Um homem sério

José Geraldo Couto “Prolífico e competente, Lumet esquadrinhou sociedade e as instituições americanas em filmes de grande impacto”

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Por José Geraldo Couto, editor do Blog do Zé Geraldo

Sidney Lumet, que morreu hoje aos 86 anos, não foi um grande “autor” de cinema – ou seja, não deixou uma marca pessoal, intransferível, na expressão audiovisual -, mas foi um diretor importante, que realizou filmes fundamentais para uma compreensão mais viva e abrangente da América contemporânea.

Foi um dos primeiros cineastas de alta qualidade saídos da televisão. É bom lembrar que a TV nos Estados Unidos surgiu do cinema (diferentemente do que ocorreu no Brasil, onde ela derivou principalmente do rádio). A entrada de Lumet em Hollywood significa então uma espécie de retorno. Hollwood é modo de dizer, pois ele filmou quase sempre em Nova York.

Prolífico e competente, Lumet esquadrinhou a sociedade e as instituições americanas num punhado de filmes de grande impacto. Abordou o sistema judiciário (em Doze homens e uma sentença, seu longa de estreia, e em O veredito), a corrupção policial (Serpico), a insanidade urbana (Um dia de cão), o perigo nuclear (Limite de segurança), a televisão (Rede de intrigas), o marketing político (Power, filme interessantíssimo, infelizmente pouco visto no Brasil, país onde as técnicas marqueteiras de fabricação de políticos atingiriam um patamar inimaginável).

Mas Lumet tinha grande sensibilidade também para os dramas mais anônimos, para as vidas à margem, conforme mostrou num filme “menor”, como O peso de um passado (sobre a família de um ex-militante pacifista foragido da polícia por conta de um atentado que ele cometeu contra uma fábrica nos anos 60), e naquela que talvez seja sua obra-prima, O homem do prego (1964), em que Rod Steiger encarna o penhorista do título, um judeu de meia idade solitário e atormentado pelas lembranças do Holocausto.

Se nos filmes de Lumet o “tema”, o roteiro e os atores sempre prevalecem sobre o estilo pessoal do cineasta, isso não chega a ser um demérito. Ao contrário, é uma manifestação de sobriedade, pudor ou ausência de vaidade.

A cena a seguir, de O homem do prego, talvez ilustre bem essa sua disposição de espírito substantiva, sóbria, diante da vida e das criações humanas. Nela, o protagonista tenta explicar a um jovem as razões do “sucesso” dos judeus no mundo do comércio.

O vídeo é sem legendas, mas o filme está disponível em DVD. Vale a pena conferir.

Como brinde extra, aqui vai uma cena que considero encantadora de O peso do passado. Quase uma epifania ao som de James Taylor, com direito a um River Phoenix adolescente.

 

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Um comentario para "Um homem sério"

  1. Carlo Zardinni disse:

    Uma contribuição:
    Diálogo do filme O Homem do Prego (1964) »The Pawnbroker (original title)
    obtido do excelente site do IMDbPro
    Jesus Ortiz: Say, how come you people come to business so naturally?
    Sol Nazerman: You people? Oh, let’s see. Yeah. I see. I see, you… you want to learn the secret of our success, is that right? Alright I’ll teach you. First of all you start off with a period of several thousand years, during which you have nothing to sustain you but a great bearded legend. Oh my friend you have no land to call your own, to grow food on or to hunt. You have nothing. You’re never in one place long enough to have a geography or an army or a land myth. All you have is a little brain. A little brain and a great bearded legend to sustain you and convince you that you are special, even in poverty. But this little brain, that’s the real key you see. With this little brain you go out and you buy a piece of cloth and you cut that cloth in two and you go and sell it for a penny more than you paid for it. Then you run right out and buy another piece of cloth, cut it into three pieces and sell it for three pennies profit. But, my friend, during that time you must never succumb to buying an extra piece of bread for the table or a toy for a child, no. You must immediately run out and get yourself a still larger piece cloth and and so you repeat this process over and over and suddenly you discover something. You have no longer any desire, any temptation to dig into the Earth to grow food or to gaze at a limitless land and call it your own, no, no. You just go on and on and on repeating this process over the centuries over and over and suddenly you make a grand discovery. You have a mercantile heritage! You are a merchant. You are known as a usurer, a man with secret resources, a witch, a pawnbroker, a sheenie, a makie and a kike!

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