Rio+20: Economia Verde ou Economia Solidária?

Ignacio Ramonet vê planeta dividido entre ultra-capitalismo predador e alternativa baseada em bens comuns, bem-viver, consumo responsável e segurança alimentar

 

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Por Ignacio Ramonet | Tradução: Antonio Martins

O Brasil acolherá no Rio de Janeiro, de 20 a 22 de junho, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, chamada também “Rio+20” porque se reunirá duas décadas depois da primeira grande Cúpula da Terra, de 1992. Participarão mais de 80 chefes de Estado. As discussões estarão centradas em torno de dois temas principais: 1) uma “economia verde” no contesto do desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza; e 2) o marco institucional para o desenvolvimento sustentável. Em paralelo ao evento oficial, também se reunirá a Cúpula dos Povos, que congrega movimentos sociais e ambientalistas do mundo.

As questões ambientais e os desafios da mudança climática continuam constituindo grandes urgências da agenda internacional [1]. Mas esta ralidade é ocultada, na Europa e em outras partes do mundo, pela gravidade da crise econômica e financeira. É normal.

A eurozona atravessa um de seus momentos mais difíceis, em razão do fracasso clamoroso das políticas de “austeridade radical”. A recessão instalou-se em várias economias, com desemprego em alta e tensões financeiras dramáticas. A Espanha, em particular, vive os momentos mais preocupantes desde 2008, quando Lehman Brothers. Tornou-se, após a Grécia, o “elo frágil” do euro. Os capitais fugem em massa. O “prêmio de risco” (margem extra que os credores exigem, para continuar emprestando ao país) atingiu os níveis mais elevados desde da criação da moeda única, e ameaça obrigar Madri a requerer (como a Grécia, Irlanda e Portugal) ajuda externa. Ampliam-se os temores sobre a saúde do sistema bancário, em especial, após a escandalosa quebra-nacionalização do Bankia, quarto grupo financeiro do país em volume de ativos.

O pessimismo espraia-se na Europa. O Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman jogou lenha na fogueira no mês passado, quando avisou [2] ser “muito possível” que a Grécia abandone e euro no decorrer de junho… Uma saída de Atenas da moeda única europeia teria como consequência imediata a fuga de capitais de outros países ameaçados (Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, Bélgica) e uma corrida maciça dos depositantes contra os bancos, para sacar seus depósitos. Segundo Krugman, não é impossível que, para evitá-la, países como a Espanha e a Itália decretem – como a Argentina em 2001 – um corralito [3], limitação forçada do volume de dinheiro que os depositantes podem retirar de suas próprias contas.

O euro resistirá? Entrará em colapso? Estas questões preocupam, em todo o mundo, milhões de cidadãos, que seguem com grande expectativa o calendário eleitoral europeu. Em 10 e 17 de junho, haverá eleições legislativas na França; em 17 de junho, eleições para o Parlamento e para formar um novo governo na Grécia. E a Cúpula de Bruxelas, em 28 e 29 de junho, decidirá por fim se a União Europeia segue a rota alemã de austeridade até a morte ou se opta pela via francesa de crescimento e recuperação. É uma dilema vital.

Apesar de dramáticas, estas questões não devem ocultar que, em escala planetária, há outros dilemas, não menos decisivos. O primeiro deles é o desastre climático que estará em pauta no Rio de janeiro. Vale lembrar que, em 2010, o desastre climático foi a causa de 90% das catástrofes naturais, que causaram a morte de cerca de 300 mil pessoas, e perdas econômicas superiores a 250 bilhões de reais.

Outra contradição: na Europa, os cidadãos reclamam, com razão, mais crescimento para sair da crise. Mas no Rio, os movimentos sociais e ambientalistas advertirão que o crescimento – se não é sustentável – significa maior devastação do meio-ambiente e maior risco de esgotamento dos limitados recursos do planeta.

Os dirigentes mundiais, assim como milhares de representantes de governos empresas privadas, ONGs, movimentos sociais e outros grupos da sociedade civil irão se reunir, no Rio, precisamente para definir uma agenda global que garanta a proteção sustentável do ambiente – e também para reduzir a pobreza e promover a igualdade social. O debate central se dará entre o conceito de “economia verde”, defendido pelos porta-vozes do neoliberalismo, e o de “economia solidária”, sustentada por movimentos para os quais não haverá preservação ambiental sem a superação do modelo atual de “desenvolvimento predatório”, baseado na acumulação privada de riquezas.

Os países ricos vão ao Rio para difundir, como proposta principal, a da “economia verde”. É um conceito-cilada, que se limita, na maioria das vezes, a designar uma simples camuflagem verde da economia pura e dura de sempre. Um “esverdeamento”, em suma, do capitalismo especulativo. Tais países desejam que a Conferência Rio+20 lhes outorgue um mandato das Nações Unidas para começar a definir, em escala planetária, uma série de indicadores para avaliar economicamente as diferentes funções da natureza, e criar deste modo as bases para um mercado mundial de serviços ambientais.

Esta “economia verde” deseja não apenas a mercantilização dos aspectos materiais da natureza, mas a própria transformação em mercadoria dos processos e funções naturais. Em outras palavras, a “economia verde” busca, como afirma o ativista boliviano Pablo Solón, mercantilizar não apenas a madeira e as florestas, mas também a capacidade de absorção de dióxido de carbono destas mesmas matas [4].

O objetivo central é criar, para as aplicações privadas, um mercado da água, do meio-ambiente, dos oceanos, da biodiversidade etc. Atribuindo preço a cada elemento da natureza, com objetivo de garantir lucros para os investidores. De tal modo que a “economia verde”, ao invés de criar produtos reais, organizará um novo mercado imaterial de bônus e instrumentos financeiros que serão negociados através dos bancos. O mesmo sistema bancário que provocou a crise financeira de 2008, e que recebeu trilhões de reais dos governos, disporia agora, da Mãe Natureza para continuar especulando e realizando grandes lucros.

Frente a estas posições, e em paralelo à Conferência da ONU, a sociedade civil organiza no Rio a Cúpula dos Povos. Neste fórum, serão apresentadas alternativas em defesa dos “bens comuns da humanidade”. Produzidos pela natureza ou por grupos humanos, em escala local, nacional ou global, estes bens devem ser propriedade coletiva. Entre eles, estão o ar e a atmosfera; a água, aquíferos, rios, oceanos e lagos; as terras comunais ou ancestrais; as sementes, a biodiversidade, os parques naturais; a linguagem, a paisagem, a memória, o conhecimento, a internet, os produtos distribuídos com licença livre, a informação genética etc. A água doce começa a ser vista como o bem comum por excelência, e as lutas contra sua privatização – em vários países – têm alcançado êxitos notáveis.

Outra ideia preconizada pela Cúpula dos Povos preconiza é a de uma transição gradual da civilização antropocêntrica a uma “civilização biocêntrica”, centrada na vida, o que implica o reconhecimento dos direitos da Natureza e a redefinição do bem-viver e da prosperidade – de modo que não dependam do crescimento econômico infinito.

Também defende-se a soberania alimentar. Cada comunidade deve poder controlar os alimentos que produz e consome, aproximando consumidores e produtores, defendendo uma agricultura camponesa e proibindo a especulação financeira com alimentos.

Por fim, a Cúpula dos Povos reclama um vasto programa de “consumo responsável”, que inclua uma nova ética do cuidado e do compartir; uma preocupação contra a obsolescência programada dos produtos; uma preferência pelos bens produzidos pela economia social e solidária, baseada no trabalho e não no capital; e um rechaço do consumo de produtos realizados às custas do trabalho escravo [5].

A Conferência Rio+20 oferece, portanto, a ocasião aos movimentos sociais de reafirmar, em escala internacional, sua luta por uma justiça ambiental, em oposição ao modelo de desenvolvimento especulativo. E seu repúdio às tentativas de “esverdear” o capitalis mo. Segundo estes movimentos, a “economia verde” não é a solução para a crise ambiental e alimentar atual. Trata-se, ao contrário, de uma “falsa solução”, que poderia agravar o problema da mercantilização da vida [6]. Em suma, um novo disfarce do sistema. E os cidadãos estão cada vez mais fartos de disfarces. E do sistema.

Ignacio Ramonet é editor do Le Monde Diplomatique, edição espanhola, e presidente da Associação Memória das Lutas (www.medelu.org)

 

[1] Ler, de Ignacio Ramonet, “Urgencias climáticas”, Le Monde Diplomatique, edição espanhola, janeiro de 2012

[2] The New York Times, 13/5/2012

[3] Corralito é palavra que surgiu durante a crise econômica argentina de 2001, quando, diante da avalanche de clientes nos bancos, para retirar suas economias, o ministro Domingo Cavallo decidiu que cada titular de conta só poderia sacar, no máximo, 250 pesos por semana.

[4] Pablo Solón, “Qué pasa em la negociación para Rio+20” 4/4/2012.

[5] Ler a “Declaração da Assembleia de Movimentos Sociais”, Porto Alegre, 28/1/2012.

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6 comentários para "Rio+20: Economia Verde ou Economia Solidária?"

  1. Marcos Reis disse:

    Nao achei nada de Bom nesse negocio pq eu estava procurando outra coisa.

  2. Matto disse:

    @ José Severino Queiroz, o seu discurso é bonito, da vontade de acreditar mas teria que ser o povo quem decide…. nenhum pais do mundo esta em democracia.
    Isso seria o primeiro passo, pegar o poder
    por enquanto economia verde é um conceito criado por dar mais poderes as multinacionais.
    nao cai nessa José !!

  3. José Severino Queiroz disse:

    Òtimo artigo de Ignacio Ramonet,a destruição do meio ambiente pelos sistemas produção de forma desordenada se reflete como pode se ver nos últimos anos nas catástrofes naturais que provocam mortes e perdas economicas enormes e instabilidade fianceira no mundo etc.
    A Rio + 20 poderá contribuir significativamente para que a humanidade se conscientize que é urgente começar a viver harmonicamente com toda natureza elaborando uma ética universal que inclua uma democracia plena, uma produção responsável com visão global que leve em consideração a finitude dos recursos naturais, solidária com todos os povos e que não vise apenas acúmulo de riquezas e poder.

  4. Temos a frente 3 questões que posso debater com um pouco mais de entendimento e que considero vitais no ponto de vista deliberativo deste evento. 1 – Democratização das comunicações : chegou a hora de enfrentar com coragem o fato de que não dá pra mercantilizar e cotizar este direito humano fundamental. Não há equilíbrio entre este tipo de mercado e as funções sociais que as comunicações abrangem. As grandes corporações que cerceiam e monopolizam as comunicações não prezam pelo respeito ao ser humano, visando somente o lucro e aos modelos que possam garantir seus interesses mercantis isso quando não visam tb aos interesses politiqueiros, sendo assim, a radiodifusão precisa do controle social e seguir o básico pelo menos da Constituição Brasileira e as telecomunicações, devido ao alto grau de convergência, devem ter o Estado como indutor e garantidor da sua função social.
    2 – Migração de modelo econômico, para um que tenha por base o trabalho, a produção, a dignidade humano, o bem estar social, que vise o coletivo e não o individuo, mas que ao mesmo tempo valorize o ser humano, dando condições de haver sinergia entre sociedade e natureza, sustentabilidade e desenvolvimento econômico. Temos que usar nossa criatividade (e que não é escassa) para criarmos plataformas digitais que permitam o escambo, a livre comercialização com base na produção e na sustentabilidade, sempre com foco na vida digna e nunca com o propósito do acumulo irracional e cruel de bens. Este sistema permitirá a erradicação do desemprego e sem inflar a economia. Criemos bancos de horas, criemos sistemas similares aos bancários porem com foco em moeda criativa, moedas solidárias, que facilitem a interação entre consumidores e produtores, que tenha lastro e que seja usada somente em produtos e serviços sustentáveis. Partamos para os incentivos da reciclagem, da não obsolescência da inovação em prol do desenvolvimento da humanidade e não de patentes egóicas em prol de um capitalismo cruel. Por fim precisamos voltar ter um modelo onde o centro seja o bem estar social do coletivo e não ao individualismo, que cada vez mais nos tornam ilhas isoladas da humanidade.
    Por fim, a democracia participativa, a transparência e o controle social. É vital que em todos os niveis de governança e de poderes de Estado se tenham estas premissas. Não dá mais para viver num mundo onde sociedade está em total dessincronismo com seus governos. Temos que ter relações mais abertas e participativas e não permitir que tudo isso seja um processo de demagogia governamental. Sigamos e façamos valer a Rio+20, pois, afinal todos moramos no mesmo planeta.

  5. Matto disse:

    Obrigado Ignacio por esse artigo.
    Gostaria ver mais desses nos midias, enfim…
    Ainda falta muito, para os povos entederam que o esquema usa do medo com questoes ambiantais para criar leis e produtos, e assim ganhar em poder sobre a gente. (e piorar a situaçao obvio)
    Falando da Europa, mas tambem do mundo, nao é uma crise, é um plano que funciona bem. O Banco, nesse conceito de privatizar tudo, esta comprando as naçoes. é o inicio da Nova Ordem Mundial.
    Vai ter que tomar decisoes importantes, em todos os niveis, e como o esquema deixou o ser humano cada vez mais burro para efetuar essa transiçao necessaria mencionada por a Cúpula dos Povos, ele vai ter que virar ditadura.
    Ou, como acham os quem ainda tem fé no ser humano, vamos elevar nossa consciencia (Revoluçao dos povos ? para uma civilização biocêntrica ?)
    é uma corrida, apostas abertas !
    desculpe o meu portugues 😉

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