Para entender o Hamas

Livro recém-lançado pela Autonomia Literária busca esclarecer o papel da organização no conflito. Na obra, especialistas analisam a evolução do movimento desde suas raízes religiosas até o poder. Leia prefácio de Breno Altman. Concorra a exemplares

Imagem reproduzida no portal da International Workers League

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Mesmo com o cessar-fogo anunciado em 10 de outubro deste ano, mediado pelos Estados Unidos e outros países, a invasão isralense em Gaza parece estar longe de chegar ao fim.

O recente acordo, assim como os anteriores, vem se demonstrado extremamente frágil e tem sido violado repetidas vezes. Só nessa quarta-feira (5), três palestinos foram mortos em mais um ataque à região de Gaza, como informa o periódico The New Arab.

O fatídico dia 7 de outubro de 2023 reacendeu a questão do colonialismo sionista na Palestina e projetou para o centro do debate mundial a organização que liderou a Operação Dilúvio de Al-Aqsa (em árabe: عملية طوفان الأقصى): o Hamas.

De orientação sunita e com raízes na Irmandade Muçulmana, o Movimento de Resistência Islâmica (em árabe: حركة المقاومة الإسلامية, Ḥarakat al-Muqāwamah al-ʾIslāmiyyah) governa a Faixa de Gaza, um território palestino que se encontra sob rigoroso bloqueio aéreo, terrestre e marítimo por parte de Israel e do Egito.

Mas o holofote, é claro, veio acompanhado de um turbilhão de questionamentos. Como classificar corretamente o Hamas? Onde ele se encaixa? É um movimento de esquerda ou de direita? Como é marcada sua governança em Gaza? Sua luta é legítima resistência anti-imperialista ou um jogo de interesses da elite palestina? E seu objetivo final é um projeto de emancipação nacional palestina ou prega uma versão islâmica do mesmo projeto de supremacia étnica que enfrenta – trocando o sionismo por um Estado teocrático?

A obra Entendendo o Hamas e por que isso é importante, dos jornalistas Helena Cobban e Rami G. Khouri e publicado no Brasil pela Autonomia Literária, busca responder essas e outras questões.

Em parceria com a Autonomia LiteráriaOutras Palavras irá sortear dois exemplares de Entendendo o Hamas e por que isso é importante, dos jornalistas Helena Cobban e Rami G. Khouri, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 17/11, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

A obra não vem para advogar contra ou a favor da organização. Por meio de conversas, traz as vozes de especialistas que aprofundam o conhecimento acerca do tema. 

O livro traça a evolução do Hamas, desde suas raízes no ativismo social e religioso, até sua inserção no cenário político nacional. Também examina o delicado equilíbrio de poder entre suas alas política e militar, bem como a transformação de suas posições iniciais para uma postura que busca distinguir entre o judaísmo, como religião, e o sionismo, como projeto político.

O escrito também aborda a estratégia do Hamas: suas alianças com outros atores regionais, seu envolvimento em eleições, sua base de apoio e suas posições sobre questões sociais. Por fim, trata do debate central sobre seus objetivos – se permanece focado na destruição de Israel ou se poderia aceitar uma solução de dois Estados.

Historicamente, as lideranças de Israel têm empreendido um discurso que visa demonizar movimentos de libertação palestina, desde o mais secular entre eles: a Organização pela Libertação da Palestina (OLP). Como ressaltam os autores na introdução da obra:


Tais esforços de demonização impedem a diplomacia e mantêm as populações que sofrem com o domínio colonial ou a ocupação militar presas por décadas em conflitos devastadores nas mãos de seus opressores muito mais violentos e fortemente armados.

Essas campanhas de demonização sempre se apoiam em achatar ou elidir a substancial e relevante história política dos movimentos de libertação nacional. No Vietnã, as pessoas que resistiram aos militares dos Estados Unidos foram amplamente descartadas como ‘gooks’. No Quênia, os militares britânicos classificaram os organizadores do ‘Mau Mau’ Land and Freedom Party (Partido “Mau Mau” por Terra e Liberdade) como arautos violentos e primitivos do puro mal…


Diante da hesitação geral em debater de maneira aprofundada as nuances do movimento, o conselho da Just World Educational (Educação para um Mundo Justo) empreendeu uma campanha intitulada “Entendendo o Hamas e por que isso é importante”.

O projeto iniciou-se a partir de conversas com cinco especialistas acadêmicos – três palestinos e dois europeus que passaram anos em Gaza, Jerusalém e Cisjordânia durante os anos de surgimento e desenvolvimento do Hamas. Além de pesquisarem seriamente o movimento, os pesquisadores também tiveram a oportunidade de entrevistar alguns de seus líderes.

A publicação promove, portanto, uma base factual para entender um dos movimentos mais decisivos no atual momento do conflito.

Leia, logo abaixo, o prefácio da obra escrito pelo jornalista Breno Altman. Boa leitura!


Retirado do portal da Revista Jacobina. Clique aqui para ter acesso à publicação original.

O Movimento de Resistência Islâmica, ou Harakat Al Muqawama al Islamia, batizado como “Hamas”, a principal organização palestina na Faixa de Gaza, merece ser conhecido mais amplamente, pelo peso que veio adquirindo na luta contra o colonialismo sionista. 

A obra de Helena Cobban e Rami G. Khouri é enorme contribuição nesse sentido, ao iluminar a origem e a trajetória desse grupo de rara conformação, no qual se integram o fundamentalismo religioso, a assistência social, a luta política e a ação militar. Suas características específicas, aliás, provocam enorme confusão e preconceito, particularmente em quem foi educado pelos moldes do Iluminismo europeu.

Afinal, o Hamas é de esquerda ou de direita? Trata-se de uma organização anti-imperialista ou está a serviço da burguesia árabe-palestina? Tem um projeto de emancipação nacional ou representa uma alternativa de supremacia étnico-religiosa semelhante ao próprio regime sionista? Essas e outras são perguntas de extremo interesse, para as quais o leitor poderá encontrar respostas ou pistas nas páginas do livro Entendendo o Hamas e por que isso é importante.

O surgimento

Antes de mais nada, o Hamas não pode ser compreendido fora do contexto histórico. Fundado a partir de uma costela palestina da Irmandade Muçulmana, dedicada à pregação religiosa e às obras de caridade, esse movimento nasceria imerso na intensa politização da juventude palestina nos anos 80 do século passado. Os jovens, então, viviam submetidos à ocupação militar israelense, cada vez mais brutal, e a sentimentos de frustração com a antiga liderança agrupada na Organização pela Libertação da Palestina (OLP), em sua maioria vivendo no exílio. 

O espaço religioso, menos exposto à violência sionista naquela época, foi o reduto natural para que uma nova geração adotasse as trincheiras da libertação nacional, concentradamente na Faixa de Gaza, vizinha ao Egito, onde estava sediada a matriz islâmica da organização. As raízes fincadas entre as camadas mais sofridas trouxeram para o interior de mesquitas e santuários a vontade de combate que proliferava nas ruas. 

Não é à toa que a fundação do Hamas coincide, no tempo, com o início da Primeira Intifada, em 1987, irrompida em Jabalia, a quatro quilômetros da cidade de Gaza, quando um caminhão do exército israelense colidiu com um carro civil, resultando na morte de quatro palestinos. Foram seis anos de duros enfrentamentos, durante os quais a nova organização ganharia músculos e projeção, movimentando-se pendularmente entre alianças e conflitos com os partidos integrantes da OLP.

Naquele período, se lermos os estatutos e o programa iniciais do movimento, notaremos forte predomínio de ideias religiosas, jihadistas, que pouco distinguiam, entre outros temas, a diferença entre judeus e sionistas. A luta de libertação assemelhava-se, nesses documentos, a uma guerra santa, entre povos e religiões, contrapondo-se à cultura laica e nacionalista dos dirigentes históricos da resistência, muitos sob forte influência marxista. 

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Com os Acordos de Oslo, de 1993, uma clara divisão se estabelece entre os grupos palestinos, induzindo aceleradamente a incursão do Hamas no reino da política. De um lado, correntes favoráveis ao pacto, reconhecendo a legitimidade de Israel, renunciando à luta armada e aceitando a constituição gradual do Estado Palestino em apenas 21% do território delineado em 1947. De outro, coletivos que repudiavam esse caminho, entre os quais grupos internos da OLP que iriam se aliar ao Hamas na frente da rejeição.

A experiência de coalizões com agrupamentos laicos e marxistas teria relevância durante os anos 1990, permitindo ao partido islâmico amadurecer posições e definir melhor a relação entre política e religião, em boa medida caminhando para uma secularização prática, embora banhada pela narrativa muçulmana. A Segunda Intifada, de 2000 a 2005, seria a vitrine dessa nova etapa do Hamas. 

A essa altura, o Hamas já operava com três braços relativamente autônomos: um para a execução de serviços sociais, outro para a luta político-eleitoral e um terceiro para o confronto militar. Ao vencer as eleições parlamentares de 2006 e passar a comandar o governo da Autoridade Palestina, com Ismail Haniyeh exercendo a função de primeiro-ministro, o movimento renovava sua identidade, afirmando-se como uma referência anticolonial para além da religião. 

Queda e reascensão

De curta duração, pois seria deposto em 2007 pelo presidente Mahmoud Abbas, o gabinete Haniyeh chegou mesmo a apresentar, embora com ressalvas, um pacto de transição pacífica, mas acelerada, nos termos fixadas em Oslo, tendo como objetivo imediato o pleno estabelecimento de um Estado Palestino. A pressão israelense e estadunidense, à qual sucumbiria a Autoridade Palestina, não aceitava, sob qualquer hipótese, que as forças mais radicais da resistência pudessem governar.

Fora do governo, o Hamas expulsaria da Faixa de Gaza os seguidores do Fatah, partido hegemônico da Autoridade Palestina, e assumiria a direção integral do enclave. Imediatamente o regime sionista estabeleceria um cerco por terra, mar e ar, contra o qual se confrontaria por mais de quinze anos, acumulando forças para a abertura da Terceira Intifada, em 7 de outubro de 2023. 

A partir desse momento o Hamas se tornaria o principal protagonista da luta palestina, em uma batalha heroica que custou mais de 50 mil vidas, mas colocando o Estado de Israel contra as cordas e impulsionando a solidariedade com a causa palestina ao seu maior patamar histórico. 

Quase quatro décadas depois de sua fundação, a organização islâmica está claramente reconfigurada. Claro que permanece longe de se integrar à família marxista ou socialista, preservando valores e políticas fortemente contestáveis pela esquerda. Tampouco se pode duvidar, no entanto, que o Hamas se afirmou como um dos movimentos anti-imperialistas e anticoloniais mais combativos de nossa época. Por essas e outras razões, Entendendo o Hamas é um livro precioso e indispensável.


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