Terror: o Ocidente prepara a pior resposta

Evitar novos atentados exigiria enfrentar o ISIS, em coordenação com Rússia. Mas governantes parecem preferir duas políticas ineficazes: militarização e vigilância

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Por Patrick Cockburn | Tradução: Inês Castilho

O “Estado Islâmico” (ISIS) ficará satisfeito com o resultado do seu ataque em Paris. Mostrou que pode retaliar com a usual selvageria um país que está bombardeando seu território, e é um poder a ser temido num momento em que está sob séria pressão militar. Bastou a ação de oito homens-bombas e atiradores suicidas do grupo para que este dominasse a agenda da mídia internacional por muito tempo.

Não há muito que possa ser feito a respeito. As pessoas estão compreensivelmente ansiosas para saber se serão metralhadas na próxima vez que se sentarem num restaurante ou assistirem a um concerto em Paris ou Londres. Mas o tom apocalíptico da cobertura de imprensa é exagerado: a violência vivida até agora em Paris não é comparável à de Belfast e Beirute nos anos 1970 ou à de Damasco e Bagdá, hoje. Ao contrário do que a cobertura hiperbólica da TV tenta mostrar, o choque de viver numa cidade bombardeada passa logo. As previsões de Paris amedrontada para sempre, na expectativa de outro ataque, jogam água no moinho do ISIS.

Outra desvantagem decorre da retórica exagerada sobre o massacre: ao invés de as atrocidades servirem como incentivo para ação efetiva, palavras iradas substituem políticas reais. Depois dos assassinatos no Charlie Hebdo, em janeiro, 40 líderes mundial marcharam de braços dados pelas ruas de Paris proclamando, entre outras coisas, que dariam prioridade à derrota do ISIS e seus equivalentes da al-Qaeda.

Mas, na prática, não fizeram nada parecido. Quando as forças do ISIS atacaram Palmira no leste da Síria, em maio, os EUA não lançaram ataques aéreos contra elas porque a cidade era defendida pelo exército sírio e Washington tinha medo de ser acusado de manter o presidente Bashar al-Assad no poder.

Na verdade, os EUA entregaram ao ISIS um trunfo militar, que o grupo usou prontamente para tomar Palmira, decapitar soldados sírios capturados e explodir antigas ruínas.

O presidente turco Recep Tayyip Erdogan disse na reunião do G20, na Turquia, que “o tempo para conversas acabou” e é preciso haver ação coletiva contra o “terrorismo”. Soa como uma afirmação impressionante da Turquia contra o ISIS, mas Erdogan explicou que sua definição de “terrorista” é ampla e inclui os curdos sírios e sua guerrilha YPG (Unidades de Proteção Popular), considerada pelos EUA a melhor aliada militar contra o ISIS.

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O entusiasmo de Erdogan para atacar insurgentes curdos na Turquia e no norte do Iraque mostrou-se muito mais forte que seu desejo de atacar o ISIS, o Jabhat al-Nusra e o Ahrar al-Sham.

Há poucos sinais de que os líderes do G20, reunidos na Turquia, tenham entendido a natureza do conflito no qual estão envolvidos. A estratégia militar do ISIS é uma combinação única de terrorismo urbano, tática de guerrilha e guerra convencional. No passado, vários Estados usaram terrorismo contra seus opositores, mas, no caso do ISIS, sua estratégia de guerra é toda baseada em esquadrões suicidas com foco em alvos civis leves, em seu país e no exterior.

Quando o YPG tomou a passagem fronteiriça do ISIS, que cruzava para a Turquia em Tal Abyad, em junho, o grupo retaliou enviando soldados disfarçados à cidade curda de Kobani, onde massacraram mais de 220 homens, mulheres e crianças.

Quando a Rússia começou sua campanha aérea contra o ISIS e outros jihadistas extremistas, em 30 de setembro, o grupo respondeu plantando uma bomba num avião russo que deixava Sharm el-Sheikh, e matou 224 passageiros.

Outro erro cometido pelos líderes do G20 é subestimar insistentemente o ISIS. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, disse que o grupo não deveria ser chamado pelo nome “Estado Islâmico”, mas infelizmente ele é de fato um Estado, e mais poderoso que metade dos membros das Nações Unidas – com um exército experiente, serviço militar obrigatório, tributação e controle de todos os aspectos da vida das pessoas na vasta área que domina.

Enquanto existir, irá projetar seu poder por meio de operações suicidas como as que acabamos de ver em Paris. Como o alvo potencial é a população civil como um todo, nenhuma ampliação das medidas de controle e das medidas de segurança será efetiva. O homem-bomba sempre passará.

A única solução real é a destruição do ISIS: isso poder ser feito apenas por meio de uma ação dos EUA e da Rússia, em parceria com aqueles que estão de fato lutando contra o grupo em terra.

A Força Aérea norte-americana agiu muito efetivamente com o YPG, habilitando-o a derrotar o ISIS em Kobani, e com a Peshmerga curdo-iraquiana, que capturou a cidade de Sinjar na semana passada. Mas os EUA resistem a atacar o ISIS quando este luta contra o exército sírio ou as milícias xiitas no Iraque. Como estas são as duas formações militares mais fortes envolvidas no combate ao ISIS, a força militar dos EUA está sendo retirada de onde seria mais efetiva.

Diante da simpatia internacional pelos franceses após o massacre em Paris, é inevitável que não haja quase nenhuma crítica à política “durona” da França em relação ao conflito sírio.

Há alguns meses, numa entrevista a Aron Lund, da Fundação Carnegie para a Paz Internacional (Carnegie Endowment for International Peace), um dos maiores especialistas franceses na Síria, Fabrice Balanche, atualmente no Instituto Washington para Política no Oriente Médio, contou que “em 2011-2012 sofremos uma espécie de macartismo intelectual na questão síria: se você dissesse que Assad não cairia em três meses, poderia tornar-se suspeito de estar sendo pago pelo regime sírio”.

Ele observou que o ministro das Relações Exteriores da França assumiu a causa da oposição síria, enquanto a mídia insistia em ver a revolta síria como a continuidade das revoluções na Tunísia e no Egito. Estavam cegos para as divisões políticas, sociais e entre seitas que marcam o país.

Como a burocracia estatal, a maior parte do exército e os serviços de segurança estão firmes com os alauítas, é quase impossível livrar-se de Assad e seu regime – cujos líderes vêm desta comunidade – sem que o Estado entre em colapso, deixando um vácuo que será preenchido pelo ISIS e seus pares da Al-Qaeda.

A despeito dos últimos ataques terroristas, ainda não há política de longo prazo para evitar que venham a acontecer novamente.

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9 comentários para "Terror: o Ocidente prepara a pior resposta"

  1. Alexandre disse:

    Fernando, não vou comentar as ligações que fez entre capitalismo, medo e etc. Achei-as fracas e sem sentido, com todo o respeito. Mas foi curioso você citar a natureza humana, pois é justamente ela que torna o socialismo impossível – ao menos como sistema democrático -, com farta evidência empírica até o momento (mas lembrando que a teoria já demonstrava sua impossibilidade, pelo menos desde Ação Humana. O que restou foi só um conjunto de devaneios que não pode ser sequer colocado num papel sem que sejam impugnados um a um. Lamento, mas o que temos aí é o capitalismo mesmo, com suas virtudes e defeitos, e do qual todos nós participamos diariamente, comprando e vendendo, trabalhando e empregando. O capitalismo bem regulado é o que há. E lembre-se: ele já foi muito mais “selvagem”.

  2. FERNANDO disse:

    Com a direita perdendo poder no cenário internacional; está foi a medida encontrada para amedrontar os povos para dentro de suas casas e voltarem ao individualismo típico do capital. Aumentando policiamento, como fazem aqui no Brasil com a PM. Ou seja, querem implantar algo a revelia da população e em benefício dos barões do capital. Querem que o povo faça como os capitalistas gananciosos, criem muros, preconceitos, divisões… É a tática tipica do capital! POrque acham que a polícia nos EUA receberam ordens para discriminar negros? Tudo tem um motivo neste mundo. O medo é a moeda do capital. Se o capital tivesse uma moeda seria o medo que implanta nas pessoas para que elas sigam suas políticas e se tranquem dentro de casa com medo do mundo. O socialismo não é uma política mas uma natureza humana, somos feitos para nos ajudarmos e nos desenvolvermos em conjunto. O capital utiliza do medo para frear isso e nos levar ao individualismo capitalista que para os barões do capital é aquilo que os mantém no poder. POr isso que Cuba transformou-se em ameaça terrorista para os barões do capital. Pois se a moda pega, o capital e o egoísmo finalmente perderiam o poder e seriamos um grande planeta.

  3. Alexandre disse:

    O discurso do oprimido e ou da pobreza para explicar, quando não justificar!, os atentados não para em pé. Perguntem-se por que um congolês ou um indiano, por exemplo, não estão explodindo bombas na Europa;

  4. fernando disse:

    Quer ver a Rússia acabar com os principais grupos terroristas engravatados pelo mundo? Fazer uma lista sobre todos os grupos que forneceram dinheiro e armamentos, direta e indiretamente, para os grupos terroristas na Síria e levar para as principais cortes e organismos de combate a corrupção e violência do planeta. Processar todos os grupos e países que forneceram dinheiro e armamentos, direta e indiretamente, para os grupos terroristas na Síria e que recebem dinheiro destes grupos terroristas. Vamos ver se o mundo fechará os olhos para tudo isso! Embora tenha poucos e influentes corruptos engravatados pelo mundo, há muitos altruístas e que também podem ser influentes pelo mundo todo.

  5. A escola deveria ensinar empatia, ética, valores humanos, solidariedade, coisas que nos tornassem seres humanos melhores. O fundamento das religiões é filosofia, sabedoria, e isso deveria ser ensinado. Mas não como religião, que precisa de fé. Mas as bases da sobrevivência com amor e as vantagens de a espécie humana se organizar através do amor. A gente aprende na escola, hoje, e ontem, a competir, competir e rivalizar, passar o coleguinha pra trás, etc. Só sacanagem. Aí nos damos mal e temos de aprender, com a vida, que não é por aí pra ser feliz. Cansaço de tanta estupidez!

  6. marcio ramos disse:

    … não entendo muito disso ai mas quando leio a palavra terrorista lembro da palavra vingança. Ninguém vai apanhar sem revidar…

  7. Arthur Araujo disse:

    Ainda a respeito desse assunto: imaginem se o atentado de sexta-feira houvesse ocorrido em alguma cidade dos Estados Unidos. Certamente a comoção plantada pela mídia seria ainda muito maior, sem jamais levantar, ainda que levemente o fato de que o Estado Islâmico e outros grupos semelhantes surgiram e cresceram graças às criminosas intervenções ianques no Oriente Médio.

  8. Arthur Araujo disse:

    Apesar de ser lamentável a morte de muitas pessoas que nada tinham a ver com os equívocos da política externa praticada pelo governo francês, cabe uma pergunta: todos os dias centenas de pessoas estão sendo mortas pelas forças do Estado Islâmico no Oriente Médio. Duas semanas atrás um avião de passageiros russo foi derrubado em um atentado ao que tudo indica praticado pelo EI, matando quase o dobro de pessoas que foram vitimadas em Paris, e no dia anterior ao atentado de Paris quarenta pessoas foram mortas no Libano em ato reivindicado pelo EI. Algum desses fatos foi alvo de grandes destaques pela chamada mídia grande sendo capaz de despertar a comoção da opinião pública mundial ? Ou será que essa comoção se deve ao fato de que os atentados de sexta-feira ocorreram em uma grande cidade do chamado “primeiro mundo civilizado”? Parece que cada vez mais o que se busca através da midia ocidental é tentar consolidar a ideia de que o pĺaneta é dividido entre “civilizados” e “não civilizados”. Mas, se isso for verdade, quem serão uns e quem serão outros ?

  9. Sou solidária à França, aos franceses, às vítimas do terrorismo, mas também às vítimas terroristas, a todas as vítimas excluídas que nós, como sociedade, produzimos, num esquema desumano que se retroalimenta autofagicamente. Mais eficiente do que afugentar refugiados sírios de suas fronteiras, os países ricos teriam de entender o que há no discurso radical terrorista que ganha os corações, principalmente, da juventude. Alguns argumentos terroristas procedem. Essas pessoas – fora os psicopatas, claro – vieram de redutos de guerras, viram suas vidas serem dilaceradas, seus familiares serem covardemente assassinados e muitos perderam sua humanidade. Eles estão desumanos, mas nós, não! Os países ricos, inclusive a França, patrocinam rebeldes contra governos que não lhes interessam, assim como sustentam governos que lhes interessam. Repartiram covardemente a África toda, de modo geométrico, tiraram riquezas e deixaram o pau comer depois! Especialistas em guerras dizem que o Estado Islâmico é composto pelos antigos soldados de Saddam. Sim, Saddam, que, antes de ser assassinado pelos EUA, foi patrocinado pelos EUA, na guerra Irã x Iraque. Tudo por dinheiro, no caso, petróleo. Com a Al Qaeda, do Bin Laden, foi a mesma coisa. Seus rebeldes foram patrocinados pelos EUA no Afeganistão, quando lutavam contra a Rússia. Na Síria, os EUA jogam armas (por aviões) no território dos rebeldes que lutam contra o Presidente assassino Bashar Al Assad (que uma vez jogou veneno contra a população civil da Síria). E a Rússia sustenta o Bashar no poder. Os palestinos que sobraram – pois há ali uma limpeza étnica feita por Israel há anos – vivem refugiados em seu próprio território, sob ataque diuturno israelense, patrocinado pelos EUA e comunidade internacional (vide filme extraordinário https://www.youtube.com/user/Occupation101
    Portanto, a guerra que hoje vemos é instigada e patrocinada pelas nações com poderio bélico. As populações civis são assassinadas e humilhadas e, logicamente, ficam revoltadas, desumanizadas, desesperam-se e agarram-se à vingança, ao terrorismo. Não é o caso de achar que tem de fazer isso mesmo, mas o de entender o mecanismo da coisa. Vivemos isso com a miséria. O ser humano pode se tornar desumano com ela e não dar mais valor à vida de ninguém e sair tocando o terror geral. Faz parte de ser humano ser desumano. Parte da solução seria encontrada se aprendêssemos que o bombardeio tem de ser de educação, saúde, saneamento básico, água potável, alimento. Toda essa exclusão é burra e sem noção, assassina e suicida. Ninguém vai ser excluído e ficar por isso mesmo. Temos de incluir todos, principalmente por humanidade, mas também porque muitos excluídos se vingam.
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