Urgente: procura-se uma ideia de Nação

Wallerstein provoca: esquerda está dividida e desorientada. num tema crucial para o debate público e a ação política contemporânea

Em mural de Diego Rivera, Marx, Engels e Trotsky, entre outros, dirigem-se a trabalhadores de todo o mundo. Internacionalismo foi vertente decisiva entre correntes anarquistas e marxistas

Em mural de Diego Rivera, Marx, Engels e Trotsky, entre outros, dirigem-se a trabalhadores de todo o mundo. Internacionalismo foi vertente decisiva entre correntes anarquistas e marxistas

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Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Inês Castilho | Imagem: Diego Rivera, O Homem na Encruzilhada, 1934 (detalhe)

O termo “nação” teve vários diferentes significados no decorrer dos séculos. Mas atualmente, mais ou menos desde a Revolução Francesa, a expressão tem sido ligada ao Estado, como em “Estado-nação”. Nesse sentido, “nação” refere-se àqueles que são membros por direito da comunidade que está localizada dentro de um Estado.

Se aqueles que formam uma nação dão origem à criação de um Estado; ou se é um Estado que cria a categoria de nação e dessa forma os direitos dentro do Estado é um velho debate. Quanto a mim, acredito que Estados criam nações, e não o contrário.

Contudo, a questão é por que os Estados criam nações, e qual deveria ser a atitude da “esquerda” frente ao conceito de nação. Para alguns, entre a esquerda, o conceito de nação é o grande equalizador. É uma garantia de que todos (ou quase todos) têm o direito de participação integral e igualitária no processo de decisão do Estado, em oposição aos direitos de participação integral de apenas uma minoria (por exemplo, a aristocracia). Hoje, esta visão é frequentemente denominada como jacobina.

O jacobinismo dá origem à categoria de cidadão. As pessoas são cidadãs por direito de nascimento e não porque têm uma origem “étnica” ou uma religião particular ou qualquer outra característica que lhes seja atribuída, tanto por elas próprias como por outros. Cidadãos têm voto (a partir de certa idade). Cada cidadão tem um voto. Todos os cidadãos são, portanto, iguais perante a lei.

De acordo com essa percepção de cidadania, é crucial considerar todos os cidadãos como indivíduos. É crucial suprimir a ideia de que há grupos que podem ser intermediários entre o indivíduo e o Estado. De fato, como pode sugerir uma visão ainda mais rígida de nação, é ilegítimo que existam tais grupos. Todos os cidadãos devem usar a linguagem da nação e não outra; nenhum grupo religioso deve pode ter suas próprias instituições; nenhum costume além daqueles da nação pode ser celebrado.

Claro, na prática as pessoas são parte de muitos grupos, que constantemente afirmam suas demandas de participação e lealdade por parte de seus membros. Na prática, também, e frequentemente sob pretexto de tratamento igual a todos os indivíduos, há inúmeras maneiras pelas quais os direitos iguais de todos os cidadãos podem ser assegurados.

A ideia de cidadania pode ser definida principalmente pelo voto. E há múltiplas limitações ao acesso ao voto. A mais óbvia e numericamente importante é a do sexo. O voto já foi limitado, por lei, aos homens. Foi frequentemente limitado por renda, exigindo-se um rendimento mínimo para votar. Foi frequentemente limitado por raça, religião, ou por quantas gerações ancentrais haviam residido no Estado. O resultado concreto era que aquilo originalmente concebido como um grande equalizador não abarcava de fato todo o mundo ou mesmo a maioria das pessoas. Frequentemente, ao contrário, incluía apenas um pequenoi grupo.

Para os jacobinos, que se pensavam como esquerda, a solução era lutar pela expansão do voto. E no decorrer do tempo, esse esforço deu algum fruto. O direito ao voto foi estendido para cada vez mais pessoas. De algum modo, contudo, isso não alcançou o objetivo de tornar todos os cidadãos, todos os membros da nação, iguais no acesso aos supostos benefícios da cidadania – educação, serviços de saúde, emprego.

Diante dessa realidade de permanência das desigualdades, surgiu uma visão contra-jacobina da esquerda. Ela entendeu a nação não como o grande equelizador, mas como o grande hipnotizador. A solução não era lutar para suprimir a existência de outros grupos no interior do Estado, mas encorajar todos os grupos a que afirmassem seus valores como modos de vida e modos de autoconsciência. Como fizeram comunidades de grupos raciais ou étnicos, as chamadas minorias.

O resultado é que a esquerda não tem uma visão unificada do que significa nação. Muito pelo contrário! A esquerda está dividida entre visões de nação ainda mais profundamente opostas. Isso desdobra-se hoje de diversas maneiras. Uma delas é o caráter explosivo das demandas ligadas a gênero, a construção social do que antes era pensado como um fenômeno genético. Mas, uma vez que estamos envolvidos na construção social, não há limites óbvios aos direitos das subcategorias, as já definidas ou as que ainda virão a existir socialmente.

O gênero está explodindo, da mesma forma que o indigenismo. O indigenismo também é uma construção social. Refere-se aos direitos daqueles que viveram em determinada área geográfica antes que outros (“migrantes”). No limite, cada pessoa é um migrante. Razoavelmente discutindo, há hoje grupos sociais significativos que se veem vivendo em grupos significativamente distintos daqueles que exercitam o poder no Estado; e que desejam continuar a manter suas comunidades ligadas a seus modos principais de vida, em vez de diluir esses direitos nas fronteiras nacionais.

Uma última ambiguidade. É de esquerda ser internacionalista e defensor da cidadania planetária ou é de esquerda ser nacionalista, contra a intrusão de poderosas forças mundiais? É de esquerda ser pela abolição de todas as fronteiras ou pelo reforço das fronteiras? A consciência de classe serve para opor-se ao nacionalismo ou para apoiar a resistência nacional ao imperialismo?

A saída mais fácil para este debate seria sugerir que a resposta varia de lugar para lugar, a cada momento, a cada situação. Mas este é, precisamente, o problema. A esquerda global acha muito difícil confrontar diretamente os problemas e adotar uma atitude razoável e politicamente significativa em torno do conceito de nação. Considerando que talvez o nacionalismo seja hoje o mais forte compromisso emocional dos povos do mundo, a incapacidade da esquerda em  travar, de maneira solidária, um debate coletivo a respeito mina suas possibilidades de ser um ator decisivo no cenário mundial.

A Revolução Francesa nos legou um conceito que pretendia ser o grande equalizador. Terá nos legado uma pílula envenenada, que pode destruir a esquerda global e portanto o grande equalizador? Uma reunificação intelectual, moral e política da esquerda global é muito urgente. Ela exigirá muito mais senso de reciprocidade do que os atores principais vêm demonstrando. Ainda assim, não há nenhuma outra alternativa séria.

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Um comentario para "Urgente: procura-se uma ideia de Nação"

  1. Pedro Augusto Pinho disse:

    O ESTADO NACIONAL
    Os jovens de hoje, vejo em meus netos, seus amigos e colegas, mas também nos transportes públicos, estão sempre com um “tablet” ou com um “smart fone” ou algo similar. Já os neologismos e anglicismos que empreguei bem mostram o tipo de cultura que estamos vivendo: importada.
    Nada contra a tecnologia, o progresso, mas vamos perdendo um valor importante para nossa autoestima, para nossa própria inserção no mundo: nossa nacionalidade, nossos valores culturais.
    E, ao adotarmos modos e práticas estrangeiras acriticamente, estamos nos submetendo aos interesses que não são os nossos e também a ausência de uma capacidade que desenvolvíamos ao jogar o quebra-cabeça: construir uma realidade global, não nos atermos apenas ao particular ou ao egoista cotidiano
    Mas é o que se vê, abundantemente, nos veículos de comunicação social hoje, cujo caráter político e ideológico é manifesto desde a manchete.
    Não tratarei do Brasil. Meu nacionalismo poderia me levar a uma visão muito particular que diferiria das posições políticas, do entendimento econômico e mesmo da situação social de meus leitores, ainda que por exceção.
    Vou tratar da Bolívia que se denomina Estado Plurinacional, que conheci em minha primeira infância, onde iniciei minha alfabetização, ou seja lá se vão 70 anos.
    Desde 1952, para não buscarmos muito longe e porque o Presidente de então – Victor Paz Estenssoro – foi reconduzido diversas vezes, a Bolívia, incluindo os períodos de Junta Militar, teve 36 dirigentes. Ou seja, entre 1952 e 2005, 53 anos, a cada ano e meio, um Presidente. Algumas vezes já conhecido, outras vezes triste novidade. Em 2005 foi eleito Juan Evo Morales Aima, então com 46 anos, que governa até hoje. É o Presidente que por mais tempo já governou a Bolívia.
    Este País sempre foi um exportador de matéria prima – estanho (fortuna de Antenor Patiño), zinco, soja, arroz e gás natural, que fizeram a riqueza de empresas e pessoas no exterior e a miséria dos habitantes nacionais. No Departamento (Estado) de Panda, a população original sofreu durante décadas a mesma situação que o Prêmio Nobel da Literatura – Mario Vargas Llosa – descreve em seu admirável romance “O sonho do celta”. Carrascos, travestidos de feitores, obrigavam os indígenas a trabalhar até a exaustão, com mutilações, castigos físicos e ameaças.
    Vamos conhecer um pouco da população boliviana: 55% é constituída de indígenas, 15% de mestiços e o restante de brancos (europeus, sírios, libaneses) e asiáticos (chineses e coreanos principalmente). Assim, um grande passo para a soberania foi a definição da Constituição de 2009 de Estado Plurinacional. Estava portanto incluída a maioria da população, formada por quíchuas, aimarás, chiquitanos e guaranis, preponderantemente, mas outras 34 nações tiveram também seus idiomas reconhecidos. O idioma é a mais básica identificação da nacionalidade.
    A garantia social foi outra importante ação do Governo, mais de 40% da população de 11 milhões de habitantes já se beneficia ou se beneficiou da “Renta Dignidad”, espécie da plataforma Bolsa Família, brasileira. Com isso, o analfabetismo é hoje residual. A CIA World Factbook assinalava, em 2009, 8% da população. Outra importante iniciativa foi promover o engajamento dos movimentos sociais e de trabalhadores, que colaboram nos programas educacionais: “Yo Sí Puedo” e “Yo Sí Puedo Seguir”.
    Na área econômica, num projeto de soberania nacional, foram nacionalizadas mais de 20 empresas, inclusive a Petrobrás, e, ao contrário do Brasil, não se concederam vantagens fiscais e creditícias a grupos econômicos de matriz estrangeira, mas estes recursos serviram para impulsionar a produção nacional de sal, da extração mineral (prata, tungstênio, antimônio, cobre) e para concessão do 14º salário a todos os trabalhadores, públicos e privados, após 2014.
    No campo cultural, uma das grandes inovações, além da cota parlamentar para população indígena, foi o reconhecimento oficial do sistema judicial indígena camponês e a autonomia e autogestão das comunidades indígenas.
    Esta bem sucedida governança, fora dos padrões do sistema financeiro internacional, com prioridades distintas das avaliações das agências de classificação de risco, que apenas aos desinformados impressiona, está fora da imprensa ou denominada, como agressão, de bolivariana, como o faz The New York Times e suas traduções nacionais. Apenas para satisfazer os que privilegiam o econômico, informo que o PIB per capita passou de US$ 2.400, em 2004, para US$ 3.000, em 2014, conforme o periódico boliviano La Razón. E melhor distribuído. O densamente povoado subúrbio El Alto, de La Paz, segundo reportagem, está passando por intensa reforma habitacional, onde se inclui a instalação de unidades comerciais.
    O mais relevante a meu ver é o reerguimento da cultura nacional, que dará força à continuidade deste projeto político.
    Pedro Augusto Pinho, avô, aposentado.

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