Um grande passo adiante e uma incógnita

Difusão mundial dos protestos e tentativa de formular reivindicações concretas marcaram 15-O. Mas falta avançar na construção de consensos

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Por Pep Valenzuela, de Barcelona

O sábado 15 de outubro marcou o sucesso da grande convocatória mundial por “mudança global”. Não é a primeira vez que se faz uma convocatória nesse padrão: em 2003, o mundo já se mobilizou contra a guerra no Iraque atendendo chamado surgida no espaço do Fórum Social Mundial daquele ano. Mas a mobilização do sábado, também contra uma guerra – a que o capital declarou contra o povo trabalhador de todo o mundo – vai além do protesto e exige uma mudança global do sistema econômico e político. Democracia real, direitos humanos reais e efetivos, justiça social… e passar “da indignação à ação”.

A extensão da mobilização pelo mundo não é produto de técnica de marketing alguma. Talvez seja o início real da articulação e organização dos hoje subalternos, mundo afora. Aqueles que há tempo sofrem as consequências de uma globalização realizada no interesse dos grandes percebem que os espaços nacionais já não bastam: é preciso articular, também, respostas globais.

Na Espanha, onde a mobilização foi maciça e se espalhou por muitas cidades, a exigência de “mudança global” desdobrou-se em reivindicações concretas. O efetivo direito à moradia – portanto, contra o despejo das milhares de famílias que, devido à crise, não conseguem mais pagar as hipotecas. A manutenção dos serviços de assistência à saúde, hoje limitados por conta das políticas de austeridade fiscal. O direito pleno à educação de qualidade e para todas as pessoas.

Para materializar a passagem “da indignação à ação”, os manifestantes em Barcelona, depois da passeata, dividiram-se em três grupos que ocuparam um prédio de apartamentos num bairro popular da cidade (onde devem se alojar famílias sem casa); uma faculdade da Universidade Central; e o Hospital do Mar.

Deste modo, o movimento dá mais dois passos importantes. O primeiro, na internacionalização das lutas. O segundo, na efetivação das reivindicações pela ação direta. Aponta, assim, vias para continuar transitando e avançando.

O êxito do 15-O trouxe, ainda, outras consequências. Com o aumento de participação e de capacidade, cresceu também a sensação de responsabilidade – e, com ela, a necessidade por parte de alguns setores de acelerar o processo, de definir e concretizar objetivos e alvos para dar resposta a tudo ou, pelo menos, ao máximo possível de questões. Questões sobres as quais o movimento, que nasceu há apenas cinco meses, parece longe de definir respostas de consenso.

Realizada após uma manifestação gigantesca, a assembleia geral na Porta do Sol, em Madri, foi um bom exemplo das dificuldades que o movimento encontra para definir as suas propostas. Segundo os jornalistas Herrera e Requena, a reunião “tornou-se caótica e inclusive tensa em alguns momentos”, até que, de madrugada, a equipe de moderação decidiu encerrá-la pela impossibilidade de manter o silêncio e a alternância dos que falavam. Enfim, não é fácil crescer e, menos ainda, crescer tão rápido.

Por outro lado, chegam, do próprio mundo institucional, ecos do sucesso da jornada e de sua potencialidade. Numa surpreendente declaração pública, os próprios presidentes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu, Durão Barroso e Van Rompuy, afirmaram nesta segunda (17/10) que são “legítimas” e “compreensíveis” as reivindicações do movimento dos indignados. Apesar de sua duvidosa sinceridade, as palavras revelam que as reivindicações já pesam: estão ganhando a simpatia de importantes setores da sociedade. Também podem estar ajudando a aprofundar contradições dentro do sistema: setores da política institucionalizada podem estar incomodados com o domínio todo-poderoso da finança. É o mesmo Durão Barroso quem pede, num discurso claramente dirigido a este setor, “sanções proporcionais ao abuso que fazem algumas entidades”.

Uma nota triste, por fim, nas manifestações ocorridas na Itália, onde a participação nas passeatas foi tão grande o maior do que no Estado espanhol, Checchino Antonini, relata, no jornal Liberazione, a presença de 500 mil pessoas em Roma. Mas tudo acabou numa duríssima batalha entre alguns pequenos grupos violentos, que participavam na manifestação e a polícia que, sempre segundo Antonini, teria “perdido a cabeça” – e atacado toda a gigantesca manifestação.

O caso chama a atenção, no mínimo, para duas questões. Primeiro, por mais globalizado que esteja o mundo, as características específicas das sociedades, culturas e processos políticos país continuam decisivas, nos conflitos políticos e sociais. Dificilmente haverá uma única proposta para o movimento no mundo.

Segundo: mesmo que até hoje a violência tenha sido relativamente limitada, (nenhuma ou quase nenhuma), no caso dos indignados, o acirramento do conflito pode gerar momentos e práticas violentas. Como se sabe, os Estados defendem o princípio do monopólio da violência, segundo eles legítimo. Já os novos movimentos, que ao crescerem assumem novas responsabilidades, terão em breve de debater este tema.

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