Situacionismo, 60 anos

Pistas para compreender o movimento anticapitalista fundado por Guy Debord, influente em 1968 e que ousou propor a “reaparição do movimento revolucionário moderno”

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Da esquerda para a direita, os fundadores da IS em Cosio di Arroscia (Itália): Giuseppe Pinot Gallizio, Piero Simondo, Elena Verrone, Michele Bernstein, Guy Debord, Asger Jorn e Walter Olmo.

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Pistas para compreender o movimento anticapitalista fundado entre outros por Guy Debord, influente em 1968 e que ousou propor a “reaparição do movimento revolucionário moderno

Por Erick Quintas Corrêa1

No dia 27 de julho de 1957, há sessenta anos, a Internacional Situacionista (IS) era fundada na província italiana de Cosio di Arroscia, por alguns intelectuais e artistas de diferentes grupos de vanguarda da Europa.

Em seu Prefácio de 1979 à quarta edição italiana de A sociedade do espetáculo, Guy Debord (1931-94), o mais influente membro da organização, realiza uma síntese de seu próprio percurso, indissociável do desenvolvimento que o levaria do letrismo de Isidore Isou, no início dos anos 1950, à fundação da Internacional Letrista (1952-57) e, posteriormente, da Internacional Situacionista (IS – 1957-72)

Em 1952, quatro ou cinco pessoas pouco recomendáveis de Paris decidiram investigar a superação da arte. Por feliz consequência da marcha ousada nessa direção, as velhas linhas de defesa que haviam barrado as ofensivas anteriores estavam descontroladas e corrompidas. Surgiu assim a ocasião de se tentar mais uma. Essa superação da arte é a ‘marcha para noroeste’ da geografia da verdadeira vida, que tantas vezes fora buscada durante mais de um século, sobretudo a partir da autodestruição da poesia moderna. As tentativas anteriores, em que tantos exploradores se perderam, nunca tinham chegado diretamente a essa perspectiva. Talvez porque ainda lhes faltasse devastar alguma coisa da velha província artística, e sobretudo porque a bandeira das revoluções parecia manejada anteriormente por outras mãos, mais experientes. Mas, além disso, nunca essa causa havia sofrido derrota tão completa nem havia deixado o campo de batalha tão vazio, como no momento em que viemos ocupá-lo” (1997, p. 152).

Os doze números da revista Internationale Situationniste publicada entre 1958 e 1969 pela organização homônima fundada em 1957 e dissolvida em 1972.

Os doze números da revista “Internationale Situationniste” publicada entre 1958 e 1969 pela organização homônima fundada em 1957 e dissolvida em 1972.

O termo “situacionista” aparece pela primeira vez em novembro de 1956, em um ensaio do então Guy-Ernest Debord (aos vinte e cinco anos) chamado “Teoria da deriva”, publicado no nono número da revista pós-surrealista belga Les Lèvres Nues e, mais tarde, republicado no segundo número da revista da IS: “Entre os diversos procedimentos situacionistas, a deriva se define como uma técnica de passagem veloz através de ambiências variadas” ([1958] 1997, p. 51). Segundo advertem os próprios situacionistas em 1964, o termo “exprime exatamente o contrário daquilo a que, em português, se chama […] um partidário da situação existente” (1997, p. 388).

É curioso notar como o termo “situacionista” também ganharia em língua portuguesa outro sentido, agora oriundo do universo artístico de vanguarda, na obra do brasileiro Hélio Oiticica:

Nessa fase da arte na situação, de arte antiarte, de ‘arte pós-moderna’ […] os valores propriamente plásticos tendem a ser absorvidos na plasticidade das estruturas perceptivas e situacionistas” (PEDROSA, [1965] 1986, p. 9. Grifos nossos). Entretanto, para os situacionistas, os happenings e performances artísticas apresentavam-se senão como imagem invertida da construção de situações perseguida pela IS: “Falamos de recuperação do jogo livre, quando ele é isolado no único terreno da dissolução artística vivida” ([1963] 1997, p. 316).

Nas Teses sobre a Internacional Situacionista e seu tempo (1972), publicadas após o refluxo gerado pela derrota da greve geral com ocupações de fábricas e universidades de maio-junho de 1968, Debord e Sanguinetti (os últimos remanescentes da organização), realizam um balanço histórico da experiência situacionista, no momento de sua autodissolução: “o que chamam de ‘ideias situacionistas’ nada mais são do que as primeiras ideias do período de reaparição do movimento revolucionário moderno. O que é radicalmente novo nelas corresponde precisamente às novas características da sociedade de classes, ao desenvolvimento real de suas conquistas passageiras, de suas contradições, de sua opressão […] é evidentemente o pensamento revolucionário nascido nos dois últimos séculos, o pensamento da história, restaurado nas atuais condições como em sua casa; não ‘revisado’ a partir de suas próprias posições antigas legadas como um problema aos ideólogos, mas transformada pela história atual. A IS teve sucesso simplesmente na medida em que exprimiu ‘o movimento real que suprime as condições existentes’ e que soube exprimí-lo” (2006, p. 1088-9).

Referências

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo; Prefácio à 4ª edição italiana de A sociedade do espetáculo; Comentários sobre A sociedade do espetáculo [1967, 1979, 1988]. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

______. Œuvres. Paris: Gallimard, 2006.

PEDROSA, Mário. “Arte ambiental, arte pós-moderna, Hélio Oiticica”. In: OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.

SITUATIONNISTE, International. Internationale Situationniste (1958-1969). Texte intégral des 12 numéros de la révue. Paris: Fayard, 1997.

1Erick Quintas Corrêa é autor de uma dissertação de mestrado em Ciências Sociais (UNESP/FCLAr, com apoio do CNPq) intitulada Guy Debord: Crítica e crise da sociedade do espetáculo (2017).

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