Transportes: por que se rejeita os VLTs

Rápidos e baratos, eles poderiam transformar mobilidade nas metrópoles. Porém, incomodam empreiteiras, frotas privadas de ônibus e obsessão pelo automóvel

 

.

Por Rogério Centofanti*

Ninguém parece se conformar com a evidência: trânsito e transporte na cidade de São Paulo (e em alguns de seus satélites) estão além do suportável, e não existem soluções à vista, exceto por meio de medidas radicais. Não sabendo pensar mobilidade além dos meios convencionais, ou por nos recusarmos a imaginar soluções que ameacem a desconfortável “zona de conforto”, ficamos reclamando em círculos.

Esquecemo-nos de que as soluções do passado converteram-se nos problemas do presente. O automóvel, enquanto saída individual e privada para os péssimos transportes coletivos (ruins em quantidade e qualidade), foi interessante até que milhões deles congestionassem ruas e avenidas, além de aumentar o custo das construções, pois a garagem tornou-se tão essencial como o dormitório.

As motos chegaram aos poucos, como solução igualmente individual e privada, econômica e prática para escapar do trânsito, e hoje fazem parte do problema, em especial no quesito segurança.

Para ajustar todo esse volume de pneus ampliaram-se ruas e avenidas, criaram-se túneis e viadutos, mas o volume do tráfego cresceu e cresce em proporção superior as obras. Reduziram-se as calçadas, impediu-se o estacionamento junto ao meio fio, mas não resolveu. Áreas que poderiam estar a serviço de construções de residências transformaram-se em estacionamentos privados, cujos preços são, proporcionalmente, mais caros do que dos aluguéis ou de estadas em hotéis.

Além de monopolizar os espaços públicos, os veículos sobre pneus poluem a atmosfera que respiramos e roubam o reconfortante silêncio desejado dos ambientes comuns. São esses subprodutos que fizeram do “minhocão” um símbolo de fracasso transformam o opção por túneis num caso perdido.

De que vale um carro possante, se a velocidade está limitada ao ritmo lento do trânsito? Com exceção do ar condicionado, os modernos automóveis equivalem, na operacionalidade, a um fusca 67. Automóveis movidos a células de hidrogênio resolverão os problemas de poluição atmosférica e sonora, mas os congestionamentos serão os mesmos. Isso também será verdadeiro para motos e ônibus movidos a energia limpa.

Aposta nas bicicletas é uma bandeira de valor emblemático mas, sabemos todos, não solução de massa. Ainda que se criassem ciclovias ou ruas exclusivas para bicicletas, é evidente que seriam inviáveis em distâncias consideráveis, em especial nos dias de chuva.

Como apelo extremo, mas para que as coisas fiquem como estão, fala-se em transferir residências para perto dos locais de trabalho, ou deles para perto das residências, como se isso fosse possível em uma sociedade movida pelo princípio do laissez faire econômico e social, e incentivador das iniciativas individuais como símbolo de liberdade –dentre elas, o próprio automóvel.

A proposta mais razoável é alterar os horários de trabalho por categorias, mas isso irá gerar imenso problema no arranjo econômico das atividades. Por esse motivo, a ideia nunca avança.

Anuncia-se a penalização do tráfego de automóveis pela adoção de pedágios urbanos, mas é uma proposta que prejudica exclusivamente os menos afortunados.

Para reduzir o impacto do custo direto e indireto do automóvel em suas economias, as pessoas migraram para os transportes coletivos e públicos – trens e metrô – e descobriram que são insuficientes e falhos.

Desnudados diante dessa evidência, governantes tentam empurrar a massa de usuários para os ônibus — coletivos, porém privados — o que devolve a tudo e a todos ao atoleiro dos pneus.

Em complemento ao metrô, cujo benefício cultural e econômico é transitar por debaixo da superfície e, nessa medida, em nada alterar a saga rodoviarista nas ruas e avenidas, surgiu o monotrilho, que transita acima da superfície, mas cuja eficiência é uma experiência a ser conhecida. Se de um lado atraiu atenções como mais um esforço para desafogar a cidade, trouxe consigo o estigma do “minhocão”, pois irá roubar a vista, a privacidade e o silêncio próximo de janelas de edifícios residenciais, não raro de luxo, criando um problema desta vez imobiliário.

As melhores saídas radicais que conheci no passado foram os “calçadões”. Não imagine o leitor que foi fácil decidir por eles. Comerciantes gritaram, pois teriam problemas com carga e descarga de mercadorias. Compradores gritaram, pois não teriam como estacionar seus carros na porta das lojas. Depois da gritaria generalizada, comerciantes encontraram soluções para abastecimento, assim como usuários de automóveis. Hoje, é pouco provável que comerciantes e consumidores aceitem que as coisas voltem a ser como eram. Os calçadões devolveram o espaço público totalmente ao uso público, isto é, para os pedestres.

Evidente, entretanto, que não se pode imaginar a mobilidade nas grandes cidades com base nos pés. Se questionável com as bicicletas, o que dizer com os pés.

Parece que a situação pode ser colocada, ainda que de forma difusa, da seguinte forma: 1) asfalto demais e calçadas de menos; 2) individual demais e coletivo de menos; 3) privado demais e público de menos.

Transporte público e coletivo com grande e média capacidade de transporte é o que caminha sobre trilhos: trens, metrô e monotrilho — todos com a imensa vantagem de fazer uso de energia limpa. Trens e metrô têm vocação estruturadora – grande capacidade; monotrilho é, digamos, “capilar”, de média capacidade. Todos os três são segregados, isto é, caminham em vias próprias, sem cruzamentos, o que os torna velozes quando comparados aos “carrões” parados nos congestionamentos, inclusive os ônibus.

Ninguém, entretanto, fala em VLT – Veículo Leve sobre Trilhos -, e muito menos em seus diferentes modelos e capacidades. Justamente ele, o mais barato da família dos trilhos, igualmente ecológico, pois movido por energia elétrica, nem mesmo é cogitado. Motivo? Disputaria com automóveis, carros e ônibus o espaço público das ruas e avenidas. A rigor, nem mesmo disputaria, pois o ideal é que a escolha fosse VLT ou os demais sobre pneus. Nisso ninguém quer pensar, e tampouco discutir.

Nem mesmo se fala neles ocupando linha própria e paralela à dos trens, no mesmo leito, servindo os usuários que se deslocam entre estações próximas, e assim desafogando os próprios trens. Sequer essa possibilidade é discutida. VLT está fora do foco das atenções dos governos (estado e municípios), de gestores de empresas de transporte público, e dos inúmeros “especialistas” que voltam a apostas nos corredores de ônibus. Corredores de VLTs? Nem pensar.

Afinal, qual é o problema do VLT, para se tornar o patinho feio na família dos transportes sobre trilho? É barato demais para atrair interesses? Roubará espaço físico e financeiro das empresas de ônibus?

Ele seria uma boa solução para as regiões centrais – em especial nas extensas avenidas de comércios e serviços, ocupando espaço público hoje a serviço de carros e ônibus, permitindo o alargamento das calçadas para uso humano. Aliás, isso é igualmente verdadeiro para boa parte das longas avenidas que servem os bairros.

Por que ninguém fala nisso? Pouca gente sabe, mas em 1916 a cidade de São Paulo tinha 227 km de trilhos urbanos, e na superfície. Que tal recuperar ao menos parte desse número?

Não se faz omelete sem quebrar ovos.

*Rogério Centofanti é consultor do Sindicato dos Ferroviários da Alta Sorocabana-SP e editor do site São Paulo Trem Jeito

Leia Também:

8 comentários para "Transportes: por que se rejeita os VLTs"

  1. Bem, Marli, desse problema nada escapa em nosso País. De VLT a farinha para merenda escolar. Talvez não se interessem por ele justamente por dificultar conversas em torno de bilhões, como é o caso de metrô (sem contar TAV). De qualquer maneira, continuo dizendo que é uma boa alternativa complementar. Grato pela leitura e pelo comentário.

  2. Marli Vituri disse:

    Esse tipo de transporte VLT tem alguns problemas para o nosso País, um deles é a dificuldade na superfaturação com a mão de obra, pois é pequena e de baixo custo financeiro. Enfim é uma forma de corrupção de baixo retorno para "nossos politicos m@l@ndros."

  3. Boa tarde Antony.
    Por que é relativamente barato, e porque conflita com interesses dos empresários de ônibus, que financiam campanhas. Simples.
    Olá, Anônimo.
    Interessante, no caso dos transportes na cidade de São Paulo, é que a solução do presente já estava posta no passado. Bem, jogaram tudo no lixo, e agora devem ficar até mesmo constrangidos para reativar.

  4. Anônimo disse:

    Na Europa os bondes são comuns e são super práticos. Tb tive a oportunidade de utilizá-los em Amsterdã, Munique, Augsburgo, Praga e Viena.Na Alemanha, toda cidade de tamanho médio tem VLT. Em SP os VLTS são necessários na cidade de São Paulo, no grande ABC e em municípios como Campinas e Osasco. Não existe outra saída, principalmente pra cidade de São Paulo. No entanto não vemos NENHUM político falar sobre a volta dos bondes, sequer os mais progressistas. Ninguém quer propor o que é extremamente necessário para o transporte coletivo. Trem, metrô e ônibus não bastam, o bonde é a solução perfeita pra falta que o transporte público tradicional não pode suprir.
    Legal ver esse artigo por aqui! Bom para rever conceitos sobre transporte público, para irradiar uma nova concepção de coletivos.

  5. Por que nossos administradores não pensam nessa idéia do VLT???

  6. Use e abuse, Luiz Carlos. Em nome do Sinferp fico grato. Precisamos colocar essa discussão na pauta do dia, ao menos entre pessoas que compartilham dessa mesma visão.
    Só aqui ainda não descobriram, Luiz Augusto.
    Grato a ambos pelos gentis comentários.

  7. Tive oportunidade de ver e utilizar VTLT (ou bondes), nesse 2012 e no ano passado em Haya, Amsterdã, Praga, Viena, Roma. São ótimos, rápidos, baratos (mesmo preço dos metrôs e ônibus). A geração mais moderna deles experimentei em Amsterdã: são mais silenciosos, têm cobradores — você lida com pessoas — e funcionam como elevador. Você entra e digita sua parada e ele para. São Paulo também teve ótimos bondes. Mas quando a Mercedes Benz decidiu monopolizar o transporte de passageiros no país (com ajuda de péssimos brasileiros), encheram as cidades e de caminhões encarroçados, desmontaram as ferrovias. Bondes, ou VTLTs, ficou sendo coisa de país atrasado, como Holanda, Alemanha, Áustria, Itália, Tcheca, que também tem metrô e ônibus. Mas, quem sabe, se derem uma boa propina para os políticos, quem sabe se eles não trazem de volta os bondes. O famoso 20%, ou 30%, questão de arreglar…

  8. Bom Di@ Rogerio Centofanti!
    Estarei encaminhando seu texto para o grupo de discussão sobre Mobilidaee pra o Clube de Engenharia no Rio de Janeiro.
    Atc.,
    Luiz Carlos Ramos Cruz. Tels:21) 9224 1958 / 25771030.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *