México: a primeira turma da escuelita zapatista

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Como 1,7 mil ativistas de todo o mundo dialogaram em Chiapas como o EZLN. Quais os planos para as próximas turmas

Por Marta Molina, de Chiapas | Tradução: Bruna Bernacchio

A primeira geração de alunos da escuelita zapatista retornam a seus países com uma tarefa importante e uma grande responsabilidade: difundir aos seus coletivos e movimentos o que aprenderam durante cinco dias nas comunidades e famílias que os acolheram. A partir de hoje, 1.700 pessoas de México e de outros países do mundo têm talvez os deveres mais difíceis de realizar: trabalhar para organizar seus movimentos e exercer a responsabilidade coletiva de seguir lutando, agora, com tudo o que levam, do que viram e viveram com os zapatistas.

O dia em começou a Cátedra “Tata Juan Chávez Alonso”, no Cideci de São Cristóvão das Casas, Chiapas, reuniu representantes dos povos originários de todo o México convocados pelo EZLN. Chegaram alguns dos alunos que nos últimos dias estiveram escutando e dialogando com famílias zapatistas sobre o que é liberdade e autonomia.

Enquanto os povos em resistências e lutas pela defesa de seus territórios — seja pela ameaça de empresas transnacionais, narcotráfico ou governos — compartilhavam suas vitórias ou seus erros organizativos, gente de todo o mundo chegava ao mesmo espaço da onde haviam partido para a escuelita. Seus rostos cansados não podiam esconder a emoção de ter feito parte da primeira geração. Não obtêm um título de graduação, mas sim uma responsabilidade maior do que a que te dá um papel que demonstra teus sucessos acadêmicos. Os formados aqui levarão consigo deveres pra toda a vida, até que seu movimento se organize, até que sua comunidade seja mais livre.

Alguns regressaram com bolhas nas mãos, por usarem pela primeira vez a enxada de trabalhar no campo. Outros, junto com a família com quem lhes tocou conviver, levantavam-se escutando dialetos indígenas – ojolabal, chol, tzeltal, tzotzilfantes da saída do sol para fazer tortillas — para alguns, a primeira vez –, cozinhar, preparar pozol para os companheiros que iam trabalhar na milpa (sistema agroecológico, onde se mistura milho, feijão e abóbora), cortar e carregar lenha. Pela manhã, comiam feijão, tortillas e compartiam experiências, desde as mais sensíveis até as mais complicadas, entendendo que sua resistência vem das próprias famílias, já desde crianças.

“Eles cuidam da Mãe Terra porque é quem lhes presenteia o alimento. Nas cidades, compramos tudo em embalagens e não sabemos nem da onde vem. Isso também é parte da liberdade”, comenta Marcos, da Argentina quando lhe perguntamos se já nos poderia dizer o que é liberdade segundo os zapatistas.

Outros comentam que sua liberdade é exercer a autonomia sem a ajuda do governo e que seu trabalho duro, diário e cotidiano é o que lhes permite sobreviver sem governo e assim, ser livres. Coerência, resistência e responsabilidade são palavras que se repetiam nas conversas que mantivemos com os recém-chegados.

“Ser livres é poder dizer por eles mesmos que vida querem levar, que educação querem ter, como querem formar seu filhos, e como querem se organizar”, comenta Marcos. “Nós temos que ir ao supermercado, ir à escola, que nos oferece o sistema, para reproduzir o mesmo sistema; a universidade também, a saúde que nos dá o sistema e que não entendemos”.

Tonho, do Brasil, regressava da comunidade de Rosario de Río Blanco, no Caracol de La Realidad, perto de Las Margaridas. “Foi a melhor escola que já fui em toda a minha vida, uma escola de resistência e de vida onde aprendemos na prática a teoria da autonomia zapatista”, comenta.

Outro aprendizado, para muitos, é que uma família zapatista pode conviver tranquilamente com uma comunidade onde a maioria das pessoas são membros do PRI [Partido Revolucionário Institucional, no governo] e recebem dinheiro de projetos do governo. “Mas se um dia lhes tiram a ajuda financeira, não saberão o que fazer”, dizTonho, nas palavras de um dos membros da família zapatista que já considera parte.

“Eles têm diferenças com seus vizinhos mas nem por isso são inimigos. São as mesmas pessoas. Além disso, não estão deteriorando a vida de todos em conjunto, ainda que sejam partidaristas ou não partidaristas. Mesmo no exército há indígenas e isso é o que vem planejando o capitalismo, que nos enfrentamos contra nossos irmãos”, comenta Erwin, procedente de Cuetzalan, em Puebla (México), que trabalha para construir a autonomia da comunidade onde vive.

Para muitos, foi imprescindível aprender como convivem com os que não pensam como os zapatistas, como trabalhar uma atitude não combativa e seguir convivendo com irmãos não-zapatistas que até podem chegar com alguma doença a uma clínica autônoma e serão atendido, nunca rechaçados. “Dentro do próprio povo se saúda às pessoas não-zapatistas com carinho, porque todos somos vítimas do sistema. Dizem que são pessoas mais manipuladas pelo governo e pelo dinheiro que lhes dão, mas todos viemos de um mesmo lugar e o inimigo é o mesmo. Além disso, se esses irmãos chegam a provocar com violência, não se pode responder com a mesma prática, porque o fogo não se apaga com fogo”, comenta Erwin.

Os guardiões (votanes) e os professores de cada aluno foram suas referências e seus guias. Com eles, iam ao campo e estudavam pela tarde, junto com toda a família. O fato de não falarem a mesma língua, em muitos casos, não foi exatamente um problema. “Acabamos nos entendendo”, comenta Camila, de 17 anos, estudante da Universidade Autônoma do México, que conta que liam conjuntamente os livros de texto, bem distintos dos que ela conhecia. “Me encantei porque incluem histórias. Explicam tudo por meio delas, que são reflexos da prática”. Camila deseja que haja um segundo ano da escuelita e que a deixem participar, porque já aprendeu que a autonomia sim existe e é possível.

Mônica Olaso, do Uruguai, compartilha uma das frases que mais a impressionou quando perguntou a seu professor porque os chamaram e o que esperam deles: “Sabe o que acontece, Mônica, uma bala não vai chegar até o Uruguai; mas a nossa palavra, sim”. Volta ao seu país, disse, com uma responsabilidade, uma missão: insistir na parte organizativa, o mais difícil. Organizar com paciência para cumprir acordos que se tomam em conjunto com as pessoas da sua comunidade e, logo também, passar os ensinamentos que estão nos livros, que lhes disseram, e que já estão em sua pessoa, em suas vivências.

“Os zapatistas quiseram que a gente escutasse, os visse, compartilhássemos experiências de luta. Agora, a missão está em nós: que cada um, de acordo com nossos modos e lugares, continuemos organizando, segundo nosso contexto. Movimentos rurais, urbanos, não importa, mas vamos aprender a ser mais autônomos — por isso, mais livres — e a conviver com o próprio inimigo, porque se você é autônomo e livre pode conviver com eles”, comentam Mônica e Tonho.

Amanhã seguiremos escutando e aprendendo sobre as resistências dos povos originários do México na Cátedra Tata Juan Chavez Alonso. Uma cátedra que ontem começou a caminhar até a organização das lutas pela dignidade, justiça e memória do México, e a medir a força dos povos que fazem parte do Congresso Nacional Indígena e dos que não, para organizarem-se em conjunto.

Todo isso enquanto mais de 1,7 mil alunos da primeira Escuelita da Liberdade regressavam a suas casas com muitos deveres por fazer, muitas redes por armar, e muito que organizar. A tomar nota e ir entregando os deveres da escuelita em forma de luta.

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