Poemanifesto dos afetos

“Pela coragem do encontro com o outro qualquer que seja / esse outro contanto que potencialize a vida a vida a vida / a vida a vida”

161019-tunga

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Por Luciana Tonelli | Imagem: Tunga

pela manifestança da vida em todas as suas mininfestações

esta é uma brigada de combate ao medo: contra o medo

séculos de medo que geram a célula ensimesmada sempre

refratária ao outro sempre enfraquecendo sua semente

de coragem por não ver nela lucro imediato garantias

imediatas sossego imediato. para longe lancemos para bem

longe o medo o mesmo medo que faz de um grupo de

pessoas seja lá qual for seu laço um enlace para a guerra

uma aliança isolada incapaz de qualquer construção

coletiva porque narcísica.

pela coragem do encontro com o outro qualquer que seja

esse outro contanto que potencialize a vida a vida a vida

a vida a vida.

aqui seguimos livres de culpa: livres da ancestral culpa

que nos imputam os fundamentalismos de direitas de

esquerdas de certezas enrijecidas sigamos livres de suas

máquinas de endurecimento a invadir nosso centro

a entulhar de compromissos nosso desejo. sigamos

resistindo às invasões sigamos livres das prisões do

pensamento sigamos atentos. aqui esvaziamos de poder

fascismos usurpadores de energia vital fomento de miséria

material e simbólica. aqui gargalhamos de todo e qualquer

dogma aqui celebramos a alegria a festa o fluxo da vida.

pela liberdade de escolher e fazer da forma mais atrapalhada

contanto que cedendo a um impulso de vida

de vida de vida de vida de vida.

se ainda há ira brademos contra a razão hipertrofiada

do patriarcado que há séculos ignora subestima submete

toda diferença todo desencaixe tudo o que não cabe em

sua planilha de orçamento a um pensamento de cimento

armado. raza razão logocêntrica a promover a disputa

por cada palmo de qualquer que seja o espaço a expedir

certificados para o inaceitável a intimidar a fala que não

nasce de seus formatos fechados. contra ingenuamente

contra como uma criança como um palhaço como um

louco e seu cão se manifestariam contra contra o jogo

de retóricas vazias e cheias de promessas facilmente

desmontáveis por crianças palhaços loucos e cães

movimentando apenas olhos e caudas.

pela palavra que surge inteira de nossos corpos fazendo

vibrar nossos pensamentos preenchendo-os de vida

de vida de vida de vida de vida.

se há desejo de vingança maquinemos nosso olhar frio

opaco irredutível olhar-bomba e o lancemos com frieza

de estrategista sobre o aparato político econômico

midiático que sustenta a farsa do capital e continua seu

trabalho de lobotomia: terroristas travestidos de estadistas

e vorazes capitalistas na pele de homens de carne e

sangue. sendo inócua nossa indignação contra a ganância

e o capital desprezo pela vida gritemos contra a burrice

a suprema burrice dos homens que fazem as guerras e

pensam em sair ilesos em seus helicópteros.

pela lucidez de enxergar onde é gestada a morte e manter

vivo em nossas mentes em nossos corações o desejo de

fortalecer a vida a vida a vida a vida a vida.

brindemos à saúde plena saúde livre de medos e culpas

saúde que traz em si a alegria e a amizade e o espanto

e a capacidade de se indignar perante o que parece inevitável

o que diz a lei o que dita o dito o que determina o

destino de uma civilização enferma. brindemos à saúde

das relações. que os corpos coletivos não sucumbam

perante disputas egoísmos pequenas mesquinharias que

se instalam em seus entres. que saibamos seguir adiante e

fazer a louvação quando a tristeza pesar no ventre. fazer a

louvação do que deve ser louvado.

pela poesia que se instala no cotidiano e inaugura novos

espaços de existência e irriga o pensamento e não deixa

que ele se enrijeça e intensifica a vivência do tempo e

lembra ao homem seus valores mais vitais. pela poesia

capaz de realizar a mais alta potência da arte: a reinvenção

da vida.

pela poesia utopia ativa no presente

pela revolução imanente

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2 comentários para "Poemanifesto dos afetos"

  1. José Cavalhero disse:

    Os escritos de Luciana Tomeli transforma o leitor em compositor de seus próprios pensamentos

  2. Que texto bonito, um dos mais belos e fortes que li nos últimos tempos!
    Celebrar a coragem e os encontros é celebrar a vida…
    “pela liberdade de escolher e fazer da forma mais atrapalhada
    contanto que cedendo a um impulso de vida
    de vida de vida de vida de vida.”
    Eu precisava ler isso…
    Uma coincidência?
    Nesta semana li um texto de Márcia Tiburi na edição 217 da Cult…
    Duas mulheres celebrando a coragem…
    Aqui, alguns trechos da filósofa…
    “Cada época tem seu páthos, uma espécie de energia psíquica que determina formas de agir e de pensar. O ódio, que tem servido para explicar gestos e ações violentos, é produzido e reproduzido socialmente por meio de discursos imagéticos e verbais cuja base é o medo. […] É como se o ódio fosse uma espécie de segurança, uma proteção imediata contra o que mete medo.
    […]
    “Perguntar o que foi feito da coragem não é apenas uma provocação filosófica, é uma exigência – ou urgência – genealógica de nosso tempo. No processo de esfriamento do conhecimento, o elogio das virtudes foi sendo apagado, como tudo aquilo que no paganismo era ainda muito vivo: o corpo. Ora, a coragem é uma postura afetiva relativa a um corpo. Corajoso é aquele que enfrenta algo temível. Enfrenta-o, pois, quem não foi docilizado.
    […]
    “A história do crescimento do medo e do arrefecimento da coragem em tudo tem a ver com o avanço prático da racionalidade e do cristianismo que priorizou a compaixão e a piedade contra a barbárie, mas também conta a luta.
    […]
    “Poder é o nome político da racionalidade. A frieza de um lado e a docilidade de outro são medidas que fazem parte de sua economia: a frieza garante a aplicação de penalidades e da matança necessária […]. A docilidade, contudo, economiza munição.”
    Luciana Tonelli e Márcia Tiburi…
    Duas mulheres de coragem à flor da pele…

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