Cocaína e crack: diferença é classe social de quem consome

“Vício imediato” é mito absurdo. Craqueiros são mais vulneráveis devido a sua condição social. Exatamente por isso, é preciso apoiá-los

Por Cynara Menezes, em seu blog

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“Vício imediato” é mito absurdo. Craqueiros são mais vulneráveis devido a sua condição social. Exatamente por isso, é preciso apoiá-los

Por Cynara Menezes, em seu blog

A iniciativa da prefeitura de São Paulo de experimentar outra abordagem contra o crack, hospedando em hotéis e pagando 15 reais por dia a viciados para que varram ruas me deixou muito otimista. É hora de os governantes brasileiros passarem a combater as drogas de maneira menos hipócrita e higienista – como fazem o PSDB e o DEM, que sempre preferiram simplesmente expulsar os viciados do centro ou interná-los em instituições mentais, para bem longe da vista dos “cidadãos de bem”. Obviamente os obtusos da direita (pleonasmo?) já atacaram a ideia do prefeito Fernando Haddad. Para que tentar dar uma chance a essas pessoas se é possível varrê-las para debaixo do tapete? “Pessoas? E usuário de crack é gente?”, perguntam-se os defensores dos “humanos direitos”.

Os histéricos da droga normalmente preferem nem se informar a fundo sobre o assunto, como se a mera proximidade com estudos científicos os contaminasse. Mas como a guerra às drogas que inventaram resultou apenas em crime, degradação e violência, outro tipo de pensamento começa a se impor no mundo. Não é à toa que países como Uruguai e mesmo os EUA mudaram sua visão em relação à maconha. Os EUA, aliás, estão cada vez mais liberais com a cannabis, como demonstra uma pesquisa divulgada no início do mês: hoje em dia, 55% dos norte-americanos aprovam a legalização da maconha. E só 35% deles acham que fumar baseados é “moralmente condenável” (veja aqui). Exatamente o oposto da direita ignorante (pleonasmo?) brasileira, que se recusa a aceitar a falência de seu modelo arcaico na solução de dilemas contemporâneos.

Um fato pouco divulgado sobre o crack é que ele não é uma droga tão diferente das outras, tão mais viciante que as demais. Sabia? Na verdade, existe bem pouca diferença entre o crack e a cocaína, quimicamente falando. A única diferença é a remoção do cloridrato, o que torna possível fumá-lo. É como se a cocaína fosse açúcar refinado, e o crack, rapadura. O que torna o crack mais potente é a forma de consumi-lo: fumar leva a droga rapidamente aos pulmões, fazendo com que o efeito seja mais rápido e mais intenso do que cheirar pó (veja mais mitos sobre o crack aqui). Para piorar, a pedra de crack é barata – custa 10 reais, enquanto o grama de cocaína é vendido a 50 reais. Ou seja, o crack, ao contrário da cocaína, é acessível aos miseráveis.

Saber disso nos abre os olhos a uma problemática fundamental em relação ao crack, que é a vulnerabilidade social de quem está exposto à droga morando nas ruas. É exatamente este aspecto que a prefeitura de SP pretende combater ao tentar reintegrar o viciado à sociedade, dando-lhe perspectivas. Sem oferecer-lhes perspectiva de futuro, esperança, não adianta desintoxicá-los. Ao sair da clínica, eles voltam para o vício, até porque, vivendo à margem, não têm mais o que fazer. Enquanto isso, os cocainômanos e viciados em crack das classes mais abastadas são enviados ao rehab, às clínica chiques, e a gente nem sequer chega a tomar conhecimento deles. Quem está na rua, não, “incomoda”, integra a “gente diferenciada” para a qual muitos torcem o nariz e têm medo.

(A fórmula da cocaína e a do crack: praticamente idênticos. Fonte: Alternet)

Dois anos atrás, o ator Charlie Sheen, bem conhecido de todos como o “doidão” de Hollywood, causou polêmica nos EUA ao declarar em uma entrevista que alguns amigos seus usam crack “socialmente”, assim como fazem tantos endinheirados com a cocaína. Parece absurdo? Não é. A partir das declarações de Sheen, a jornalista Maia Szalavitz, da revista Time, escreveu um artigo demonstrando que somente 15 a 20% das pessoas que experimentam crack ficam viciados. Mais: que 75,6% dos que provaram crack entre 2004 e 2006 tinham abandonado o cachimbo dois anos depois; outros 15% passaram a usar ocasionalmente; e só 9,2% ficaram viciadas.

Uma realidade bem distante do que pensávamos pouco tempo atrás, quando se costumava dizer que basta uma baforada para a pessoa ficar viciada. É possível, sim, entrar no crack e sair. Assustar os jovens em relação às drogas pode ser eficiente, mas eu acho que é muito mais importante dizer a verdade, conscientizá-los com base na ciência. “O crack não é mais tóxico que a cocaína. O que acontece é: quem toma crack? Os negros mais ferrados dos EUA. Os adolescentes com menos perspectivas profissionais”, defende um dos maiores especialistas do mundo em drogas, o espanhol Antonio Escohotado. No Brasil é a mesma coisa. Embora atinja várias classes sociais, o vício em crack é devastador sobretudo para os jovens e adultos em situação de rua.

Quanto mais leio e me informo, mais fico convencida de que não existem drogas “perigosas”. Todas elas são e não são ao mesmo tempo. O que existe é a pessoa por trás da droga e a circunstância em que vive. Se o ser humano que busca as drogas está em condição de risco – psicológico ou econômico – obviamente estará mais sujeito à adicção. Assim é com tudo que entra pela boca do homem: comida, álcool, remédios ou drogas ilícitas. A droga jamais pode estar relacionada à fuga da realidade, mas às experiências sensoriais. Quem vive na rua, dormindo na calçada ou em buracos, com certeza não está usando a droga “recreativamente”.

Se não fôssemos dominados por um pensamento tacanho e estivéssemos usando, como em muitos países civilizados, a maconha com fins terapêuticos (a exemplo dos EUA, que a direita brasileira adora macaquear, mas não nas iniciativas boas), a próxima etapa do programa da prefeitura de São Paulo deveria ser ministrar baseados como política de redução de danos do vício em crack. Vários estudos científicos comprovam que fumar maconha diminui a “fissura” entre viciados que desejam deixar a pedra, ajuda na hora de enfrentar a síndrome de abstinência. É uma possibilidade no tratamento. Os hipócritas iriam permitir? Imagina. Interessa a eles, de certa forma, que existam viciados em crack perambulando pelas ruas para que seu irracional discurso anti-drogas e anti-crime continue a ter eficiência sobre os incautos.

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19 comentários para "Cocaína e crack: diferença é classe social de quem consome"

  1. Augusto Troya disse:

    Pensamento amplo porém esquerdista, porque precisar tanto misturar política no meio e defender suas ideias com argumentos esquerdistas? Se trata apenas de sua opinião, sim, porém uma opinião com tantos embasamentos políticos deve ser considerada?

  2. Lucia Pereira disse:

    Nem todas os usuários de drogas ( maconha, alcool, cocaína , etc) se tornam viciados . Para se viciar precisaria primeiro ,de uma predisposição genética hereditária , que com o desenvolvimento do individuo , sendo traumático durante a fase de crescimento . Ele procurará uma substância química que o aliviará , trará prazer e uma falsa sensação de preenchimento prazeroso. Repito nem todos conseguem se curar sozinho. Os adictos não conseguem . Eles , se quiserem podem receber ajuda de várias formas . Na medicina se houver necessidade de medicamentos , só os psiquiatras podem dizer . Ajuda psicológica também , ajuda de grupos de Alcoolicos anônimos, narcóticos anônimos, O tratamento deve ser durante a vida toda.

  3. AndréLaranjeira disse:

    O fato que leva uma pessoa a usar alguma substância deve ser de total dominio para que se possa obter uma solução e recuperação mais “humana”, pois não se encontra alguem que por livre e espontânea vontade, decidiu usar um abstrator social. É nessessário conhecer as pessoas visto que não existe ninguém igual a ninguém, e tratá-las da melhor forma, identificando e expondo um pensamento lógico do por quê do uso da substância, seja no modo recreativo ou absolvedor dos problemas. Para que a pessoa possa conscientizar-se de sua realidade, providenciando uma forma de poder sair do problema através de oportunidades e ajuda psicológica. Pois acredito que qualquer tipo de vício tem uma explicação e uma solução, e sua permanência é de extremo dano à construção e conhecimento do seu interior.

  4. Entendo perfeitamente do que se trata este artigo. Vamos ao assunto. A Cynara tem razão em dizer que não são todos que viciam e que depende da vulnerabilidade psicológica e social, bem como, do metabolismo individual. Digo isso com conhecimento de causa, sou dependente químico, convivo regularmente com donos de clínicas de recuperação e também presto serviços na área de forma voluntária, o que ajuda mais a mim do que outra coisa. O ponto em que quero chegar é o seguinte: Por que o PSDB e o PT não unem suas forças para oferecer um tratamento completo aos dependentes em situação de rua, ao invés de ficar defendendo um programa em relação ao outro nessa briga partidária sem sentido? Se juntássemos a capacidade de internação do “PSDB”, com a reinserção do “PT” provavelmente os resultados seriam outros! Porque a internação é necessária à imensa maioria dos usuários de rua, bem como a reinserção social como fases de tratamento.

  5. valeria melchiors disse:

    Muito bom.
    DEMAIS _CINARA!!

  6. Não irei discordar, nem concordar. Apenas darei meu parecer sobre este problema que se tornou endêmico. O crack existe em todas as camadas sociais, isto é fato. Morador de rua, hoje nas grandes cidades não é mais privilégio de “carentes”. O usuário da pedra, após consumo frequente, passa a preferir morar nas ruas. para ficar mais perto do fornecedor e para fugir da recriminação em casa. Se não for para a rua por livre e espontânea vontade, a família o expulsa de tanto sofrimento que causa na convivência. A internação é forma única de tratar, pois chega a um ponto que o viciado perde a noção total de seu estado de decadência e pode ir a óbito pela violência ou pelo abuso no consumo. Tratá-lo como ser humano que necessita de ajuda e ser amado é básico, desde que esteja sóbrio e, para estar sóbrio, há que ter políticas públicas de tratamento na rede pública. Ocupar o tempo com trabalho produtivo faz parte também deste processo assim como tratar os familiares. O dinheiro para isto tudo? Os impostos provenientes das vendas e publicidade de cerveja e cigarro pode ser um bom começo, pois estes são produtos tão viciantes quanto o crack e a cocaína e legalizados.

  7. LEandro disse:

    Edson vc leu a matéria toda ?? Na própria matéria tem um link para uma pesquisa sobre dependência. Porque as drogas são tão perigosas Edson ???

  8. Texto muito bom, muito bom mesmo. Mostra aquele lado humanitário e não hipocrita das drogas. Muito bom!

  9. Edson disse:

    Não existem drogas perigosas? Conversa fiada! Na teoria talvez isso um dia faça sentido, mais na prática, nunca! Desafio você a fumar uma pedra de crack já que não é “tão viciante”, pesquise mais sobre os efeitos e dependência!!

  10. Thiago disse:

    Ótimo texto, mas algo que me deixa realmente triste não é ver os acéfalos reacionários do Brasil, o que me incomoda de fato, são pessoas que se dizem liberais com relação a cannabis por exemplo, mas quando o assunto é cocaína essa mesma pessoa assume uma postura extremamente retrógrada. Eu noto que estes não são diferentes dos que sempre fizerem as barbáries pela história ao só olharem para o próprio umbigo.

  11. Jessics disse:

    Otimo texto, visao critica e sem preconceitos em relacao as drogas. So acho que os comentarios politicos foram de certa forma radicais, rotulando a direita em geral como intolerante e hipocrita.

  12. Razor disse:

    “Adicto”, hahahahahahahahaha, me surpreende que uma pessoa que recebeu educação o suficiente pra usar linguagem rebuscada como essa esteja tão mal informada. Vai pesquisar um pouco mais, cara, respeite a sua inteligência!

  13. Leonardo disse:

    Excelente texto. Eu gostaria que pessoas com esse tipo de mentalidade assumissem cargos importantes desse país. Tapar o sol com a peneira nunca ajudou em nada. O Brasil na sua maior parte ainda é muito ignorante pra quase todos os assuntos e a maioria ta nem aí pra nada, quem é que das classes menos favorecidas vai se importar com política quando o pão e circo, vulgo bunda de mulher e futebol são características fixas da tv aberta, a fonte de informacao da maioria..

  14. Você leu a tese antes de falar isso? Se leu, então explique de que maneira seria uma “catástrofe”. O que o faz ter tanta “certeza”?

  15. Rato disse:

    Rogerio, seu comentário me despertou certa curiosidade. Tenho um conhecido que é um alcoólatra em recuperação (pois não existe ex-alcoólatra). Ele fuma maconha a mais de 5 anos, e está “sóbrio” (sem ingerir álcool) a mais de 5 anos. Essa seria uma exceção à regra? Todo adicto é compulsivo e obsessivo? Ah, mais uma dúvida, essa compulsão e obsessão não seria o TOC?
    Desculpe-me pela ignorância, mas aproveito o espaço para “tirar” minhas dúvidas.
    Abraços

  16. Monalisa Gama disse:

    Ciência X bom senso… É muita ciência pra pouco bom senso.
    Excelente reflexão.

  17. Elza disse:

    Excelente texto!

  18. Rogério disse:

    Bonito o texto sobre a liberação da Maconha!! Mas para um dependente químico vulgo adicto isso jamais seria uma vantagem, muito pelo contrário…. o adicto sofre da chamada obsessão e compulsão. Liberar a maconha para adictos afim de diminuir a fisura seria uma verdadeira catástrofe. Lembrando que o mesmo é um escravo da droga e sua mémoria é ativada ao primeiro contato com qualquer substância que altere o seu comportamento…..com certeza ele voltara a droga de sua preferencia!!

  19. Rogério disse:

    Um dependente químico, um adicto sofre da chamada obsessão e compulsão. Liberar a maconha para adictos afim de diminuir a fisura seria uma verdadera catástrofe. Lembrando que a mémoria do adicto é ativada ao primeiro contato com qualquer substância que altere o seu comportamento…..com certeza ele voltara a droga de sua preferencia!!

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