Do medo de amar e suas origens

Bloqueios sexuais e amores regredidos estão frequentemente relacionados à frustração da sexualidade infantil. Sociedades sadias não deveriam reprimi-la, mas compreendê-la

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Por Katia Marko | Imagem: Pablo Picasso, Mãe e Criança (1921)

O medo de amar é o medo de ser livre para o que der e vier”.

Beto Guedes e Fernando Brant

Na última coluna comecei a falar sobre o sexo tântrico. Finalizei frisando que para vivenciarmos tal experiência necessitamos ter consciência de nossos bloqueios e buscar ultrapassá-los. Mas onde se originam estes limites? Para descobrir precisamos vasculhar profundamente os nossos primeiros relacionamentos, ou seja, com nossos pais.

Talvez seja muito difícil para nós voltarmos no tempo e sentir o frescor daquele amor que tínhamos com nossos pais. Para a criança, os pais são tudo. O problema é na vida adulta tentarmos fazer do outro tudo para nós. Caímos num amor regredido. O que sentimos é um anseio por amar, o que não é o mesmo que a capacidade de amar. E quando encontramos uma pessoa que corresponde a esse anseio, ficamos obcecados por ela.

O médico norte-americano Alexander Lowen, salienta que relacionamentos adultos saudáveis baseiam-se em liberdade e igualdade. Liberdade denota o direito de expressar livremente os próprios desejos e necessidades. Igualdade significa que cada pessoa está no relacionamento por si mesma e não para servir ao outro.

Segundo ele, a pessoa que foi ferida em suas primeiras relações com seus pais ergueu um conjunto de defesas contra ser ferida novamente, cuja ameaça ela percebe como risco de vida. “Essas defesas não estão apenas em sua mente consciente, pois se estivessem poderia renunciar a elas quando quisesse. Tendo vivido com elas desde a infância, elas tornaram-se parte de sua personalidade, estruturadas na dinâmica energética de seu corpo.”

Muitas dessas defesas são decorrentes de uma etapa significativa do crescimento – entre três e seis anos – quando a criança começa a se tornar consciente de sua sexualidade. “As sensações sexuais são despertadas naturalmente e focalizadas no genitor do sexo oposto. E aí começa um grande problema, porque os pais, muitas vezes por não estarem preenchidos afetivamente, não sabem como lidar com a sexualidade infantil”, salienta o terapeuta Prem Milan. idealizador da Comunidade Osho Rachana.

Os pais ficam envolvidos com os sentimentos dos filhos e em vez de agirem como adultos entram nas suas próprias viagens. A criança sente esta divisão, mesmo sem compreendê-la. Isto depois vai se refletir seriamente na vida adulta – principalmente em seus relacionamentos, ao projetar os pais em seus parceiros.

Lowen explica que geralmente o genitor do sexo oposto reage muito positivamente, ao passo que o genitor do mesmo sexo reage negativamente. O pai reage ao amor de sua filha não só como pai, mas como homem. Seu ego fica inflado pela adoração dela e seu corpo excitado com o calor e a vivacidade dela. Já a mãe fica enciumada e considera a pequena menina como uma rival. Esse ciúme pode ser tão violento que a criança fica amedrontada por sua própria existência. Em autodefesa, ela gostaria de destruir a mãe, mas é impotente. Seu pai poderia ser seu protetor, mas ele ousaria enfrentar a raiva da mãe, sendo consciente de que está emocionalmente envolvido nesse triângulo? Como é incapaz de proteger sua filha, esta sente-se desprotegida e vítima. Para sobreviver, deve eliminar suas sensações sexuais, retrair-se do relacionamento com seu pai e submeter-se à mãe. Com o menino não é diferente. Ele fica preso na situação edipiana e é transformado em um rival do pai.

Milan acredita que muitos pais têm medo de si mesmos, do que pode acontecer. Não é por acaso que existem tantos casos familiares de abusos sexuais. “Por não conseguir lidar com estes sentimentos, o pai deixa, a partir de certa idade, de abraçar a filha, pegar no colo. A criança fica com uma sensação que tem algo errado e começa a condenar seus instintos amorosos e sexuais.”

Existem pais também que ficam atraídos pela energia pura e fresca da criança e se sentem culpados. Para dirimir sua culpa, punem e ficam agressivos. Segundo Milan, muito da violência física tem um componente sexual que, na vida adulta, pode associar a sexualidade a estímulos agressivos. “Quantas mulheres têm fantasias de agressão e quantos homens adoram isto também? Está muito relacionado a como viveram seu complexo de édipo com sua mãe. Quando chegam à adolescência, o conflito com o pai vira raiva. É a mesma raiva que foi contida na infância, quando se sentiram traídos em seu amor.”

Se olharmos corajosamente para nós mesmos, veremos que de alguma maneira um desses kits aconteceu conosco. Talvez aqui estejam as grandes razões das dificuldades que temos na vida amorosa. Porque os nossos relacionamentos começam calorosos e vão esfriando, restando somente brigas, conflitos, regressões. Porque fugimos tanto do prazer sexual.

Será que se começarmos a ter uma vida sexual mais amorosa, mais intensa não vamos despertar as dores deste passado? Por isso, penso que o complexo de édipo acaba sendo uma grande traição ao amor. Talvez você fique chocado e pergunte como os pais deveriam agir. Acho que eles devem simplesmente aceitar a sexualidade infantil. Permitir que a criança a expresse, não reprimi-la e também não estimulá-la, pois a criança não está ali para querer transar com o seu pai ou sua mãe e sim para ter essa validação. Mas para os pais terem naturalidade, eles precisam de satisfação sexual própria, de uma vida amorosa vinculada ao sexo”, explica Milan.

Este é um assunto que normalmente não queremos abordar. Pensamos que são coisas de livros, filmes ou que aconteceram com outros; mas conosco também ocorreu, apenas não temos a memória. Porém, inconscientemente, isto vai sabotar as nossas relações.

Segundo Milan, existem dois níveis para mexermos com isto profundamente: a compreensão e o resgate da memória e a expressão emocional da dor e da raiva que tivemos que conter na época. Isto abre espaço para transcendermos e vivermos um amor mais profundo. “Enquanto ficarmos tendo preconceitos, moralismos e não encararmos estas situações, viveremos amores condicionados pelas distorções morais e neuróticas da fase edipiana.”

Katia Marko é jornalista, terapeuta bioenergética e uma pessoa em busca de si mesma. Para ler todos os seus textos publicados em Outras Palavras, clique aqui

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