Hilary Putnam: o filósofo demolidor

Resgatando a dimensão ética das teorias econômicas, lançamento da Associação Filosófica Scientiae Studia faz dura crítica à visão positivista que contrapõe mundo dos fatos e esfera dos valores. Sorteamos um exemplar

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O novo título da Associação Filosófica Scientiae Studia demole a visão positivista da vida, segundo a qual o mundo dos fatos e a esfera dos valores são domínios radicalmente diferentes. Em O colapso da dicotomia entre fato e valor e outros ensaios, o filósofo Hilary Putnam resgata a dimensão ética das teorias econômicas, revelando as consequências da filosofia moral para as ciências. 

Outras Palavras e Editora Scientiae Studia  sortearão um exemplar de O colapso da dicotomia entre fato e valor e outros ensaios, de Hilary Putnam, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 17/6, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

Não é sempre que paramos para pensar na economia como uma ciência humana e social. Rodeado de métricas e números, o “fator humano” – e seu bem-estar – não raro é submetido por parâmetros e indicadores quantitativos, que colocam a humanidade em segundo plano. Mas não é assim que o filósofo Hilary Putnam pensa. Ao contrário, ele provoca, em detalhes, a demolição de toda uma linhagem de teorias econômicas que colaboram com a desigualdade e a pobreza. 

Em O colapso da dicotomia entre fato e valor e outros ensaios, recém lançado pela Associação Filosófica Scientiae Studia, Putnam questiona a clássica separação entre fatos e valores, construída como uma dicotomia que tem profundas implicações para a filosofia, a ciência e, particularmente, a economia. O autor argumenta que a visão de que “juízos de valor são subjetivos” enquanto “enunciados de fato são objetivamente verdadeiros”, com suas significativas consequências no pensamento e na prática social, é insustentável.

Permeia todo o livro a influência do pensamento de Amartya Sen. Laureado com o Prêmio Nobel de Economia, Sen é reconhecido mundialmente por desafiar a visão tradicional que exclui os valores da análise econômica propondo o enfoque das “capacidades”, que integra desenvolvimento econômico e teoria ética, destacando a importância de considerar o bem-estar humano e as oportunidades concretas das pessoas em suas situações sociais específicas. Putnam, que foi amigo de Sen durante os anos em que esteve em Harvard, abraça o pensamento do economista e argumenta que a ética é fundamental para qualquer análise econômica significativa.

Dividido em duas partes principais, o livro começa com as Conferências Rosenthal, realizadas na Universidade Northwestern, em 2000, que desafiam essa dicotomia e exploram sua significação na economia. A primeira conferência examina a transformação de distinções filosóficas em dicotomias absolutas, tal como a oposição entre juízos “analíticos” e “sintéticos”, criticando suas bases e consequências. Por exemplo, o autor discute como a exclusão dos valores das análises econômicas permitiu que políticas econômicas, como as de austeridade, fossem implementadas sem considerar seus impactos humanos devastadores, exacerbando a desigualdade e a pobreza.

Já na segunda parte, o autor aprofunda a discussão, conectando suas críticas iniciais a debates contemporâneos e históricos na filosofia e na economia. Ele aborda temas como a crítica à “teoria da escolha racional”, ilustrando com o colapso financeiro de 2008, quando a crença na racionalidade completa dos mercados ignorou comportamentos humanos irracionais que levaram a decisões desastrosas. A distinção entre “razões internas” e “razões externas” de Bernard Williams é explorada com exemplos de políticas públicas de saúde, nas quais as motivações pessoais dos indivíduos devem ser consideradas para formular políticas econômicas e sociais eficazes.

O autor também defende uma ética objetiva sem recorrer a um reino platônico, seguindo criticamente as ideias de John Dewey e Jürgen Habermas. Por exemplo, Putnam mostra como a objetividade nas normas éticas pode ser vista na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, apesar de suas origens culturais diversas, estabelece valores universais reconhecidos globalmente.

O livro mostra, por fim, que a própria ciência pressupõe valores epistêmicos, como coerência e simplicidade, que são tão objetivos quanto os valores éticos. Ao explorar a filosofia da ciência do século XX, Putnam revela as tentativas errôneas de evitar essas questões e reafirma a necessidade de reconhecer a interconexão entre descrição e avaliação em todas as áreas do raciocínio humano. Um exemplo disso é a ciência climática, onde os valores de sustentabilidade e preservação do ambiente são intrínsecos às pesquisas e políticas de combate às mudanças climáticas.

O colapso da dicotomia entre fato e valor e outros ensaios oferece uma crítica profunda e uma alternativa robusta ao pensamento positivista, mostrando que a integração de ética e economia é não apenas possível, mas essencial para um entendimento racional mais amplo do mundo. Com a inspiração e as contribuições significativas do pensamento de Amartya Sen, o livro é essencial para qualquer pessoa interessada em compreender como as crenças sobre fatos e valores influenciam as decisões políticas e econômicas que moldam nossas vidas.

A seguir, a redação da editora Scientiae Studia responde 5 questões centrais para ajudar a entender (e mergulhar) no pensamento desse livro e do filósofo Hilary Putnam.

  1. O que é o positivismo na filosofia? 

O positivismo, na filosofia, é uma corrente de pensamento que enfatiza a importância do conhecimento empírico e científico, baseando-se na observação direta, na experiência e na lógica. Foi desenvolvido inicialmente por Auguste Comte na França do século XIX, tendo uma perspectiva política claramente conservadora. No século XX, predominou outra forma de positivismo, o neopositivismo ou positivismo lógico. Este sustenta que o conhecimento autêntico é aquele que pode ser empírica ou logicamente verificado, e rejeita especulações metafísicas ou teológicas. Por estar em Viena, ficou conhecido como o Círculo de Viena. Seus membros tinham atuação política e ocupavam cargos públicos. Entre os seus principais membros, encontram-se Moritz Schlick, Rudolf Carnap e Otto Neurath. Schlick foi assassinado por um estudante nazista fanático nas escadarias da universidade no fatídico ano de 1937. Carnap conseguiu emigrar para os Estados Unidos.

Alguns dos princípios centrais do positivismo incluem o empirismo, o verificacionismo, a rejeição da metafísica, o cientificismo e a unidade da ciência. 

No empirismo, existe a crença de que o conhecimento deve ser derivado da experiência sensorial e observável. Nesse caso, as afirmações devem ser confirmadas ou refutadas através de observações empíricas e experimentos.

O verificacionismo defende a tese de que uma proposição só tem significado cognitivo (e, portanto, expressa conhecimento fatual) se puder ser empiricamente verificada. A ideia-chave vinha de Wittgenstein: o significado de um enunciado acerca de um fenômeno do mundo é o seu método de verificação. Esse princípio é central ao positivismo lógico do Círculo de Viena, que buscava aplicar uma rigorosa análise lógica às ciências e à filosofia, afirmando que muitas das questões filosóficas tradicionais eram, na verdade, pseudoproblemas resultantes de mal-entendidos linguísticos. Mas o verificacionismo funciona apenas enquanto se mantêm duas dicotomias: analítico/sintético; fato/valor.

Como só há dois tipos de enunciados significativos, os lógico-matemáticos ou os empíricos, e como todos os enunciados empíricos acerca do mundo estão submetidos à verificação empírica, segue-se que as questões e afirmações que não podem ser empiricamente verificadas têm que ser excluídas da consideração racional. Questões tais como a da existência de Deus e da natureza da alma não pertencem ao domínio do conhecimento científico. Elas devem ser excluídas da consideração científica porque carecem de significado empírico. A ciência só se ocupa de fatos, isto é, dos estados de coisas do mundo que podem ser empiricamente verificados. A metafísica está excluída do sistema de conhecimento positivista.

O cientificismo defende a tese de que os métodos empíricos quantitativos são os mais adequados para investigar todas as áreas do conhecimento. Assim, o positivismo tende a impor os métodos das ciências naturais e exatas a todas as demais disciplinas, em particular a sociologia e a economia

A unidade do método da ciência conduz à unidade da ciência, pois, ao compartilhar uma metodologia comum, as várias disciplinas são submetidas a exigências que visam a produção de uma convergência para uma visão unificada do conhecimento.

  1. Quais as críticas que o positivismo enfrentou dentro da filosofia? 

O positivismo enfrentou várias críticas. Uma crítica clássica diz que o princípio verificacionista não é ele próprio verificável e, portanto, seria carente de significado. Nesse sentido, o princípio verificacionista não satisfaz seus próprios critérios. 

Na filosofia da ciência, Karl Popper argumentou contra o verificacionismo, propondo o falsificacionismo como um critério mais adequado para a ciência. Segundo Popper, as teorias científicas nunca podem ser comprovadas de forma definitiva, apenas refutadas. 

Thomas Kuhn, por sua vez, destacou que o desenvolvimento da ciência é caracterizado por paradigmas e revoluções científicas, sugerindo que a ciência não progride de maneira linear e acumulativa como sugerido pelo positivismo. Já Willard Quine foi um ferrenho crítico do reducionismo científico, desafiando a dicotomia analítico-sintético ao criticar a ideia de que nossas afirmações sobre o mundo podem ser verificadas isoladamente. 

Outras Palavras e Editora Scientiae Studia  sortearão um exemplar de O colapso da dicotomia entre fato e valor e outros ensaios, de Hilary Putnam, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 17/6, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

O positivismo, portanto, representa uma importante corrente na história da filosofia, com grande influência no desenvolvimento das ciências. Mas o pensamento positivista esteve sujeito a revisões significativas, que ampliaram e modificaram a compreensão do conhecimento científico e filosófico.

  1. Como o positivismo influenciou o mundo em que vivemos? 

O positivismo teve um impacto profundo e duradouro no mundo moderno. Ao promover uma abordagem empírica e científica, ele transformou a maneira como buscamos conhecimento, tomamos decisões políticas e desenvolvemos tecnologias. Apesar das críticas e do reconhecimento intelectual de suas limitações, sua influência permanece atuante em muitas das instituições e práticas que definem o mundo contemporâneo.

Os princípios positivistas ajudaram, por exemplo, a catalisar a Revolução Industrial, impulsionando inovações tecnológicas e o desenvolvimento de novas indústrias. A NASA e outras agências espaciais aplicam métodos científicos rigorosos para explorar o espaço, exemplificando a abordagem positivista na ciência aplicada. Outro exemplo é o desenvolvimento da computação e da internet que foram fortemente influenciados por princípios científicos e empíricos, resultando em avanços tecnológicos que transformaram a sociedade. 

Sem dúvida, o positivismo teve uma influência vital no mundo que conhecemos hoje, moldando diversas áreas do conhecimento, das políticas públicas e da prática científica. Sua ênfase no empirismo, na ciência e na rejeição da metafísica transformou a maneira como entendemos e interagimos com o mundo. 

A crença na unidade da ciência é outro exemplo da influência do positivismo em nossas vidas, incentivando uma abordagem interdisciplinar e promovendo a colaboração entre diferentes campos científicos e contribuindo para descobertas inovadoras. Desse modo, o positivismo também moldou a forma como as disciplinas são ensinadas e como a pesquisa acadêmica é conduzida ao promover currículos e programas organizados a partir da valorização da quantificação como expressão de objetividade, da qual as ciências naturais são exemplares. Consequentemente, as universidades e institutos de pesquisa também adotaram princípios positivistas, enfatizando a importância da pesquisa empírica e da publicação de resultados verificáveis.

No campo da governabilidade e das políticas estatais e públicas, por exemplo, países e organizações internacionais adotaram políticas baseadas em coletas sistemáticas de dados empíricos para abordar questões sociais, econômicas e ambientais. Podemos citar a formulação de políticas de saúde pública, programas de bem-estar social e algumas estratégias ambientais. A administração pública, por sua vez, também passou a valorizar dados e estatísticas para a tomada de decisões, criando agências de estatísticas e departamentos de pesquisa em governos.

Obviamente, ao interagir no campo das políticas estatais, governo e administração pública, o pensamento positivista permeou a economia, promovendo modelos quantitativos e a análise empírica de dados, resultando em teorias econômicas baseadas em comportamentos observáveis e dados mensuráveis. Nesse sentido, as políticas econômicas difundiram modelos econométricos e previsões baseadas em dados empíricos.

A influência positivista também abarcou o direito e a sociologia. Auguste Comte, o pai do positivismo, também é considerado um dos fundadores da sociologia, e, a partir dele, vertentes da disciplina incorporam parâmetros científicos identificados às ciências naturais ao estudo das sociedades, configurando um dos sentidos da sociologia como ciência empírica. Já no campo jurídico, o positivismo legal impactou a forma como as leis são interpretadas e aplicadas, destacando-se a importância da lei escrita e codificada, separada de considerações morais.

Por fim, mas não menos importante, podemos pensar na influência do positivismo na medicina e na saúde pública. A prática médica passou a enfatizar o uso de pesquisas empíricas, medidas e estudos clínicos para orientar diagnósticos e tratamentos. As campanhas de saúde pública e programas de vacinação, por sua vez, são exemplos de políticas baseadas em dados científicos e evidências empíricas que têm salvado milhões de vidas.

  1. Qual a crítica central do filósofo Hilary Putnam ao positivismo? 

Hilary Putnam foi um dos mais reconhecidos críticos do positivismo, particularmente do positivismo lógico, que dominou grande parte da filosofia analítica no século XX. Suas críticas são variadas e profundas, abordando tanto aspectos técnicos quanto filosóficos. 

Na esteira de Quine, Putnam argumentou que a distinção dicotômica entre proposições analíticas (verdades por definição) e proposições sintéticas (verdades sobre o mundo) é insustentável. Ele argumentou que muitas proposições não podem ser claramente classificadas como analíticas ou sintéticas porque seu significado depende do contexto e das práticas linguísticas.

Putnam criticou a tese verificacionista, segundo a qual uma proposição só é significativa se puder ser empiricamente verificada, argumentando que ele é autodestrutivo, pois o próprio verificacionismo não pode ser empiricamente verificado. Além disso, Putnam destacou que muitas proposições científicas e teóricas são significativas mesmo quando não podem ser verificadas.

Para contrastar com a ideia de “realismo metafísico”, defendido pelos positivistas, Putnam desenvolveu a ideia do “realismo interno”, pela qual argumentou que nossa compreensão do mundo é sempre mediada por nossos conceitos e teorias, e que não há “um ponto de vista de Deus” ou uma perspectiva totalmente objetiva do mundo. Isso desafia a noção positivista de uma descrição objetiva da realidade.

Junto com W.V.O. Quine, Putnam argumentou que a matemática é indispensável para a ciência empírica e, portanto, deve ser considerada tão “real” quanto os objetos físicos. Essa posição desafia a visão positivista que relegava a matemática ao domínio das verdades analíticas, não factuais.

Putnam também criticou a visão positivista de que os valores são completamente subjetivos e por isso estão fora do domínio da racionalidade. Em vez disso, ele defendeu que os juízos de valor desempenham um papel crucial no raciocínio científico e na avaliação das teorias. Assim, o filósofo desafiou a dicotomia entre fatos e valores, argumentando que muitos enunciados factuais carregam consigo implicações valorativas e que a avaliação e a descrição estão profundamente imbricadas. Isso é particularmente relevante para a possibilidade de formular a questão da relação entre a economia e a ética, sustentando que as decisões políticas e econômicas não podem ser completamente separadas dos valores morais.

Por fim, num artigo clássico, Putnam argumentou o significado das palavras não está na cabeça, mas depende da relação entre as pessoas e do mundo. Depois, na esteira de Wittgenstein, sustentou que o significado das palavras está ligado ao uso e às práticas sociais, e não a uma correspondência direta e estática com o mundo, desafiando a visão positivista de uma linguagem puramente referencial. 

Ou seja, a crítica de Hilary Putnam ao positivismo é abrangente e multifacetada, abordando desde aspectos técnicos da lógica e da filosofia da linguagem até questões fundamentais sobre a natureza da ciência e a interconexão entre fatos e valores. Suas contribuições ajudaram a transformar a filosofia analítica, promovendo uma visão mais complexa e articulada da racionalidade, do conhecimento e da realidade.

  1. Como a economia se enquadra nessa crítica de Putnam ao positivismo?

A crítica de Hilary Putnam ao positivismo tem profundas implicações para a economia. Ela desafia a visão tradicional de que a economia pode ser uma ciência puramente objetiva e livre de valores, destacando a interdependência entre fatos e valores e a necessidade de integrar considerações éticas e normativas na análise econômica. Isso abre espaço para uma abordagem mais holística e reflexiva na economia, que reconhece a complexidade das questões sociais e a importância dos valores humanos no desenvolvimento de políticas e teorias econômicas. 

Tradicionalmente, a economia positivista, exemplificada por economistas como Lionel Robbins, sustenta que a ciência econômica deve ser livre de juízos de valor, concentrando-se apenas em proposições que possam ser empiricamente verificadas. Isso implica que as análises econômicas devem separar claramente fatos (o que é) de valores (o que deve ser). Mas Putnam argumenta que os juízos de valor estão intrinsecamente ligados à prática científica, incluindo a economia. Em políticas econômicas, as escolhas muitas vezes envolvem considerações éticas e valorativas que não podem ser simplesmente separadas dos fatos. Por exemplo, ao formular políticas fiscais, os economistas não apenas lidam com dados empíricos sobre receitas e despesas, mas também com concepções que implicam juízos sobre justiça distributiva, equidade, bem-estar social, produtividade, competitividade e crescimento econômico.

Outra questão que podemos citar é a forma como o pensamento positivista em economia tende a focar na modelagem matemática e na quantificação rigorosa, argumentando que evitariam questões normativas. Mas, segundo Putnam, a racionalidade normativa é crucial e as avaliações normativas não apenas podem ser discutidas racionalmente, como também foram essenciais para o desenvolvimento científico moderno. Ele argumenta que valores como simplicidade, coerência e utilidade prática são parte integrante da ciência. 

Em uma dimensão mais ampla, tomemos o exemplo de Amartya Sen, o influente economista que formulou o enfoque das capacidades, considerando o desenvolvimento humano não apenas em termos de crescimento econômico, mas também em termos de liberdade como valor intrínseco e da distribuição variada das condições para a ampliação das capacidades dos indivíduos para viverem as vidas que valorizam. Assim, nesse enfoque, juízos normativos são explicitamente integrados à análise econômica.

Outro ponto que podemos citar é o fato de que o positivismo, muitas vezes, promove um reducionismo metodológico, tentando explicar fenômenos complexos em termos de componentes simples e empiricamente verificáveis. Para Putnam, a visão reducionista ignora a complexidade e a interconectividade dos fenômenos sociais, desconhecendo a importância dos contextos sociais e históricos. Análises econômicas que se concentram somente em métricas como o PIB ou a taxa de desemprego podem falhar em capturar aspectos importantes do bem-estar humano, como a distribuição de renda, o acesso à educação e à saúde e a qualidade das instituições sociais, entre outros pontos centrais.

Contra a perspectiva de que valores são subjetivos e, portanto, estão fora do domínio da análise econômica rigorosa, concentrada em fenômenos quantificáveis e dados verificáveis, Putnam argumenta que todas as escolhas teórico-metodológicas em economia são permeadas por considerações valorativas: por exemplo, as decisões sobre política monetária envolvem juízos sobre trade-offs entre inflação e desemprego, que são intrinsecamente normativos. A escolha de um modelo econômico particular ou a ênfase em certas políticas expressa valores sobre o que se considera mais importante para o bem-estar da sociedade. 

O argumento atinge, assim, a visão absoluta do liberalismo econômico que difunde socialmente a posição positivista de que a economia é uma ciência objetiva, livre de influências subjetivas, e que seus modelos são neutros em relação aos valores.

O que as reflexões de Putnam, reunidas neste livro, sustentam é que a objetividade científica não é sinônimo de ausência de valores, e que os valores são necessários para a avaliação crítica das teorias e dos métodos científicos. Se tomamos como exemplo a crise econômico-financeira global de 2008 – desencadeada principalmente pela bolha imobiliária nos Estados Unidos, onde bancos concederam empréstimos hipotecários de alto risco que foram então transformados em produtos financeiros complexos e vendidos para investidores globais – vemos que a origem do “engano” estava nos modelos econômicos que ignoraram os riscos sistêmicos, baseando-se em suposições idealizadas da realidade.


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