Por que o Equador ofereceu asilo a Assange

Ética e direito internacional exigiam proteger fundador do Wikileaks. Caso gera precedente histórico e abala reputação dos EUA e Inglaterra

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Por Mark Weisbrot* | Tradução: Antonio Martins

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O Equador tomou a decisão correta: oferecer asilo político a Julian Assange. Ela segue-se a um incidente que pode dissipar as dúvidas sobre que motivos levam os governos britânico e sueco a tentar extraditar o fundador do Wikileaks. Na quarta-feira, o governo do Reino Unido lançou uma ameaça sem precedentes, de invadir a embaixada do Equador, se Assange não fosse entregue. Este assalto seria um ato extremo, na violação do direito internacional e das convenções diplomáticas. É até difícil encontrar exemplo de um governo democrático que tenha sequer feito tal ameaça, quanto mais executá-la.

Quando o ministro das Relações Exteriores do Equador, Ricardo Patiño, tornou públicas, numa resposta irritada e desafiadora, as ameaças que recebera por escrito, o governo britânico tentou voltar atrás e dizer que não se tratava de uma ameaça de invasão da embaixada (que é território soberano de outro país). Mas o que mais poderiam significar estas palavras, extraídas da carta entregue por uma autoridade britânica?

“É preciso adverti-los que há base legal, no Reino Unido – a Lei de Edifícios Diplomáticos e Consulares, de 1987 – autorizando-nos a agir para prender o Sr. Assange, nas instalações da embaixada. Esperamos sinceramente não chegar a tal ponto, mas se vocês não foram capazes de resolver o assunto da presença do Sr. Assange em suas instalações, há uma opção aberta para nós”.

Alguém em seu juízo acredita que o governo britânico faria esta ameaça inédita, caso se tratasse apenas de um cidadão estrangeiro qualquer, perseguido por um governo estrangeiro por polemizar – não há acusações criminais, nem um julgamento?

A decisão do Equador, de oferecer asilo político a Assange era previsível e razoável. Mas é também um caso paradigmático, de considerável significado histórico.

Primeiro, os méritos do caso: Assange tem medo bem fundamentado de sofrer perseguição, caso seja extraditado para a Suécia. Sabe-se perfeitamente que ele seria encarcerado de imediato. Como não é acusado de crime algum, e o governo sueco não tem razões legítimas para levá-lo a seu país, esta é uma primeira forma de perseguição..

Podemos inferir que os suecos não têm razões legítimas para a extradição porque a oportunidade de interroga-lo no Reino Unido foi-lhes oferecida repetidamente. Mas a rejeitaram, recusando-se inclusive a apresentar razões para tanto. Há algumas semanas, o governo equatoriano ofereceu-se a autorizar o interrogatório de Assange em sua embaixada londrina, onde o fundador do Wikileaks reside desde 19 de junho. Mas o governo sueco recusou-se – novamente, sem oferecer razão. Foi um ato de má-fé, no processo de negociação que se estabeleceu entre os governos, para tentar resolver a situação.

O ex-procurador-chefe do distrito de Estocolmo, Sven-Erik Alhem também deixou claro que o governo sueco não tem razões legítimas para requerer a extradição de Assange, quando afirmou que o pedido do governo sueco é “irrazoável e não-profissional, assim como injusto e desproporcional”, já que ele poderia ser facilmente interrogado no Reino Unido.

Ainda mais importante, o governo do Equador concorda que Assange tem medo razoável de uma segunda extradição para os Estados Unidos, e de ser perseguido aqui por suas atividades como jornalista. A evidência é forte. Alguns exemplos: uma investigação em andamento, sobre Assange e o Wikileaks, nos EUA; evidências de que um indiciamento já foi preparado; declarações de autoridades importantes, como a senadora Diane Feinstein, do Partido Democrata, de que ele deveria ser processado por espionagem, o que potencialmente pode levar à pena de morte ou prisão perpétua.

Por que este caso é significativo? Provavelmente, é a primeira vez que um cidadão que foge de perseguição política pelos Estados Unidos recebe asilo de um governo democrático interessado em fazer valer as convenções internacionais de direitos humanos. É algo de relevância enorme, porque por mais de 60 anos – especialmente durante a Guerra Fria — os EUA tentaram retratar a si mesmos como defensores internacionais dos direitos humanos. E muitas pessoas buscaram e receberam asilo nos EUA.

A ideia de que o governo dos EUA é um paladino dos direitos humanos, que foi aceita principalmente no próprio país e em seus aliados, desprezou os direitos humanos das vítimas das guerras e da política externa norte-americanas. É o caso de 3 milhões de vietnamitas ou de mais de um milhão de iraquianos mortos, e milhões de outros desabrigados, feridos ou maltratados por ações dos EUA. Esta concepção – segundo a qual os EUA deveriam ser julgados apenas segundo o que fazem em suas fronteiras – está perdendo apoio à medida em que o mundo torna-se mais multipolar, econômica e politicamente. Washington perde poder e influência e suas guerras, invasões e ocupações são vistas por cada vez menos gente como legítimas

Ao mesmo tempo, na última década, deteriorou a situação dos direitos humanos nos próprios Estados Unidos. É claro que, antes da legislação dos direitos civis, nos anos 1960, milhões de afro-americanos nos Estados do sul não podiam votar nem tinha outros direitos civis – e o constrangimento internacional provocado por isso contribuiu para o sucesso do movimento pelos direitos civis. Mas ao menos, ao final daquela década os EUA podiam ser vistos como um exemplo positivo, em termos de domínio da lei, garantia do devido processo e proteção dos direitos e liberdades civis.

Hoje, os EUA reivindicam o direito de deter indefinidamente seus cidadãos. O presidente pode ordenar o assassinato de um cidadão sem que ele sequer seja ouvido. O governo pode espionar seus cidadãos sem autorização judicial. E as autoridades são imunes a processo por crimes de guerra. Contribui para a deterioração da imagem o fato de os Estados Unidos contarem com menos de 5% da população mundial, mas quase um quarto da população encarcerada – em boa parte, vítima de uma “guerra às drogas” que também está perdendo legitimidade rapidamente, no resto do mundo.

A busca bem-sucedida de asilo por Assange é outra nódoa na reputação internacional de Washington. Mostra, ao mesmo tempo, como é importante ter governos democráticos independentes dos Estados Unidos e não dispostos – ao contrário da Suécia e do Reino Unido – a colaborar, em nome da conveniência, na perseguição de um jornalista. Seria desejável que outros governos fizessem a Inglaterra saber que as ameaças de invadir embaixadas estrangeiras colocam-na fora das fronteiras das nações que respeitam o estado de direito.

É interessante assistir aos jornalistas pró-Washington e a suas fontes buscando, na decisão do Equador de oferecer asilo a Assange, razões de interesse próprio. Correa quer retratar-se como campeão da liberdade de expressão, dizem eles; também alegam que atingir os Estados Unidos, ou apresentar-se como líder internacional. É tudo ridículo.

Correa não procurou confusão e a disputa é, desde o início, um caso em que ele sofrerá perdas em qualquer hipótese. Enfrenta tensão crescente com três países que são diplomaticamente importantes para o Equador – EUA, Reino Unido e Suécia. Os EUA são o maior parceiro comercial do Equador e ameaçaram, diversas vezes, romper acordos comerciais que garantem os empregos de milhares de equatorianos. Como a maior parte da mídia internacional foi hostil a Assange desde o início, o pedido de asilo foi usado para atacar o Equador, e acusar o governo de um endurecimento contra a mídia interna. Como já escrevi, é um exagero grosseiro e uma falsificação da realidade equatoriana, que tem uma mídia não submetida a censura, majoritariamente na oposição ao governo. A maior parte dos leitores do mundo ouvirá, por muito tempo, apenas esta versão deturpada sobre o Equador.

Correa tomou sua decisão porque era a única opção ética a adotar. Qualquer um dos governos independentes e democráticos da América do Sul teria feito o mesmo. Quem dera as maiores organizações mundiais de mídia tivessem a mesma ética e compromisso com a liberdade de expressão e de imprensa.

Veremos agora se o governo do Reino Unido respeitará o direito internacional e as convenções de direitos humanos, oferecendo a Assange um trânsito seguro ao Equador.

Mark Weisbrot é co-diretor do Centro para Pesquisas Econômicas e Políticas (CEPR), Também é co-roteirista (com Oliver Stone) do documentário Ao Sul da Fronteira

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15 comentários para "Por que o Equador ofereceu asilo a Assange"

  1. Paulo Urbano disse:

    O imperialismo lacaio será aniquilado!
    Os Estados Unidos é a maior farsa the história mundial… Pagam de heróis e são os maiores vilões disfarçados de mocinhos the história the humanidade…

  2. Achei esse texto completamente parcial, nele o autor toma partido e simpatiza com os atos desafiadores a EUA e Inglaterra feitos pelo "Sr. Assange". Não se pode esquecer que se ele é acusado de estupro na Suécia, certamente há também uma vítima de estupro na Suécia que deseja que a justiça seja feita.
    O resto é suposição! Suposição que se ele for para a Suécia será extraditado para os EUA, suposição que ele será preso em Guantánamo, suposição que ele não terá direito a defesa e assim por diante. De fato mesmo, não existe nenhum pedido de extradição para os EUA até agora.

  3. Sant'Anna disse:

    Parece que o véu aos poucos está caindo… O grande irmão está mostrando ao mundo quem realmente é. E, ao que veio fazer… Quanto à Inglaterra? Não é necessário nenhum comentário… Um país que ainda tem reinados… Não vale a pena comentar realmente. Mas, é muito bom que o mundo ganhe um pouco de consciência e perceba quem realmente os EUA são! Que não passa de um país belicoso e assassino e que pretende realmente, dominar o mundo inteiro. A grande guerra dos EUA contra outras nações, trata se do pavor de não conseguirem ainda, através do poder bélico, o domínio do mundo. É um País que até os dias de hoje sente a dor de não ter conseguido realizar o sonho de Hitler. Só que Hitler sabia que se ele não tentasse dominar o mundo os EUA o fariam, ou Israel, Rússia e outros países chamados de civilizados ou de primeiro mundo.

  4. Alex disse:

    Sem ufanismos.
    A reportagem ignora eventos cruciais e é bastante tendenciosa.
    1) Assange é acusado de crime na Suécia. Crime de estupro.
    A lei Sueca determina que sexo sem camisinha (mesmo consensual) pode acarretar em crime de estupro se um dos lados assim se queixar.
    É o que aconteceu no caso dele.
    Se a Suécia está sendo coagida pelos EUA para extraditar Assange são outros quinhentos que obviamente devem ser levados em conta. Mas, ainda assim não podemos nos esquecer da acusação de crime que incorre sobre sua pessoa.
    2) O Ecuador não é nenhum carregador da bandeira da liberdade. Vide a perseguição que Rafael Côrrea faz a seus opositores.
    3) A Inglaterra, de forma errada, tenta fazer valer o mandado de extradição já emitido.
    4) O Wikileaks não é o mártir da Internet. Afinal, eles somente divulgam o que lhes interessa.
    Então, não existem santos nesta história.
    Defender Assange por puro idealismo pode fazer com que ele não seja acusado de um crime que ele pode ter cometido.
    E nem lhe dar a chance de limpar seu nome.
    O correto, seria sim a sua extradição a Suécia. Com a certeza e a confirmação por parte do governo sueco de que ele não seria extradito para os EUA.
    Para que ele se defenda do crime pelo qual é acusado.

  5. A situação é algo que diplomaticamente, e moralmente ficamos sem palavras aos EUA. Porque não há como esconder que as pessoas e os meios de comunicações mais influentes nos EUA ao desconsiderar que o desmoraliza a imagem dos EUA são as próprias ações tomadas por eles. Proclamar ser defensor the liberdade física e de expressão, etc. porém praticar a captura, prisão e/ou a morte de pessoas é contraditório às palavras proferidas e às campanhas de marketing para sustentar a imagem do país.
    Quando estive nos EUA muitos amáveis e queridos norte-americanos me perguntaram: "Como os brasileiros e outras pessoas que você conhece nos veem?".
    De início fiquei totalmente perdido e não entendendo o significado the pergunta, mas no dia-a-dia, aprendendo como eles viviam, assistindo suas programações de tv ficou claro que o povo, digo, o povo mesmo, dos EUA não tem noção do que acontece aqui fora. E, o que eles assistem na TV é muito restrito e selecionado, as informações são muito filtradas.
    E nós que não somos norte-americanos nativos, vivendo em muitos países the américa central, américa do sul, ásia e alguns poucos do continente africano estamos vendo e assistindo muito mais de perto as ações do governo dos EUA, do Reino Unido, França, Itália, Alemanha. Ainda estando nos EUA, conversando com um amigo alemão, fiquei surpreendido quando ele me comentou que muitos norte-americanos fizeram a mesma pergunta para ele.
    Pena… Eu gostaria que os governantes dos EUA, Reino Unido e muitos outros entendessem que não estamos contra eles, nunca estivemos, mas suas ações nos entristessem, e deixa o próprio povo norte-americano com medo e inseguro com todos nós que não somos norte-americanos nativos, pois passa-se a imagem de que alguém deseja o mal para os EUA. É triste sermos olhados com desconfiança por pessoas que visivelmente gostariam de viver e sentir mais a liberdade, a alegria, e o calor humanos que temos aqui no Brasil, mesmo sabendo que nós brasileiros temos muito que melhorar por aqui.

  6. Luiz Fernando Godoy de Souza disse:

    Trata-se da eterna repetição da luta de David contra Golias porém, como na pratica o resultado sempre é inverso, tudo indica que o mais fraco saira perdendo, A única possibilidade é a Inglaterranão perder o seu pudor (dificil diante dos interesses americanos), ou por um milagre a rainha sueca (que por ser brasileira talves não tenha se contaminado com a frieza do norte europeu) interceder pela suspensão do pedido de extradição, Esta talves seja a única solução possivel e embora pouco provavel é nossa espectativa .

  7. Viva as "Belas adormecidas"!

  8. de contos em contos como este vamos criando uma sociedade crentes, e isso interessa, eles fingem que faz, a gente finge que acredita….mudando de assunto, da pra colocar uma foto ai Luiz???….abraços

  9. …e viva os EEUU, o grande defensor da liberdade e da democracia!!!!…e viva para todas "as belas adormecidas" que ACREDITAM nos contos da caronchinha da imprensa democratica e liberal das "familias" donas dos meios de comunicação(?), tanto aquí, como em todo o mundo…e continuam a "fazer sonhar" no fim da luta de classes…
    luiz fernando resende

  10. Ana Tomazini disse:

    Excelente materia, uma pena que as pessoas que precisam ver isso nao vao sequer terminar de ler … elas jah tiveram a lavagem cerebral feita pela TV e meios de comunicacao ! Parabens pela materia ! #FreeAssage

  11. loa vinhas disse:

    Free Assange!

  12. Milton Guedes Guimaraes disse:

    mAS VOCES AINDA ESTÃO PENSANDO AQUE EXISTE UM POUCO DE DECENCIA E RESPEITO A LEI DA PARTE DA INGLATERRA E DE SEU PATRÃO O EUA.
    AGORA SÃO CAMPEÕES DOS DIREITOS HUMANOS E DO RESPEITO A A LEI INTERNACIONAL. SÃO HIPÓCRITAS, ASSASSINOS MUITO PEIOR QUE A MAFIA, POIS ESSA ORGANIZAÇÃO AINDA TEM ALGUNS PRINCIPIOS.
    MAS NADA ACONTECE POR ACASO, ESSAS DUAS NAÇOES BANDIDAS QUE QUE ASSASSINARAM MILHÕES E PESSOAS, AINDA VÃO PAGAR O PREÇO JUSTO.

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