Para questionar relações automatizadas

Como a vida em comunidade terapêutica estimula a vasculhar, o tempo todo, as defesas que erguemos contra nossa própria liberdade

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Por Katia Marko, editora da coluna Outro Viver | Imagem: Henri Matisse, Ninfa e Sátiro (1909)

Nos últimos anos, a Comunidade Osho Rachana resolveu comemorar o dia dos pais. No sábado, acordamos cedo para organizar a casa e preparar o churrasco, como pede a tradição gaúcha. Mais do que celebrar uma data festiva, resolvemos fazer da ocasião um dia especial para nossos pais.

Cada ano é criada uma homenagem diferente. Havíamos inaugurado, no dia das mães de 2012, um show de dublagens de músicas. Foi um sucesso difícil de superar. Mas repetimos a dose para os pais e foi melhor ainda. Nada de muito ensaio e altas produções. É tocante ver nossos “heróis” chorarem de emoção e agradecerem o presente. Não aquele que você compra numa loja e paga com o cartão de crédito, mas o que vem do coração e da vontade de estar mais perto. Afinal, este é o real desejo de toda criança. Mas para conseguir isso, não é tão simples.

Todos os moradores da comunidade e muitos amigos e clientes do Namastê já vivenciaram um trabalho bastante profundo chamado Pai e Mãe, criado pelo terapeuta Prem Milan. É o carro-chefe da nossa terapia. Um processo que resgata a relação com os nossos pais. Durante 17 dias, através de várias técnicas, mergulhamos na infância e adolescência, para tornar conscientes os padrões desenvolvidos neste período fundamental de nossa vida. Eu fiz o Pai e Mãe em 2001, mas no mês passado estive do outro lado. Minha filha de 17 anos passou pelo processo.  Os frutos, estamos colhendo aos poucos – mas já são bastante visíveis.

Segundo o psiquiatra Alexander Lowen, criador dos exercícios de Bioenergética, a incapacidade de entregar-se ao amor de coração limpo está na raiz de todos os problemas emocionais que as pessoas têm e levam para a terapia. “O indivíduo que foi ferido nas primeiras relações com seus pais ergueu um conjunto de defesas contra ser ferido novamente, cuja ameaça ele percebe como risco de vida”, diz ele.

Nossos pais foram a primeira mulher e o primeiro homem que amamos. Nosso referencial de amor, de contato físico, emocional e psíquico. A maneira como esta relação se desenvolveu determinou a maneira como aprendemos a nos relacionar com os outros e com os nossos sentimentos. Também foi nos primeiros anos de nossa vida que estabelecemos padrões básicos de troca afetiva: rejeição, punição, desejo, crítica, poder, sexualidade, moral, etc.

Mesmo que não consigamos identificar isto na realidade atual, é certo que continuamos a reagir automaticamente, repetindo atos, pensamentos e emoções que, muitas vezes, não gostaríamos de ver reproduzidos. Por que? Podemos ter adotado ou criado aversão aos padrões que vivenciamos na infância e na adolescência. Em ambos os casos, não estamos sendo nós mesmos, mas sim uma reprodução ou uma reação às experiências vividas neste período.

Através do Pai e Mãe, revisitamos nossa infância. Emoções que por muito tempo ficaram presas – tristezas, medos, raivas, alegrias, amores – são trazidas à consciência. Muitos abriram as portas para poder amar, sentir, realizar-se profissionalmente. Todos, ou quase, melhoraram a forma de se relacionar com as outras pessoas e, principalmente, com seus pais. Assim como obtiveram uma maior compreensão sobre sua relação com os filhos.

Como disse no início, estar mais perto de nossos pais e filhos é o nosso desejo, mas para isso é preciso “limpar o terreno” para deixar o amor realmente aflorar.

Katia Marko é jornalista, terapeuta bioenergética e uma pessoa em busca de si mesma.

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