capital, voltou a julgar seu caso, a partir de ação do Ministério Público, e condenou Gilberto Linhares a 26 anos de prisão em regime fechado. Sua condenação foi comemorada por órgãos da enfermagem, sindicatos e o PC do B.

Conluio bolsonarista?

Janete de Sá, deputada estadual no Espírito Santo pelo PSB, saiu em defesa de Andressa à época. “São acusações levianas, Andressa é vítima de armadilha, de artimanha da direção anterior do Conselho, que não se conforma em ter perdido as eleições e a presidência para Andressa. Já tivemos mortes, assassinatos, por conta dessa sanha por estar à frente dos conselhos por conta dos altos valores que entram”, disse. No contexto de então, vale destacar que o estado capixaba se destacou por uma política sanitária frontalmente oposta à orientação do governo Bolsonaro – e seu secretário de Atenção Primária Rafael Parente – na prevenção à covid-19.

O governador do estado era, e segue a ser, Renato Casagrande, também do PSB. Seu secretário de saúde de então era Nésio Fernandes, membro do PC do B, que também foi o secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde em 2023 e organizador da retomada do Mais Médicos. O programa foi alvo de ódio visceral da direita da medicina desde sua primeira versão em 2013, ao trazer médicos cubanos para trabalhar no Brasil. O programa foi completamente destruído pelas mãos de Rafael Parente.

Ligações perigosas

De acordo com a compreensão de grande parte da opinião pública, o judiciário carioca é amplamente ligado e dominado pela direita mais autoritária. O juiz Marcelo da Fonseca Guerreiro recebeu em 2019 medalha de cidadão honorário da cidade, em condecoração dada a partir da iniciativa do vereador Jimmy Pereira. Ex-presidente do PRTB, Pereira foi condenado pela justiça por improbidade administrativa na gestão do fundo eleitoral da legenda. Em 2021, foi nomeado por Claudio Castro para a chefia da Fundação Leão 13, que opera a assistência social no estado. Poucos meses depois, já no PROS, foi exonerado pelo governador, em razão de divergências políticas.

Quanto à decisão do juiz Fonseca, o sindicato entrará com um agravo de instrumento para prosseguir na contestação do resultado eleitoral, em movimento que começa a ser seguido por chapas oposicionistas de outros estados. Quanto ao disparo ilegal de mensagens de chapas bolsonaristas, ação que evidencia acesso privilegiado a dados de médicos com direito a voto, o CFM disse que acionou a Polícia Federal, mas nenhuma nova informação foi transmitida ao público. O resultado da eleição deveria ter sido homologado nesta segunda, 19/8, mas segue em suspenso, enquanto a posse das novas direções está prevista para outubro.

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