Sea Shepherd, a guerrilha do mar

Grupo cria um novo fato de repercussão mundial e relembra: às vezes, é preciso ser radical para não ser impotente

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Conhecido por seus métodos pouco ortodoxos na defesa das baleias e da vida marinha, um pequeno grupo ambientalista acaba de criar mais um fato político de repercussão internacional. Sintoma de que, em certos casos, é preciso ser radical para não ser impotente

Obrigado a disputar eleições gerais este ano, em baixa nas pesquisas devido ao não-cumprimento de propostas feitas em campanha, o primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, tomou uma atitude. Na sexta-feira, um dia antes de receber o chanceler japonês, Katsuya Okada, ele declarou: “Prefiro que os japoneses acabem com a caça das por negociação. Mas se ela falhar — e estou falando claramente e sem rodeios — vamos abrir um processo perante a corte de Haia”. A fala foi uma consequência direta de uma radicalização da “guerra baleeira” que opõe há semanas, em águas australianas do Oceano Glacial Antártico, barcos-frigoríficos japoneses e embarcações da organização ambientalista internacional Sea Shepherd, ou Guardiões do Mar (na foto, uma de suas tripulações).

A guerra vem de anos. Em 1986, após séculos de caça incessante, a Comissão Internacional da Baleia (IWC, em inglês) adotou uma moratória internacional das atividades baleeiras. Reagia à ameaça de extinção iminente de diversas espécies, e a uma opinião pública cada vez mais perturbada. Mas a resolução, negociada com enorme dificuldade, manteve abertas duas brechas. A pesca é permitida aos inhuits (ou esquimós) e para fins científicos. Três países interpretaram a seu gosto esta segunda cláusula. Noruega, Islândia e especialmente Japão mataram desde então, segundo cálculos do Sea Shepherd, 25 mil baleias. Mil cetáceos de várias toneladas sacrificados por ano para pesquisa? Ah, sim, admitem as autoridades nipônicas — os animais e suas partes não usados em investigações são destinados para consumo humano…

Fundado em 1977 por Paul Watson (o homem de cabelos brancos, na foto), um canadense de 60 anos apaixonado pelo mar e de temperamento polêmico, o Sea Shepherd adota, contra tal cinismo, o que chama de “ação direta criativa”. Jamais pratica violência contra seres humanos. Mas inferniza a vida dos baleeiros. Para evitar a caça, interpõe-se entre eles e seus alvos: as baleias. Atira, contra os barcos, bombas de ácido bútrico — que não fere, mas “cheira muito, muito mal”…

Às vezes, vai mais longe. Atira, contra a hélice dos navios de caça, cordas tramadas para inutilizá-las. O site da organização orgulha-se de outros feitos: “abalroamento e desabilitação do notório baleeiro-pirata Sierra; fechamento da  frota baleeira espanhola; afundamento dos navios baleeiros noruegueses Nybraena e Senet; afundamento de metade da frota islandesa… Na cabine de uma das embarcações, sob a palavra sunk (afundados), a proeza assume forma gráfica.

Guerrilheiros (premiados) “em nome da ONU”: Também na internet, o Sea Shepherd (ver também o site de seu ramo basileiro) alinha argumentos morais e jurídicos em favor desta postura. “A IWC não tem condições de impor a moratória. A Sea Shepherd é a única organização que tem por missão impor as leis internacionais de conservação em alto mar (…) Nossas ações são guidadas pela Carta das Nações Unidas para a Natureza. As seções 21 a 24 conferem autoridade aos indivíduos para agir em seu nome e assegurar o cumprimento das leis internacionais de conservação”. Num tempo em que a opinião pública angustia-se por não ter meios de evitar os crimes ambientais, a ONG é vista por muitos como uma espécie de guerrilha libertadora em favor da natureza. Os apoios crescem. Em 4 de fevereiro deste ano, a Loteria Nacional Holandesa, que doa anualmente 500 mil dólares ao Sea Shepherd, ampliou a dotação em mais US$ 1 milhão. Reivindicou que a organização, em contrapartida, fiscalize a proibição de pesca da Reserva Marítima Internacional de Galápagos.

Contra a atividade baleeira japonesa, o Sea Shepherd definiu uma estratégia. Há anos, ele procura dificultar ao máximo as caçadas, a ponto de torná-las inviáveis economicamente. Tem dado certo. Temporada após temporada, a frota pesqueira regressa ao Japão com carregamentos de carne muito inferiores aos previstos. Como a caça é feita em águas australianas, em santuário criado no Oceano Glacial Antártico para a reprodução das baleias, criam-se, além dos econômicos, constrangimentos políticos e ambientais graves.

Este ano, o Japão respondeu com mão pesada. Três navios da Marinha acompanharam os baleeiros. O Sea Shepherd localizou-os em meados de janeiro. Paul Watson comemora: desde 5 de fevereiro, graças à ação do grupo, nenhuma baleia foi morta. Mas houve retalizações. Em 6 de fevereiro, o barco nipônico Shoan Maru 2 abalroou o Ady Gil, que fazia parte da esquadra ambientalista e era pilotado pelo neozelandês Peter Bethune, recordista internacional em velocidade nos mares. Partiu-o ao meio. Os seis membros da embarcação escaparam por pouco.

Bethune permaneceu na missão. Em 15 de fevereiro, lançou-se a outra manobra ousada. Transportado num jet-sky, emparelhou com o Shoan Maru 2 e saltou em seu convés. Afirmou que pretendia levá-lo a portos australianos, para apreensão per caça ilegal. Foi, evidentemente, detido. Está sendo conduzido ao Japão, onde, afirma-se, poderá ser processado por “acusações não declaradas”. A frota do Sea Shepherd não lamentou: retirado de sua atividade normal, para conduzir o “prisioneiro”, o Shoan Maru 2 era mais um desfalque na já combalida esquadra da morte. O dano político foi ainda maior. Além da Austrália, também a Nova Zelândia anunciou através de seu chanceler, em 22 de fevereiro, disposição de processar o Japão contra a pesca de baleias.

Por trás das escaramuças há um cenário de devastação. Segundo a FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura, a pesca marítima quintuplicou, em meio século, passando de 19 milhões de toneladas ao ano, em 1950, para 93 milhões, na virada do século.Um estudo científico encomendado pelo Fundo Mundial para a Vida Selvagem (WWF, em inglês), estima que 25% da população dos oceanos desapareceu, entre 1970 e 2003. Entre as mais atingidas, estão espécies inteligentes e indefesas — baleias, golfinhos, focas — cuja matança, além de chocante, é provocada por motivos fúteis. Como não ser simpático, diante desde quadro, ao radicalismo do Sea Shepherd em favor da vida?

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3 comentários para "Sea Shepherd, a guerrilha do mar"

  1. Gisele Escobar disse:

    Tenho enorme admiração por esta organização. O empenho em nome da vida marinha. A forma com cobram respeito ao meio ambiente, a forma com conseguem chamar atenção para esta causa que é muito importante.
    Estes dias vi um vídeo no qual tentavam atrapalhar a caça de baleias… não conseguiram. Os integrantes do grupo choraram ao ver aquele enorme mamífero, tão indefezo, agonizando no mar.
    Desejo vida longa ao Sea Shepherd!

  2. Adorei o Sea Shepherd, outro dia assisti na TV um programa que mostrava eles em ação. Muito bom!
    Estou de pleno acordo: às vezes é preciso radicalizar. Vou citar Gandhi:

    Nossa ira controlada pode ser convertida numa força capaz de mover o mundo.

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