Alternativas para a crise portuguesa

Boaventura Santos apresenta um leque de saídas concretas e alerta: pacote que FMI prepara enterrará as melhores aspirações da sociedade

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Por Boaventura de Sousa Santos

Começo por descrever os próximos passos do aprofundamento da crise, para de seguida propor uma estratégia de saída. O que neste momento está se tramando como solução para a crise que o país atravessa não fará mais que aprofundá-la. Eis o itinerário. A intervenção do FMI começará com declarações solenes de que a situação é muito mais grave do que se tem dito (o ventríloquo pode ser o líder do PSD, se ganhar as eleições). As medidas impostas serão a privatização do que resta do setor empresarial e financeiro do Estado, a máxima precarização do trabalho, o corte nos serviços e subsídios públicos. Tudo isso  pode levar, por exemplo, a que o preço dos transportes ou do pão suba de um dia para o outro para o triplo, demissões de servidores públicos, cortes nas aposentadorias e salários (a começar pelos abonos de férias e de Natal, um “privilégio” que os jovens do FMI não entendem) e a transformação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) num serviço residual.

Tudo se fará para obter o seal of approval do FMI, que restabelece a confiança dos credores no país. O objetivo não é que pague as dívidas (sabe-se que nunca as pagará), mas antes que vá pagando os juros e se mantenha refém da camisa de forças, para mostrar ao mundo que o modelo funciona.

Este itinerário não é difícil de prever porque tem sido esta a prática do FMI em todos os países onde tem intervindo. Rege-se pela ideia de que one size fits all, ou seja, que as receitas são sempre as mesmas, uma vez que as diferentes realidades sociais, culturais e políticas são irrelevantes

ante a objetividade dos mercados financeiros.

Feita a intervenção de emergência – que os portugueses serão induzidos a ver como uma necessidade e não como um certificado de óbito às suas justas aspirações de progresso e de dignidade –, entra o Banco Mundial para fornecer o crédito de longa duração que permitirá “reconstruir” o

país. Ou seja, para assegurar que os mercados e as agências de rating ditarão ao país o que pode e não pode ser feito. Serão ocultadas as seguintes irracionalidades:

Que o modelo imposto ao mundo está falido na sua sede, os EUA; que o FMI faz tudo para servir os interesses financeiros norte-americanos, até para se defender do movimento que houve no Congresso para extingui-lo; que o maior credor dos EUA, a China, e segunda maior economia do mundo, tem o mesmo poder de voto no FMI que a Bélgica; que as agências de rating manipulam a realidade financeira para proporcionar aos seus clientes “rendas financeiras excessivas”.

Claro que pode haver complicadores. Os portugueses podem revoltar-se. O FMI pode admitir que fez um juízo errado e reverter o curso, como aconteceu na crise do Leste da Ásia, em que as políticas do FMI produziram o efeito contraproducente, como reconhece Jagdish Bhagwati, um respeitado economista e free trader convicto, em In Defense of Globalization. Se tal acontecer, não é sequer imaginável que o FMI indenize o país pelo erro cometido.

Perante este agravamento concertado da crise, como buscar uma saída que restitua aos portugueses a dignidade de existir? Não discuto aqui quem serão os agentes políticos democráticos que tomarão as medidas necessárias, nem o modo como os portugueses se organizarão para pressioná-los nesse sentido. As medidas são as seguintes:

Realizar uma auditoria da dívida externa, que permita reduzi-la à sua proporção real: por exemplo, descontando todos os efeitos de rating por contágio de que fomos vítimas nos últimos meses.

Resolver as necessidades financeiras de curto prazo contraindo empréstimos, sem as condicionalidades do FMI, junto de países dispostos a acreditar na capacidade de recuperação do país, tais como a China, o Brasil e Angola.

Tomar a iniciativa de promover um diálogo Sul-Sul, depois alargado a toda a Europa, no sentido de refundar o projeto europeu, já que o atual está morto.

Promover a criação de um mercado de integração regional transcontinental, tendo como base a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e como carros-chefes Brasil, Angola e Portugal.

Usar como recurso estratégico nessa integração a requalificação da nossa especialização industrial, em função do extraordinário avanço do país nos últimos anos nos domínios da formação avançada e da investigação científica.

Boaventura de Sousa Santos é diretor  do Centro de Estudos Sociais, Laboratório Associado, da Universidade de Coimbra

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3 comentários para "Alternativas para a crise portuguesa"

  1. ricardo carvalho disse:

    pois nuno gomes, a mim parece-me que os factos apenas me dão a razão. e se você é tão parco em palavras também o deve ser em ideias. diga lá de sua justiça e quais as suas propostas… se você as tiver.

  2. Nuno Gomes disse:

    Que pena, Ricardo. Tanto texto para pouca ideia. O Boaventura é mesmo ingénuo (apesar de algumas boas ideias aqui e ali, ao longo do artigo), mas tu és muito, mas muito mais.

  3. ricardo carvalho disse:

    o depoimento do sr. sousa santos é infelizmente o exemplo acabado da ineficiência portuguesa em dar resposta a problemas e situações concretas. a boa-vontade está lá, temos de admitir mas, na verdade o que o sr. apresenta é apenas um monte de disparates sem cabimento e que em nada o diferencia da nossa classe política, independentemente das cores e orientações. falemos claro e concreto. o que aqui apresenta é aquilo a que se costuma chamar: muita parra e pouco bago. a começar pelo título que o sr. sousa santos dá à sua dissertação. o que significa aqui “alternativas”?? alternativas em relação a quê? qual o seu termo de comparação? a descrição dos problemas é fútil e não penso que precisemos de académicos nenhuns para nos explicá-los. é um insulto ao cidadão comum tentar explicar-lhe aquilo que já está à vista de todos. o que é aliás muito típico dos nossos políticos: o povo não percebe nada, nós temos que lhe explicar tudo, à nossa maneira… todavia, sr. sousa santos, eu não pretendo negar nada do que escreve. pelo contrário, tudo está correcto, infelizmente. o que eu critico é a futilidade e inutilidade do que escreve. chegado às “medidas necessárias” por si propostas tenho mesmo que rir a altas gargalhadas.
    “Realizar uma auditoria da dívida externa, que permita reduzi-la à sua proporção real: por exemplo, descontando todos os efeitos de rating por contágio de que fomos vítimas nos últimos meses.”
    talvez o sr. sousa santos nos queira explicar como acha que isso poderá ser feito. será do género: “ó manel, faz lá uma auditoria e desconta lá aquelas cenas, pá e no fim reduz a dívida a zero, e se puderes acrescenta uns milhões de lucro em cima……”
    “Resolver as necessidades financeiras de curto prazo contraindo empréstimos, sem as condicionalidades do FMI, junto de países dispostos a acreditar na capacidade de recuperação do país, tais como a China, o Brasil e Angola.”
    ahm???? como é?? afinal a ideia genial é contrair mais empréstimos??? eu pensei que o problema principal de portugal eram os créditos que já mal podemos pagar. ou o sr. pensa mesmo que através do seu enfadonho discurso até o mais atento leitor que a este ponto chegou já esqueceu qual é a origem dos problemas? e onde foi buscar essa ideia de que existem países “dispostos a acreditar” seja no que for? é mais uma daquelas ingenuidades que nos caracterizam. talvez o sr. acredite igualmente que o rei dom sebastião vai aparecer a qualquer momento ao dobrar da esquina e nos vai salvar…
    “Tomar a iniciativa de promover um diálogo Sul-Sul, depois alargado a toda a Europa, no sentido de refundar o projeto europeu, já que o atual está morto.”
    ora no que diz respeito a tomar iniciativas são os portugueses campeões. infelizmente apenas da boca para fora. explique-nos, por favor, o seu plano genial, sr. sousa santos. afinal o que é isso de diálogo sul-sul? em que é que isso nos vai ajudar? tanto quanto eu saiba é exactamente o sul da europa que está de rastos e com uma mão à frente e outra atrás. são porventura esses os países que nos vão ensinar o caminho? quão inocente é preciso ser para acreditar numa coisa dessas.
    “Promover a criação de um mercado de integração regional transcontinental, tendo como base a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e como carros-chefes Brasil, Angola e Portugal.”
    mais uma vez um trocadilho que apenas tem como fim nos baralhar ainda mais. INTEGRAçÃO/REGIONAL/TRANSCONTINENTAL/CPLP qual o sentido destas palavras? o sr. sousa santos acha que somos assim tão estúpidos ao ponto de nos deixarmos fascinar com tão erudito latim?
    “Usar como recurso estratégico nessa integração a requalificação da nossa especialização industrial, em função do extraordinário avanço do país nos últimos anos nos domínios da formação avançada e da investigação científica.”
    mais uma trapalhada sem pés nem cabeça. portugal não tem uma ponta de especialização industrial. o avanço do país nos últimos anos não tem absolutamente nada de extraordinário e qualquer pessoa sabe que não existem domínios de formação avançada nem investigação científica digna de menção. sejámos modestos e comecemos por aumentar uma coisa tão simples como a produtividade pois esse é um dos pontos fracos que nos trava desde há décadas, senão séculos. por outras palavras: trabalhar mais e pelo menos tão bem como os outros lá fora.
    sr. sousa santos eu adoraria aprofundar este e outros temas. antes de mais nada falar claro e chamar as coisas pelos seus nomes. não me leva a mal a minha sinceridade e o facto de eu usar um pouco de sarcasmo nas minha linguagem. tanto como qualquer outro português é o meu maior desejo ver portugal enveredar por um melhor caminho. e a actual crise é apenas um pretexto para exacerbar os ânimos. portugal tem problemas mas eles não são novos.
    com todo o respeito,
    ricardo carvalho

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