Vale a pena ler primeiro: Enjoy the silence, punk

“Vomita mais uma frase de insuportável beleza e desaparece. porque eu vou achar uma desculpa pra te esquecer em qualquer esquina”

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Por Juliana Frank | Imagem: Lucien Freud, Mulher Sorrindo

estou contigo: na pinga, na água ou na doença, no uísque ou na pobreza, na saúde ou na sarjeta. foda-se o tempo, a vida comum, as lancheiras escolares, os relógios pendurados por cabos de aço e suas colheres de metal. diz aqui pra mim, na minha cara. cola a sua fuça maldita na minha camiseta suja porque hoje eu tô cheirando a mim. fala: você nunca quis, aquelas poesias na bandeira, todas, não duram mais de quinze minutos, não é? fala pra mim, porque você nunca está aqui com a sua voz de barítono pra gritar a verdade. diz – tudo é tão falável – diz que você nunca vai desejar, que a querência que eu tenho é só minha, indesviável. que eu produzi mais um devaneio, fala que eu sou louca de pedra, bem aventurada, com veias no braço azuis e saltadas demais pra sua agulha. fala, cola a boca com gosto cocaínico de desgraça e grita, grita logo por causa da minha pressão: que você não quer comprar colheres de metal comigo ou que fico mais bonita dançando na beira do abismo. vai embora. porque eu estou bêbada de novo, como sempre, e eu estou criando imagináveis. e eu já trepei o suficiente e pareço aguentar: diz que amor ninguém nunca fez. porque só é útil amar sozinho, que o único monólogo possível é aquele que subtrai o outro, esse espectador inativo. diz pra minha memória, chuta a minha memória, esborracha ela com a sola dos seus pés: diz que você ama a sua mulher, que quer passar a imortalidade vendo discovery, que o homem de pernas eternas dentro da tv é mais interessante do que eu. eu, com um copo de vinícius nas mãos, brindando minha existência mal paga, mas muito bem comida por todos vocês – por você. fala pra eu passar os dias bebendo em homenagem a todos os cães, a todas as crianças, a todos os bêbados e a todos os que ardem, apaixonados. fala pra eu continuar assim, brindando tudo isso aí que não vale nada. diz que você mentiu que era poeta, mas na verdade é um mágico ilusionista que não avisa a hora que some. some. some mais uma vez. depois aparece e me lê de novo com um golpe de olhar. enfia esses olhos telepáticos de assassino em mim, vomita mais uma frase de insuportável beleza e desaparece. porque eu vou achar uma desculpa pra te esquecer em qualquer esquina. eu vou trepar com qualquer roqueiro em qualquer canto infecto de qualquer bar. e vou descer a augusta em chamas, vou deixar ela me chamar, rebolar para mim, xoxotamente falando. eu vou continuar cantando seu nome vão até minguar em microfonia. porque você nunca mais vai me guiar enquanto eu estiver como um besouro bêbado de uísque e melancolia. diz que eu fico melhor arruaçante, escrevendo prosa demencial, bebendo com inimigos, pedindo dinheiro a estranhos, fazendo cara de mulher-bilhete-premiado, ninguém tem. fala que você não quer ter. rasga o bilhete, mastiga e cospe na minha fuça com o resto de gasolina da sua boca. diz pra mim que foi de propósito que você me tirou das quatro paredes, das quatro estações, dos quatro pontos cardeais. diz que eu sempre fui louca, mas hoje estou de parabéns. isso, me dá parabéns! diz que eu exagero. que eu comecei antes do início. conta que o seu passeio roda roda e para aqui. isso. para aqui. tira as minhas botas paulistanas, me leva pra fora, abre a porta da rua pra ligar o mundo, me apresenta a cidade morta, a cidade que é morta já desde 1960, o rio de janeiro e seu botóx carcomido. me obriga a perdoar, fazer as pazes com a cidade-morfética. me abraça desse jeito canhestro e arranca minha camiseta imunda. diz que você também está sujo. rói a minha unha preta. toma o fim da minha bebida, isso, o último gole. me chama pelo nome, me trata assim, na trigésima pessoa, finge que eu fui importante pro mundo, pro seu mundo. me suga com seus olhos de cão, depois cospe na guanabara, a gua-na-ba-ra, essa mulher linda no primeiro dia, fútil no segundo, apática há seis meses. arranca tudo e dá um start. start! me fode com gosto no meio do calçadão. estamos sempre nus, não tem telhado. só tem rua, só tem rua PUTA rua mas a culpa, amor, é sua. me fode pra trocar o nome, eu prometo que..ah, eu prometo… liga pro seu traficante pela última vez. vai embora, agora. vai com cara de quem não veio. prometo que vou te dar parabéns! enjoy the silence, punk. enjoy the silence and make my day.

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O texto de Juliana Frank (na foto) inaugura “Vale a pena ler primeiro”, a mais nova seção de “Outras Palavras”. É dedicada à literatura, criada e editada por Fabiano Alcântara. Jornalista especializado em cultura, repórter de Música do portal Virgula, e colaborador de diversas publicações —  como “Valor Econômico” e os sites das revistas TRIP e TPM — Fabiano é também músico, baixista das bandas Mercado de Peixe e Lavoura e curador de festivais. Abaixo, ele apresenta Juliana

Autora da Meu Coração de Pedra-Pomes, romance que sai nos próximos meses pela Companhia das Letras, Juliana Frank é dona de um textos com mais poder de criar atratores da nova geração. Seu dom é captar a eletricidade da vida cotidiana, da escrita contaminada pela internet e recuperar a poesia, desvelar a oralidade, fluir o inconsciente.

Nascida em 1985, em São Paulo, Juliana já disse que suas tias influenciaram o humor de suas obras, carregadas ao mesmo tempo de sexualidade aflorada e uma dose de tragédia. Como em Hitchcock, seus personagens fazem amor como se estivessem morrendo e morrem como se estivessem fazendo amor.

Atualmente, vive entre Rio de Janeiro e São Paulo. É roteirista, adaptou “Pornopopeia”, de Reinaldo Moraes, para o cinema. As filmagens estão previstas para o segundo semestre. “Não tenho isso de só escrever de cabelo molhado ou só ao lado de um macaco albino, ou só de bobs pela manhã. Meu único ritual é não forçar, não arrancar a coisa do limbo. Espero as ideias se formarem no tempo delas, que nem sempre é o tempo cronológico.”  

 

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