Pequeno guia sobre o Software Livre (1)

Uma disputa marca o século 21. A circulação de ideias é um direito de todos ou deve seguir a lógica dos mercados? Um ensaio sobre esta encruzilhada — com ênfase na informática

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Uma disputa crucial marca o século 21. A circulação de ideias é um direito de todos ou deve se dar segundo a lógica dos mercados? Um ensaio sobre esta encruzilhada — com ênfase no campo crucial da informática

Por Fátima Conti  | Imagem: Hieronymus Bosch, O Jardim das Delícias Terrenas, detalhe (1490/1510)

Parte 1 de 3

Resumo

Um pressuposto deste ensaio didático: inclusão digital deve significar, antes de tudo, melhorar as condições de vida de uma comunidade com ajuda da tecnologia. Então, a informática e a internet devem ser ferramentas de libertação do indivíduo, de autonomia do cidadão, que deve saber usar o equipamento e os programas tanto em benefício próprio como coletivo.

Entretanto, vivemos em uma sociedade na qual leis de diversos países protegem monopólios, como copyright e patentes, inibindo:

  • o uso de bens culturais, como livros, músicas, quadros…, que hoje são arquivos e programas computacionais;
  • a criatividade;
  • a liberdade de expressão;
  • o acesso à informação e ao conhecimento.

O desconhecimento e o desleixo das pessoas quanto ao uso de seus equipamentos computacionais e programas permitiu, sob o ambiente da internet, a implantação de um modelo de negócios de vigilância contínua, que tornou usual o envio de propagandas personalizadas. Mas não se trata só de um desleixo pessoal: equipamentos, sistemas e programas, especialmente os privativos (proprietários), são destinados ao controle e vigilância de seus usuários.

Mais ainda: o ensino no Brasil, inclusive na universidade, é defensor e perpetuador desse sistema e seus monopólios, grandes corporações que controlam o mundo e que detém todo o poder, seja financeiro, seja político.

Neste ensaio mostra-se um panorama desta situação que opõe o desejo da inclusão digital ao interesse  e controle dos monopólios, estratégias e atitudes possíveis para enfrentá-los e as possibilidades abertas pelo uso dos softwares livres.

Software Livre – O início

Para entender o que é Software Livre, deve-se pensar em “liberdade de expressão”, não em “almoço grátis”. Software Livre é uma questão de liberdade, não de preço.

Essa ideia, que hoje se espalha por todo o mundo, atingindo outros tipos de conteúdos, como os artísticos, literários, musicais, científicos e jornalísticos, é parte do movimento pela cultura livre, “free culture”, que abrange todos os produtos culturais, como textos, imagens, vídeos (livros, fotografias, pinturas, e filmes) pregando a reprodução e modificação livres por e para qualquer usuário.

Entretanto, no início dos anos 1980, quase todos os programas existentes passaram a ser privativos (proprietários), ou seja, o conceito de propriedade invadiu a área de tecnologia. E, o que é pior, confundiu a propriedade de coisas abstratas com as concretas.

Para entender o que ocorreu é necessário saber um pouquinho de informática.

O código fonte é o próprio programa, ou seja, é uma estrutura lógica com uma sequência de comandos, em alguma linguagem de programação, criada por uma ou mais pessoas.

Ele é diferente do código binário, aquilo que o equipamento efetivamente lê, ou seja, uma enorme sequência de zeros e uns, que, para nós, é incompreensível.

Assim, quando se diz que o código de um programa é livre, não se está falando de preços, mas que o código fonte está disponível, que outros desenvolvedores poderão executar, conhecer, estudar, adaptar, corrigir, copiar, modificar, melhorar e redistribuir o código do programa.

O principal expoente desse movimento é o programador Richard Mathew Stallman, que trabalhava no laboratório de inteligência artificial do MIT no início da década de 1980. Ele abandonou seu emprego ao constatar que as licenças de direitos autorais que negavam acesso ao código fonte dos programas (para impedir cópias) também restringiam liberdades que os programadores sempre haviam usufruído, antes do mundo da informática ser dominado por grandes empresas: a liberdade de executar os programas sem restrições, a liberdade de conhecer e modificar os programas e a liberdade de redistribuir esses programas na forma original ou modificada entre os amigos e a comunidade.

Stallman iniciou um movimento para produzir um sistema operacional e programas que resguardassem aquelas liberdades que os programadores conheciam antes das restrições empresariais. Esta iniciativa resultou na criação da Free Software Foundation (FSF), Fundação para o Software Livre, que foi fundamentada juridicamente com a redação da GNU General Public License (Licença Pública Geral do GNU). O GNU é um sistema operacional totalmente composto por software livre – isto é, que respeita a liberdade dos usuários. Foi concebido por Stallman em 1983,

A filosofia da FSF repousa no entendimento que aquele que produz a informação recebe muito mais informação do que cria. Isso se torna óbvio quando se constata que cada programador cria algumas linhas em cima de milhões de linhas de código que outros já produziram antes. A Fundação tem como objetivo não só romper monopólios, mas fazê-lo por meio de um empreendimento coletivo e, em grande parte, voluntário.

Software Livre e Open Source

Em resumo, o software livre é tanto uma filosofia como um modelo de licenciamento. O software livre não é software grátis, pois preço não é a questão. A liberdade é o que importa.

O conceito “código aberto” (em inglês “Open Source”) é outra coisa. Foi criado pela OSI (Open Source Initiative). Trata-se de software que produzido colaborativamente, mas que produz programas cujo código não fica aberto.

Portanto, o Software Livre é um movimento pela liberdade dos usuários, como uma questão de justiça. Já o software livre é um caminho para uma nova sociedade, pois é profundamente transformador. Não só promove as liberdades, a criação, a inovação, mas estabelece condições de igualdade para a produção: o código deixa de ser um patrimônio exclusivo de poucos e passa a ser algo coletivo, a partir do qual todos podem produzir.

O conceito “Código Aberto” é utilizado pela OSI sob um ponto de vista técnico, bastante pragmático, que evita questões éticas e ressalta não as liberdades oferecidas pela licença, mas a alta qualidade técnica do software. O pessoal do código aberto, portanto, praticamente não se interessa por mudanças sociais e se preocupa com venda e preço, e não com liberdade.

É importante lembrar que o patrimônio de uma empresa livre não é um código sobre o qual mantenha controle. É a capacidade intelectual de seus funcionários, o bom atendimento que oferece aos seus clientes e a qualidade de seu trabalho.

Assim, há pontos comuns entre Software Livre e Open Source, o que possibilita muita confusão e, até, trabalho conjunto em muitos projetos. Algumas grandes empresas como IBM, HP, Intel e Dell têm investido no software de código aberto, juntando esforços para a criação do Open Source Development Lab (OSDL), instituição destinada à criação de tecnologias de código aberto.

O controle do usuário – a dependência

Assim, Software Livre trata de liberdade.

Mas, liberdade para quem?

Para todo e qualquer usuário.

É importante notar que quanto mais o usuário opera com um software comercial, quanto mais cria arquivos nesse programa, mais dependente fica dele, e, se desejar substituí-lo, maior se tornará o custo de substituição, o que reforça a dependência.

Por exemplo, imagine alguém que publicou um artigo, um post ou uma poesia por semana em um blog. E que foi guardando todos os arquivos criados em um programa editor de texto, pois sempre os consulta e utiliza. E que, subitamente, esse programa muda de versão. E que os arquivos criados não sejam mais abertos, sob a nova versão do programa.

O que aconteceria? O autor não teria mais acesso a seus próprios textos? Como poderia continuar seus estudos, seu trabalho?

É importante notar que, quanto mais se utiliza um programa, mais a pessoa fica dependente daquele sistema e daquele programa.

Portanto, há uma relação de poder entre o usuário e o fornecedor de software. E o usuário pode até ser criminalizado se decidir romper com esta relação, devido às leis sobre propriedade intelectual.

O movimento iniciado por Stallman para produzir um sistema operacional e programas livres teve e tem como objetivos:

  • empoderar o usuário;
  • resguardar aquelas liberdades que os programadores conheciam antes da imposição das restrições empresariais;
  • romper com a submissão dos usuários a um fornecedor de software.

Foi um evento histórico: em 27 se setembro de 1983, utilizando um e-mail, Stallman anunciou o Projeto GNU, “Gnu is not Unix”, e começou a escrever o sistema, a partir dos utilitários.

Propriedade privada ou intelectual

Antes de começar a ler esta parte, assista o vídeo abaixo, é curtinho, divertido e instrutivo, e lhe introduzirá no universo do Copyrght.

Até a Idade Média havia um enorme controle da divulgação de ideias, pois o número de cópias de cada obra era pequeno e limitado pelo trabalho manual, longo e tedioso , dos copistas, em geral em mosteiros.

Perto de 1455, as contribuições do inventor alemão Gutemberg para a tecnologia da impressão e tipografia começaram a mudar essa realidade.

A iminente maior democratização da circulação da informação, com os livros impressos, fez com que soberanos se sentissem ameaçados.

Logo concederam aos donos dos meios de produção dos livros o monopólio da comercialização de todos os títulos que editassem. Em contrapartida, os editores vigiariam para não fossem editados conteúdos desfavoráveis à ordem vigente, inclusive exercendo censura.

Esse privilégio, portanto, não tinha como objetivo dar qualquer direito ao escritor da obra, mas apenas garantir o monopólio de sua reprodução, daí sobrevindo o termo Copyright, ou seja, o direito de cópia.

Apenas na Revolução Francesa foi reconhecido o direito do autor sobre a sua criação. Em 1777 foi estabelecida uma distinção na natureza jurídica entre autor e editor: ao “trabalho intelectual” do primeiro foi dado o privilégio de “propriedade intelectual”, ao passo que o privilégio do editor foi uma “liberalidade”.

Até a virada do século XIX para o XX as leis referiam-se apenas à reprodução de textos em papel e a material impresso, já que havia preocupação em regular o uso de um único tipo de máquina, a impressora.

No entanto, por volta de 1900, para garantir lucros com as novas tecnologias que estavam surgindo, o Copyright foi ampliado de modo que abrangesse quaisquer obras, independentemente do meio físico em que eram distribuídas. Assim, foram desenvolvidas regras de direitos de cópia específicas para cada novo meio: filmes, fotos, discos e rádio.

Aqui é importante considerar outro tema: propriedade, algo que é muito bem definido juridicamente.

Note-se que alguém que ganhou/comprou algo está garantindo para si a utilização de um bem. Por exemplo, se alguém possui uma caneta, a propriedade privada desse objeto garante ao dono o acesso a ele quando bem entender e o seu uso da forma que desejar, inclusive de poder vendê-la, doá-la ou emprestá-la. Atenção especial deve ser dada à exclusividade de uso que muito interessa ao proprietário, pois, se a caneta for compartilhada com alguém, no momento em que a segunda pessoa a estiver usando, a primeira estaria privada do uso.

Evidentemente essa descrição aplica-se para os bens materiais, especialmente os bens de uso.

Há muito tempo sabe-se que a propriedade intelectual é bastante diferente. Por exemplo, uma ideia só pode ser possuída se não for divulgada. E, quando o é, a ideia passa a pertencer a todos que a entenderam. E o mais interessante é que, mesmo então, a pessoa que a formulou nada perde com isso. Aliás, em geral acontece o contrário, quanto mais pessoas conhecerem seus textos, sua arte, sua música, maior será a boa reputação que o autor ganhará na sociedade.

É importante notar que o uso compartilhado de ideias, de bens imateriais é simultâneo.

Um escritor ou um compositor não produz sua obra para o seu próprio deleite; quanto maior for o número de pessoas que tomarem conhecimento de suas criações, mais o autor terá seu talento reconhecido.

Portanto, canções, poemas, invenções e ideias não têm a mesma natureza dos objetos materiais. Efetivamente, cultura não é (era) mercadoria.

Exatamente porque as ideias têm essa característica de, uma vez expressas, poderem ser assimiladas por todos que as recebem, surgiu o conceito de que deveriam ser protegidas de alguma maneira, para que seus criadores não ficassem desestimulados em criá-las e expressá-las.

Foi proposto que aquele que cria a ideia deve ter direito sobre ela, de modo que quando outra pessoa a utilize ou a receba, o autor tenha uma recompensa material. Ou seja, o direito autoral concedia ao autor um monopólio sobre a exploração comercial de sua obra, de modo que aquele que desejasse ler um livro, usar alguma invenção, ou ouvir uma música teria que pagar ao autor.

monopólio é a exploração, sem concorrência, de um negócio ou indústria, em virtude de um privilégio. No caso de bens intelectuais, este privilégio em geral expressar num período de tempo que garante ao autor ou proprietário da obra ser o único fabricante/vendedor de um livro, música, medicamento, programa, jogo…

Na constituição dos EUA de 1787 já estava prevista a promoção do progresso das ciências e das artes assegurando aos autores e inventores, por um período de tempo limitado, o direito exclusivo aos seus escritos e descobertas, com o objetivo de assegurar a eles a justa recompensa pelo seu esforço e talento. A meta final era a da promoção do bem comum, do incentivo à criação e disseminação cultura, das artes e da atividade intelectual em geral, beneficiando toda a sociedade.

Evidentemente, se a duração do direito ao monopólio for longa demais, pode-se dificultar o aproveitamento social da criação.

Portanto, era necessário alcançar um ponto de equilíbrio entre o estímulo à criação e o interesse social em usufruir o resultado da criação.

Em 1710, a primeira lei inglesa sobre direitos autorais deu ao criador o direito exclusivo sobre um livro por 14 anos, com direito a renovação por mais 14 anos, desde que o autor estivesse vivo quando o período inicial expirasse.

Curioso é notar que as práticas da “propriedade intelectual” são em certo sentido contrárias ao espírito original do capitalismo concorrencial. Enquanto o capitalismo dos primórdios pressupunha concorrência, as patentes, a propriedade intelectual, o direito de cópia ou marcas, são monopólios garantidos pelo Estado. Os primeiros por um período de tempo determinado e as marcas por um período indeterminado.

Exploração comercial monopolista pelas distribuidoras

É comum pensarmos que quando a propriedade intelectual foi concebida, sua finalidade era conceder ao autor os ganhos exclusivos sobre a exploração de cópias da obra, sem concorrência.

Entretanto, os autores poderiam mesmo auferir lucro?

Seria muito difícil, com raras exceções. Pois, diferentemente do trabalho manual que modifica a matéria prima, e produz alterações nos objetos, aumentando seu “valor de uso”, o trabalho intelectual não possui necessariamente “valor de uso” vinculado a um objeto que possa ser vendido, já que as ideias não são materiais.

E, se uma ideia for reproduzida verbalmente, não terá “valor de troca”, por maior que seja o seu “valor de uso”, pois não está limitada à produção de um meio material. Isso só acontece se a ideia for copiada em algum meio material, como o papel, por exemplo. Assim, um escritor só poderá explorar plenamente sua obra se também se tornar um editor e confeccionar um objeto vendável, como um livro ou um CD. Ou seja, teria que possuir uma editora, com todos os seus equipamentos e funcionários. Evidentemente, a quase totalidade dos escritores não quer assumir esse papel e nem tem condições para tal.

Entretanto, a compra de uma obra intelectual implica na aquisição conjunta de um bem e de serviços, ou seja, um meio material (por exemplo: o papel) sob o qual é realizado um serviço (a cópia). Após a invenção da imprensa, houve grande diminuição de custos dos serviços de cópia, o que obrigou os autores a alienarem seu “trabalho intelectual” aos editores, os detentores dos meios de produção que, em contrapartida, exigiram dos autores a concessão do monopólio da distribuição das obras.

Assim, embora o “trabalho intelectual” tenha um grande “valor de uso” em qualquer sociedade, seu “valor de troca” será sempre determinado por um produto (exemplos: o livro, o CD) em que estão embutidos serviços (exemplos: cópia manual, cópia impressa).

O que fizeram os autores ao longo da história? Alienarem seu “trabalho intelectual” aos editores, os detentores dos meios de produção que, em contrapartida, exigiram dos autores a concessão do monopólio da distribuição das obras.

O autor acabou cedendo seus direitos de exploração, sem concorrência, sendo obrigado a dividir os lucros de sua criação. Nessa relação, o elo fraco é exatamente o autor, já que a distribuição de livros, discos e outros produtos sempre foi relativamente cara. É preciso, ainda, considerar ainda que há muitos autores e poucas empresas interessadas.

Portanto, as empresas sempre tiveram muito poder para acertar as condições contratuais e geralmente conseguem uma exorbitante participação nos lucros provenientes da exploração comercial na venda de cópias da obra. Evidentemente, pelo fato do monopólio de exploração comercial ser cedido integralmente para as empresas, não são os autores os que mais se beneficiam. Quem efetivamente lucra são essas distribuidoras, as grandes empresas da indústria cultural.

A cópia doméstica

Uma época áurea para o Copyright, alongou-se por quase 150 anos, entre 1800 e 1940, pois as atividade de ler e imprimir um livro exigiam equipamentos completamente diferentes.

O cenário começou a mudar em 1944, quando as tropas americanas libertaram a cidade de Luxemburgo e lá encontraram uma máquina alemã capaz de gravar som em fitas magnéticas. Esse gravador cassete trazia algo realmente novo: integrava em um único dispositivo a capacidade de audição e de gravação, ou seja, a possibilidade de efetuar cópias.

Os computadores na verdade seguiram esse mesmo caminho. Eles são máquinas que se destinam à cópia. Isto é, permitem que possamos copiar qualquer tipo de arquivo digitalizado, independentemente de sua natureza, sejam eles textos, imagens animadas ou não, sons, vídeos, planilhas…

O estabelecimento da Internet possibilitou algo que não existia antes do século XX, os diversos meios de gravação atualmente são possíveis em um único meio. E a distância física desses conteúdos deixou de ser importante.

Com a utilização de computadores, as funções de publicação, divulgação e distribuição de obras intelectuais, que geralmente eram realizadas por editoras, produtoras e gravadoras, puderam ser realizadas pelo próprio autor em páginas pessoais. E de maneira mais rápida e menos burocrática.

Assim, qualquer pessoa que possua um computador conectado à Internet pode ter acesso a livros, músicas, filmes e programas produzidos por autores em qualquer lugar do planeta e em muito pouco tempo pode copiar uma obra para seu computador. Isso acontece a um custo bastante baixo, já que

  • o próprio usuário localiza a obra desejada e realiza a cópia;
  • o sistema de cópia é eficiente, produzindo exemplares com boa qualidade;
  • o custo de reprodução de coleções de livros e músicas tornou-se praticamente insignificante, permitindo que qualquer pessoa possua uma grande biblioteca/discoteca pessoal em formato digital;
  • o meio material que hospeda a obra é um dispositivo de armazenamento magnético (disco rígido, pendrive) ou ótico (CDs, DVDs), que ficaram cada vez mais baratos.

Aparentemente, as indústrias que se servem do Copyright não acompanharam a evolução da tecnologia e seu modelo de negócios, baseado em uma produção monopolista e venda de cópias, tornou-se insustentável.

Qual a saída encontrada por elas? Separar a simples utilização do processo de gravação: para garantir os seus lucros ao vender cópias, passaram a pressionar por leis que definissem como criminosa qualquer atitude que produza essas mesmas cópias.

Ora, quem conhece minimamente a história do computador e da Internet sabe que essa política é o pior dos pesadelos. Afinal, o que mais é a Internet senão um sistema que permite cópias?

Interessante é notar que as cópias não legítimas aparentemente afetam pouco a indústria. É só lembrar que o próprio sistema operacional Windows, pertencente à poderosa MicroSoft, continua sendo, de longe, o mais utilizado e comprado em todo o mundo, embora também seja o que tem maior número de cópias domésticas.

E é claro que tudo isso não significa a eliminação de editoras, produtoras e gravadoras. Basta notar que a digitalização de obras intelectuais não aboliu a impressão/ gravação de livros e discos. Por exemplo, livros que já se encontram sob domínio público continuam sendo impressos embora sejam encontrados facilmente na Internet. As editoras continuam imprimindo-os, inclusive em edições ilustradas e luxuosas.

É importante lembrar que Domínio público é o conjunto de obras culturais, de tecnologia ou de informação (livros, artigos, obras musicais, programas computacionais, invenções e outros) com livre uso comercial, pois não estão submetidas a direitos patrimoniais exclusivos de alguma pessoa física ou jurídica, ou seja não são mais propriedade de ninguém. Ou seja, a obra entra para o conjunto de conhecimentos da humanidade, como sempre aconteceu, antes desse tipo de legislação ser aprovada.

Portanto, aparentemente, quem copia um arquivo não é necessariamente alguém que compraria aquele filme, vídeo ou música no varejo se não pudesse copiá-lo na Internet. E sempre haverá pessoas interessadas em adquirir as cópias, por comodidade ou por capricho.

Assim, o pioneirismo na exploração de uma ideia garante vantagem em relação à concorrência. Isso fica muito claro quando uma invenção é comercializada. Rapidamente é copiada por empresas concorrentes. Portanto, não são as patentes que garantem os lucros das empresas, mas o pioneirismo.

Contra a cópia doméstica

As indústrias distribuidoras de dispositivos de armazenamento, tais como fitas cassete e CDs sempre tentaram obstruir a difusão de tecnologias de gravação doméstica. E sempre usaram políticos para aprovar leis que as beneficiassem.

Nada, entretanto, é comparável  às medidas internacionais que a Associação da Indústria Discográfica Norte-americana (RIAA), a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), a Motion Picture Association of America (MPAA), a entidade que defende os interesses dos maiores estúdios produtores de filmes dos EUA propuseram em 2008 ao G8 (o então grupo do países mais desenvolvidos e Rússia).

O grupo apoiou desde aquele ano o estabelecimento do ACTA – “Anti-Counterfeiting Trade Agreement”, um Tratado de Comércio Anti Pirataria, negociado sigilosamente entre vários países nos últimos anos.

Se cumprido ao pé da letra, promoveria a existência de um Estado policial digital que deveria obrigar todos os países a tomar severas medidas para coibir ou restringir o uso de equipamentos, formatos de arquivos ou procedimentos que são habitualmente realizados por milhões de pessoas ao redor do planeta, atacando fortemente as liberdades.

O objetivo do ACTA (assinado por 32 países a partir de 2011 mas ainda não em vigor por falta de ratificação) é proteger a propriedade intelectual e exigir que provedores de Internet exercessem vigilância cerrada sobre seus assinantes, ignorando as liberdades individuais, o direito à privacidade e a neutralidade da rede.

Tais medidas dividem-se em três grandes grupos:

  • Alfândegas – funcionários de alfândegas revistariam aparelhos eletrônicos tais como celulares e notebooks em busca de violações de direitos autorais. Se encontrado algum indício o aparelho poderia ser confiscado ou destruído e o portador seria multado.
  • Cooperação dos Provedores – os provedores de serviços à internet deveriam ser obrigados a fornecer informações de seus clientes às autoridades, mesmo sem mandato ou aval da justiça.
  • Entidades de Fiscalização – previa-se a criação de uma agência que implementaria medidas para fiscalizar e regulamentar as medidas que seriam tomadas.

É importante lembrar que há outras exigências que incluiriam até a permissão para que autoridades judiciais pudessem dar continuidade a processos sem, sequer, identificar os processados.

No Brasil, um projeto de lei de 2009, do então senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), apelidado de “AI- 5 Digital”, pretendeu criminalizar práticas cotidianas na Internet, tornar suspeitas as redes P2P (peer-to-peer) e impedir a existência de redes abertas. Ainda mais: objetivava criminalizar o acesso a sistemas informatizados e dispositivos de comunicação sem a autorização do titular da rede.

A proposta representou um salto de qualidade: não se tratava mais de criminalizar a pirataria, que copia em série para posterior venda, mas de impedir até uma cópia única e seu compartilhamento sem objetivos comerciais. Assim, mesmo um consumidor que tivesse adquirido um produto original não poderia fazer uma cópia para backup ou para uso pessoal.

Após grande mobilização social, o projeto foi derrotado. A luta foi o estopim da discussão que originou o Marco Civil da Internet, com o objetivo de resguardar os direitos de cada cidadão, a sua liberdade de expressão e o seu acesso ao conhecimento.

(na segunda parte do ensaio será apresentada a estratégia dos grandes grupos para garantir o máximo lucro para si e o que está em jogo nos projetos do Software Livre em contraposição ao das corporações)

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3 comentários para "Pequeno guia sobre o Software Livre (1)"

  1. Fatima Conti disse:

    Oi Natal
    Muito agradecida.
    Tomara que os auxiliem.
    Se tiverem sugestões, positiva ou negativas por favor, mandem-me 🙂

  2. Natal Mauro Vanzelotti disse:

    Trabalho esmerado e que certamente me possibilitará forma de discussão contínua e plena de lógica, ao nosso grupo inter-familiar.
    OBRIGADO. NMV_PO-RS

  3. Fatima Conti disse:

    Não tenho como agradecer a Mauro Lopes pelo trabalho de leitura e pelas inúmeras sugestões, que sempre deixaram o texto mais objetivo e claro e pela amizade.

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