Wallerstein: a hora dos partidos-movimentos

Convergências anti-sistema já sacodem eleições. Algumas querem superar capitalismo. Como não frustrar as sociedades, e influir na ordem mundial?

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Alexis Tsipras, eleito na Grécia pelo Syriza. Para Wallerstein, “quando chegam ao poder, estes movimentos de protesto descobrem ser muito difícil cumprir as promessas que fizeram para se eleger”

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Convergências anti-sistema já sacodem eleições. Algumas querem superar capitalismo, mas têm pouco poder. Como não frustrar as sociedades, e influir na ordem mundial?

Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Gabriela Leite

Em países com eleições disputadas, há normalmente dois partidos principais, que se situam em algum lugar mais ou menos no centro das visões dos eleitores deste país. Nos últimos anos, houve um número relativamente grande de eleições nas quais um movimento de protesto ou ganhou as eleições ou, pelo menos, elegeu representantes em número suficiente para que seu apoio seja necessário, afim de que o partido principal governe.

O último exemplo deu-se na província de Alberta, no Canadá, onde o Partido Nacional Democrático (NDP, em inglês), concorrendo com uma plataforma próxima à esquerda radical, tirou do poder, de forma inesperada, os Conservadores Progressistas, um partido de direita que governava sem dificuldade havia bastante tempo. O que fez desse acontecimento ainda mais surpreendente foi que Alberta tem a reputação de ser a província mais conservadora no Canadá, e é a base do primeiro-ministro do país, Stephen Harper, no posto desde 2006. O NPD ganhou, inclusive, 14 das 25 cadeiras em Calgary, residência e reduto de Harper.

Alberta não é o único caso. O Partido Nacional Escocês (SNP, em inglês) varreu as eleições na Escócia, mesmo com o histórico de ser um partido marginal. O partido de ultra direita polonês, Partido da Lei e Justiça derrotou o candidato que era  considerado conservador pró-negócios, a Plataforma Cívica. O Syriza, na Grécia, que fez campanha em uma plataforma anti-“austeridade”, está agora no poder, e seu primeiro-ministro, Alexei Tsipras, luta para alcançar seus objetivos. Na Espanha, o Podemos, outro partido anti-“austeridade”, está crescendo firmemente nas pesquisas e parece pronto para dificultar ou impossibilitar a permanência no poder do partido conservador, o Partido Popular. A Índia está, agora mesmo, celebrando um ano no poder de Narendra Modi, que concorreu em uma plataforma que expulsou partidos estabelecidos e dinastias do poder.

Estas eleições-protestos têm sempre algo em comum. Em todas as campanhas, os partidos que surpreenderam utilizaram uma retórica que chamamos de populista. Quer dizer, afirmaram que estavam lutando contra as elites do país, que têm muito poder e ignoram as necessidades da vasta maioria da população. Enfatizaram os abismos de riqueza e bem estar entre as elites e o povo. Deploraram o declínio do ganho real dos estratos médios da população. Reafirmaram a necessidade de criar empregos, principalmente em lugares nos quais há um grande crescimento no desemprego.

Além disso, estes movimentos de protesto sempre apontam para a corrupção dos partidos no poder, e prometem acabar com ela, ou pelo menos reduzi-la drasticamente. Com todos esses argumentos, eles reivindicam mudança, mudança real.

Porém, devemos olhar mais de perto para esses protestos. Não são, de maneira alguma, todos iguais. Existe um racha fundamental entre eles, que conseguimos perceber tão logo nos debruçamos sobre sua retórica. Alguns desses movimentos de protestos estão à esquerda — o Syriza, na Grécia; o Podemos, na Espanha; o SNP, na Escócia; o NDP, em Alberta. E alguns estão claramente à direita — o Modi, na Índia, o Partido Lei e Justiça, na Polônia.

Esses à esquerda focam suas críticas centralmente sobre questões econômicas. Sua retórica e mobilização baseiam-se no sistema de classes. Os que estão à direita fazem principalmente afirmações nacionalistas, normalmente com ênfase xenófoba. Na esquerda, querem combater o desemprego gerado por políticas do governo — incluindo, claro, maior taxação das grandes riquezas. Os à direita querem combater o desemprego prevenindo a imigração, inclusive deportando imigrantes.

Quando chegam ao poder, estes movimentos de protesto, tanto à esquerda quanto à direita, descobrem ser muito difícil cumprir as promessas populistas que fizeram para se eleger. Grandes corporações têm os instrumentos principais para limitar as medidas tomadas contra si. Agem através dessa entidade mítica chamada “mercado”, com auxílio e cumplicidade de outros governos e instituições internacionais. Os movimentos de protesto descobriram que, se pressionarem muito, a receita do governo será reduzida, pelo menos a curto prazo. Mas para aqueles que votaram por eles, o curto prazo é a medida para continuar aprovando-os. O dia de glória e poder dos movimentos de protesto corre o risco de ser bem limitado. Então, eles “fazem compromissos”, o que irrita o mais militante de seus apoiadores.

Deve-se sempre lembrar que os apoiadores de uma mudança no governo são muito heterogêneos. Alguns são militantes que lutam por ampla mudança no sistema mundial e no papel que seus países nele desempenham. Outros estão meramente cansados dos partidos tradicionais, que se tornaram repetitivos e pouco sensíveis. Alguns apoiam por achar que é impossível ser tão ruim quanto quem está no governo. Em resumo, estes partidos-movimentos não são um exército organizado, mas uma aliança instável e flutuante de muitos e diferentes grupos.

Há três conclusões que podemos rascunhar, a partir dessa situação. A primeira é que governos nacionais não têm poder ilimitado para fazer o que querem. Eles são extremamente constrangidos pelo funcionamento do sistema mundial como um todo.

A segunda conclusão é que, no entanto, pode-se fazer alguma coisa para aliviar o sofrimento das pessoas comuns. É possível fazê-lo precisamente ao perseguir realocações de renda via tributação e outros mecanismos. Algumas medidas irão “minimizar a dor” de seus beneficiários. Os resultados podem ser apenas temporários. Mas, mais uma vez, quero lembrá-los que todos vivemos no curto prazo e qualquer melhora que possamos conseguir neste tempo é uma vantagem, não uma desvantagem.

A terceira conclusão é que, se um desses partidos-movimentos chegar a ser um participante sério na mudança do sistema mundial, ele não deve se limitar ao populismo de curto prazo, e sim engajar-se numa ação de médio prazo para influir na luta global, nesse período de crise sistêmica e transição para um sistema mundial alternativo — algo que já começou e está em curso.

Apenas quando partidos-movimento de esquerda aprenderem como combinar medidas de curto prazo para “minimizar a dor” com esforços de médio prazo para influir na luta bifurcada por um novo sistema, poderemos ter alguma esperança de chegar à saída que desejamos — um sistema mundial relativamente democrático e igualitário.

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4 comentários para "Wallerstein: a hora dos partidos-movimentos"

  1. Dennys disse:

    No Brasil, o Partido NOVO, de centro-direita, está claramente focado nas questões econômicas. Tem o sucesso do PODEMOS nas mídias sociais mas não está centrado em figuras ilustres ou famosas. Sua proposta é liberal (casamento homossexual, liberdades individuais, etc) e pró-mercado. Tem resistência a abrigar a extrema direita, refutando a possibilidade de abrigar figuras como Bolsonaro ou Russomano, que tendem a se abrigar em outros partidos como PR, DEM, PSC e PP. E espera ter os seus primeiros representantes eleitos já para as eleições de 2016.

  2. Raíssa disse:

    É…a mídia formal é sempre um grande problema! Mas acredito que o governo, independente de partido, tem sempre mais oportunidades de informar seus ‘governados’, ainda mais hoje, na era do facebook, dos vídeos virais…
    Mas no caso do PT, o trabalho de base é fraquíssimo…e com um tal de Aécio que tem votos de outra metade do país, vejo a população cada vez mais longe de um possível acesso a instrumentos e informações, e ao direito de voz que poderia e deveria ter.

  3. Vicente Melo disse:

    É isso mesmo Raissa. A solução está é instrumentalizar toda a sociedade criando mecanismos de participação sistêmicos, mas as corporações, o mercado, conhece bem essas coisas desde os primeiros passos e não deixam passar propostas que realmente indique avanços institucionais ou que exercitem a participação popular. A proposta do Governo Brasileiro de criar Conselhos Populares, por exemplo, foi defenestrada com rigor e argumentos radicais, a ponto da grande imprensa insistir que o Governo do PT queria instalar “Sovietes” para implantar o comunismo no Brasil.
    Como a maioria se informa pela imprensa, passou a pensar assim, sem se dar conta de que a imprensa, como qualquer negócio em cenário capitalista, defende o lucro e, portanto, assume a posição das corporações que a mantém. Ficou para a história a oportunidade de aperfeiçoar a democracia com a participação social mais ampla.

  4. Raíssa disse:

    Muito bom artigo! Me pergunto se não seria uma solução, na tentativa de combater o sistema mundial-capitalista, o investimento em campanhas e informativos sobre o real funcionamento dos instrumentos que, em sua maioria, são favoráveis às grandes corporações. Ou seja, informar a população com infográficos, vídeos, o que for, da ordem de fatores que limitam a ação desses governos. Acredito que tornar essas informações públicas e “massificadas” e instrumentalizar a população, poderia enriquecer debates e lutas populares.
    Ou estou muito enganada?
    No Brasil, acho que estamos bem longe dessas conquistas e mais longe ainda de tornar verdadeiramente públicos os instrumentos que concentram poder na mão de poucos.

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