Sobre o desenvolvimento chinês (IV)

China está tornando-se um líder global em inovação tecnológica. Como nos EUA, há setenta anos, avanço apoia-se na pesquisa militar

Submarino de exploração Jialong, da marinha chinesa: há um ano, ele submergiu 7015m abaixo do nível do mar, na Fossa das Marianas

Submarino de exploração Jialong, da marinha chinesa: há um ano, ele submergiu 7015m abaixo do nível do mar, na Fossa das Marianas

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Por José Luís Fiori*

“As happened with other great powers,

China seems to be following a technological road

where the search for modern defense systems constitutes a primum mobile

for national scientific endeavors and modern technologies”.

N. Trebat e C. A. Medeiros  [1]

 

(Ensaio sobre o Desenvolvimento Chinês. Leia aqui o primeiro, o segundo e o terceiro segmentos)

É visível, a olho nu, que a liderança da inovação tecnológica concentra-se nos países com maior poder dentro do sistema internacional. E que os países que ocupam posições inferiores acessam as tecnologias de “ponta”, através da cópia, da importação ou de pequenas adaptações incrementais, mediante pagamento de “direitos de propriedade intelectual”. Por isto, invariavelmente, os países que se propõe mudar sua posição dentro da hierarquia internacional também mudam, em algum momento, seu sistema de pesquisa e inovação. Como vem acontecendo com a China, segundo estudo recente dos professores N. Trebat e C. Medeiros, que demonstra que os chineses estão deixando para trás a “cópia tecnológica”, e estão se aproximando rapidamente do modelo norte-americano, onde o “sistema de defesa” do país ocupa um lugar central no seu “sistema de inovação”.

Nos EUA, a mudança acelerou-se durante a II Guerra Mundial, com a criação do Conselho Nacional de Psquisa para a Defesa (National Defense Research Council, NDRC). Ele foi responsável pelo projeto Manhattan, pela criação da primeira bomba atômica e pela reorganização da pesquisa cientifica dentro das universidades e das empresas privadas, reunidas dentro de um mesmo “complexo-militar–industrial-acadêmico” de pesquisa e inovação, orientado pela competição militar com a União Soviética. Donde se possa dizer, hoje, que a Guerra Fria foi responsável – em última instancia — pelos principais avanços tecnológicos norte-americanos da segunda metade do século XX, no campo aeroespacial e da energia nuclear, da computação, das fibras óticas e dos transístores, assim como da química, da genética e da biotecnologia.

Em todos estes setores, a estratégia de defesa americana funcionou como primeiro motor na criação das tecnologias “duais” que revolucionaram a economia mundial. Hoje, a “Agencia de Projetos Avançados de Pesquisa em Defesa” (DARPA) — que responde ao Departamento de Defesa dos EUA — conta com um orçamento de mais de 3 bilhões de dólares, e financia investigações em todo e qualquer setor considerado estratégico para a segurança americana, independente do seu objeto específico, bastando se propor “inovações radicais” na fronteira do conhecimento humano.

No caso chinês, a inflexão começou nos anos 90, depois da Guerra do Golfo, quando a China reconheceu a necessidade de modernizar seu sistema de defesa e mudou o rumo da sua pesquisa científica e tecnológica, adotando progressivamente o modelo americano de integração da academia com o setor publico e privado, na produção de “tecnologias duais” capazes de dinamizar, ao mesmo tempo, a economia civil chinesa. O passo inicial fora dado, ainda na década de 80, com a criação da “Comissão de Ciência, Tecnologia e Indústria, para a Defesa Nacional”, mas o verdadeiro salto aconteceu depois de 1990, quando foi criado o “Programa 863” de financiamento à pesquisa de “ponta”, e depois de 2001, quando foi lançado o “Projeto de Segurança Estatal 998”, com objetivo explícito de desenvolver a capacidade chinesa de contenção das forças norte-americanas no Mar do Sul da China.

Entre 1991 e 2001, o gasto militar chinês cresceu 5% ao ano, e entre 2001 e 2010, 13%. Hoje, a China possui o segundo maior orçamento militar do mundo, mas o que importa, neste caso, é que os gastos com a “defesa” já alcançam cerca de 30% de todo o gasto governamental com pesquisa e inovação, e foram os grandes responsáveis pelo avanço dos chineses, nos últimos anos, na microeletrônica, computação, telecomunicação, energia nuclear, biotecnologia, química, e no campo aeroespacial. Mais recentemente, o “Plano de Desenvolvimento Nacional Científico e Tecnológico de Médio e Longo Prazo”, para o período entre 2006 e 2020, aumentou a tônica no desenvolvimento das tecnologias “duais”, e na importância da conquista da autonomia militar da China.

E apesar de que os chineses sigam utilizando tecnologias importadas, a verdade é que eles obtiveram avanços notáveis nestas últimas duas décadas. Neste sentido, o novo caminho tecnológico da China parece reforçar uma verdade antiga e obliterada sistematicamente, pela “ciência econômica”: que o ritmo e liderança da pesquisa e inovação de “ponta”, nos países que lideram a hierarquia internacional, não são determinados pelas forças de mercado. Nestes casos — e cada vez mais — as grandes inovações vieram de sua estratégia de defesa e de sua permanente “preparação para a guerra”. Goste-se ou não, foi sempre assim, e ainda mais no caso dos estados nacionais que criaram e lideraram, ou lutaram pela liderança do sistema interestatal capitalista, através do séculos.

José Luís Fiori é professor titular de Economia Política Internacional da UFRJ, é Coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ, “O poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”, www.poderglobal.net. O último livro publicado pelo autor, O Poder Global, editora Boitempo, pode ser encontrado em nossa loja virtual. O acervo de seus textos publicados em Outras Palavras, está aqui.

[1] “Assim como ocorreu com outras grande potências, a China parece estar seguindo um caminho tecnológico em que a busca de modernos sistemas de defesa constitui um impulso especial para os esforços nacionais em ciência e modernas tecnologias”. N. Trebat e C. A. Medeiros, “Military modernization in Chinese Technical Progress and Industrial Innovation”, paper, “World Keynhes Conference”, Izmair Economics University, junho de 2013.

 

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