Três refeições ao dia

Brasileiro eleito para presidir FAO sustenta: é possível acabar com a fome no mundo, e fazê-lo conservando natureza e biodiversidade

.

Por José Graziano da Silva*

Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Programa Fome Zero quando assumiu a Presidência do Brasil, em janeiro de 2003, e se comprometeu a conseguir que toda pessoa em seu país pudesse ter acesso a três refeições diárias. Eu havia encabeçado a equipe que preparou o programa, e Lula me confiou sua execução como ministro da Segurança Alimentar e Luta contra a Fome.

Os êxitos do modelo de desenvolvimento obtidos como o Fome Zero são visíveis: 24 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza no prazo de cinco anos e a desnutrição caiu 25%.Não só cresce o produto interno bruto do Brasil, como um número maior de pessoas se beneficia desse crescimento. Esta inclusão social e econômica é a principal razão de o país conseguir enfrentar melhor do que outras nações a recente crise. Oito anos depois do lançamento do Fome Zero, o Brasil me designou candidato a diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Em minhas prioridades para a FAO, o primeiro lugar é ocupado pela erradicação da fome no mundo. Estou certo de que é uma meta possível. O segundo pilar de minha plataforma é promover a mudança para sistemas de produção de alimentos sustentáveis, que permitam conservar em boas condições os recursos naturais – solo, água, biodiversidade, clima – necessários para proporcionar alimentos aos nossos filhos e netos. Como terceiro pilar, proponho que a FAO e outros organismos internacionais assegurem igualdade no manejo do sistema alimentar mundial.

Há quem me pergunte por que proponho uma agenda tão ambiciosa quando o mundo está envolvido em graves crises, com as derivadas dos altos preços do petróleo e de alimentos, do lento crescimento econômico, da mudança climática, da escassez de terras e de água. Creio que terminar com a fome, conseguir uma produção sustentável de alimentos e melhorar a governança global faz parte da solução dessas crises.

Para alguns, as pessoas têm fome por culpa própria.

Mas a maior parte dos famintos é vítima

de processos econômicos globais e nacionais

que têm o efeito colateral de ampliar a brecha entre ricos e pobres”

Comer é uma necessidade tão fundamental para nossa existência que é estranho questionar a sabedoria de propor que a FAO – criada em 1945 para acabar com a fome – faça tudo o que esteja ao seu alcance para ajudar todos no mundo a terem acesso a três refeições por dia. Quase um bilhão de pessoas – uma em cada sete habitantes de nosso planeta – sofre fome crônica. Não por falta de alimentos, mas porque não ganham o suficiente para pagar a comida que precisam.

Essas pessoas vivem na armadilha da fome, e escapar dela por seus próprios meios é impossível. Como qualquer um que tenha pulado algumas refeições sabe bem, a fome debilita o corpo e reduz a concentração. No longo prazo tem efeitos funestos. Nos adultos, impede de trabalhar e, nas crianças, impede seu aprendizado escolar. As pessoas desnutridas são mais suscetíveis às doenças, e sua expectativa de vida é baixa. Se uma mãe sofre fome na gravidez e não pode proporcionar comida suficiente aos filhos antes do segundo ano de vida, estes sentirão o dano durante toda a existência.

Há quem afirme que as pessoas têm fome por sua própria culpa. Mas a maior parte dos famintos é vítima de processos econômicos globais e nacionais que têm o efeito colateral de ampliar a brecha entre ricos e pobres. Sabemos que investir na erradicação da fome, em especial com programas que proporcionem às famílias muito pobres subvenções para permitir-lhes comer adequadamente, não é caridade, mas um investimento muito produtivo.

Os resultados são melhores quando as mulheres administram esses subsídios. Este tipo de proteção social permite às pessoas ficar de pé por si mesmas e começar processos de progresso econômico, sobretudo onde são mais necessários, nas comunidades mais próximas. O consequente aumento da demanda de alimentos estimula a produção local, o que favorece os pequenos agricultores se estes receberem um apoio adequado. A ação pública é fundamental para que se consiga isto.

Dedicado ao desenvolvimento rural por mais de três décadas, sei que aumentar a produção em comunidades pobres tem muitos efeitos positivos, inclusive além das próprias comunidades. Como muitos outros, afirmo que o acesso a uma alimentação adequada é um direito humano. Como economista, também sei que a satisfação desse direito de centenas de milhões de pessoas não só colocará fim ao sofrimento desnecessário em grande escala, como também será o arauto de uma nova era de prosperidade mundial e contribuirá para a obtenção de uma paz duradoura.

Não é uma simples ilusão. Vi com meus próprios olhos o que ocorre em países que enfrentaram com seriedade o problema da fome. Perguntem a qualquer ganês, vietnamita ou brasileiro sobre o impacto dos programas contra a fome em seus próprios países e estou certo de que confirmarão minhas impressões.

Este texto foi publicado originalmente por Terramérica, jornal da Agência IPS

 

Leia Também:

4 comentários para "Três refeições ao dia"

  1. PENSADOR disse:

    EM TEMPO. OS 24 MILHÕES QUE SAÍRAM DA POBREZA FOI MUITO MAIS EM RAZÃO DA AMPLIAÇÃO DO CRÉDITO QUE AUMENTOU O CONSUMO E, PRINCIPALMENTE, DA OFERTA DE GRANDES EXCEDENTES DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA QUE SUSTENTARAM NOSSA ÂNCORA CAMBIAL VERDE.
    Se não houvesse um pequeno grupo que trabalhasse duro na produção de excedentes agrícolas com redução de custos não haveria alimento barato pardo plano cruzado que faalhou por falta de excedentes agrícolas. e o fome-zero.
    Lembrem-se das filas do feijão e da falta de carne no mercado?
    Ainda no ano passado, a mídia noticiou que a safra recorde de 2010 foi financiada em 80% por créditos do mercado financeiro de futuros e não por financiamento oficial.
    Estive em dezembro passado no Mato Grosso do Sul e QUASE TODA A SAFRA JÁ ESTAVA VENDIDA NO PLANTIO E NÃO FOI O GOVERNO QUE COMPROU.
    Financiamentos oficiais subsidiados sempre cairam na mão dos amigos do Rei e não na dos pequenos agricultores. Em 1986, em um estado do Centro-Oeste, 80% dos financiamentos agrícolas subsidiados foram dados não a agricultores mas, a poucas famílias de políticos “amigos do Rei”.

  2. PENSADOR disse:

    O AUMENTO DA FOME PODE SER, EM PARTE, PRODUTO DO FOSSO ENTRE RICOS E POBRES.
    No entanto esse fosso não é resultado somente das politicas de exclusão entre ricos e pobres mas também reflexo cultural da política agrícola de subsistência praticada por muitos povos na África e em outras partes do mundo. Embora os excessos da política de acumulação do mundo capitalista possam provocar escassês, também a política de subsistência pode gerar f omes nos ciclos de crises climáticas justamente pela falta de excedente de .produção.
    NO ENTANTO, É FALÁCIA QUE TODOS PODEM TOMAR O BARCO DO CONSUMO CAPITALISTA SEM MEXER NO MEIO AMBIENTE, SEM DESMATAMENTO PARA NOVAS FRONTEIRAS AGRÍCOLAS.
    A improdutividade cultural de alguns setores da sociedade não ppode ser simplesmente resolvida com doação de cestas básicas e terras “para plantar”.
    A NOSSA REFORMA AGRÁRIA DOOU QUASE O DOBRO DAS TERRAS QUE SÃO PLANTADAS EM GRÃOS PARA A REFORMA AGRÁRIA SOMENTE NO GOV LULA E NEM ASSIM, ESTRES SE TORNARAM INDEPENDENTES DA CARIDADE DAQUELES QUE TRABALHAM DURO PARA PRODUZIR.
    Os produtores brasileiros precisaram somente de 3,5% de nosso território(43 MI de Ha) para obtermos uma safra recorde de 156 MI de ton. de grãos. A reforma agrária recebeu quasee o dobro de terras(80 MI de Ha) .
    Metade destas terras da reforma agrária poderiam, FÁCILMENTE, dobrar nossa produção de grãos.
    No entanto, o que vemos é uma eterna assistencia financiada pela maioria de excluídos nas grandes cidades “ricas” mas com povo paupérrimo a sustentar uma minoria de pobres profissionais?
    SE JÁ TEM A TERRA MAIS QUE SUFICIENTE PARA PLANTAR, JÁ TEM AS MÁQUINAS, JÁ TEM AS CASAS GRATUITAS PARA MORAR, O QUE FALTA PARA QUE NÃO MAIS PRECISEM DA CARIDADE DAQUELES EXCLUÍDOS DAS GRANDES CIDADES QUE TRABALHAM DURO PARA SUSTENTÁ-LOS?
    É esta a fome-zero que propõem?

  3. dynisson disse:

    Excelente matéria. Gosto de lê as publicações jornalísticas do Diplômátique por suas qualidades inmensuráveis.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *