Venezuela, avanços e limites

Exemplo notável de reação às políticas neoliberais, país depara-se agora com risco de ultra-centralização política. Nossos textos debatem a encruzilhada

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Por Antonio Martins

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> País em que as maiorias governam

> O fantasma do autoritarismo

Prevista inicialmente para esta semana (9 e 10/5), uma nova visita de Hugo Chávez ao Brasil foi adiada (por uma contusão no joelho do visitante) e deverá concretizar-se em junho. Já não será permeada pelo clima de tensão midiática que caracterizou encontros anteriores. Palco de experiências que incomodam os conservadores, a Venezuela converteu-se, ao mesmo tempo, num dos principais clientes das exportações brasileiras (responsável por 15% do superávit comercial) e abriga vastos investimentos de grandes empresas privadas nacionais.

A visita – num cenário menos tendente ao choque de torcidas – convida a debater em profundidade aspectos do “bolivarianismo”, a vertente política que Chávez crê haver iniciado. É este o papel de dois textos que Outras Palavras publica hoje. Foram produzidos originalmente para a revista Red Pepper, integrante das redes de mídias livres (e nossa parceira) no Reino Unido.

Ambos partem de um mesmo ponto de vista: reconhecem a enorme importância da trajetória recente da Venezuela, para a reconstituição de um pensamento pós-capitalista. Como chefe de Estado, Chávez foi certamente um pioneiro. Na virada do século (sua posse deu-se em 1999, antecedendo em quatro anos a de Lula), quando começou a adotar políticas que promoviam a redistribuição de riquezas e o empoderamento das maiorias, era uma exceção praticamente solitária. Em todo o mundo – e na América Latina, em particular – vivia-se ainda o impacto do fim do “socialismo real”. Acreditando-se incapazes de contrariar as “forças de mercado”, os governos faziam concessões seguidas ao mundo das finanças e às corporações transnacionais: privatizações, corte de direitos, ataques aos serviços públicos etc.

Nosso primeiro texto, redigido pela ativista britânica Jennie Brenmer, ressalta a atualidade destes avanços. A crise financeira, frisa a autora, foi usada pelos governantes europeus como pretexto para ressuscitar as políticas neoliberais. A Inglaterra, um claro exemplo, acelerou o desmonte de algo que a caracterizou por décadas: o estado de bem-estar social. Cortam-se serviços essenciais como creches, impõe-se a cobrança de mensalidades no ensino público, reduzem-se os subsídios que permitiam às maiorias condições acesso à formação de alto nível.

A Venezuela continua a ser contraponto a isso. A ampliação dos direitos sociais prossegue – mesmo, ressalta o artigo, em meio a dificuldades econômicas e à recessão que marcaram os últimos dois anos. Ou seja: Chávez ousa contrar as supostas “regras de governabilidade” que colocam em primeiro lugar a Economia. Definiu um objetivo político – alterar as relações sociais que subordinam as maiorias – e faz dele a razão de seu mandato.

Será o suficiente para articular um novo projeto de transformação social? O sociólogo Edgardo Lander, presença constante nos Fóruns Sociais Mundiais, pensa que não. Ele está preocupado com tendências que Chávez e o PSUV, partido no poder, passaram a manifestar mais acentuadamente a partir de setembro do ano passado – quando perderam, em eleições, o controle quase completo do Legislativo. Lander identifica, nas atitudes adotadas desde então, um velho cacoete das experiências do “socialismo real”: a tendência à ultra-centalização.

A análise tem nuances. O balanço geral do chavismo, diz o entrevistado, é uma participação popular como nunca houve antes, na história da Venezuela. Mas esta conquista estaria sendo atropelada por uma espécie de esquizofrenia: convoca-se a sociedade a debater tudo, mas a decisão final vem sempre do governante máximo e do partido no poder. Lander conclui que seu país está diante de um dilema: ou reverte a tendência atual, se dispõe a continuar inventando novas formas de participação popular autêntica; ou o verticalismo acabará minando a própria obra (real e importantíssima) de Chávez.

O debate, é evidente, implica muito mais que o destino imediato da Venezuela (onde haverá eleições presidenciais no segundo semestre de 2012). Num tempo em que o futuro está aberto, e em que convivem tendências tão díspares quanto as revoluções no mundo árabe e as ameaças da extrema-direita europeia, é uma satisfação lembrar que a comunicação pode ajudar a promover debates relevantes.

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