Obama após o desastre

Derrotado por uma oposição primitiva e por sua tendência à conciliação infinita, presidente está numa encruzilhada. Terá disposição para mudar?

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Por David Corn, em Mother Jones

O resultado das eleições norte-americanas em 2 de novembro não surpreendeu. Um tsuname de descontentamento, alavancado pelo movimento de direita Tea Party, varreu a maioria do Partido Democrata na Câmara de Representantes e erodiu muito do terreno da agremiação no Senado. Foi um resultado histórico. As sondagens iniciais indicavam que o Partido Republicano iria tomar cerca de cinquenta cadeiras na Câmara e conquistar maioria naquela casa. Líderes destacados dos democratas – Alan Grayson na Flórida, John Spratt na Carolina do Sul e Tom Parriell em Virgínia – perderam. Rand Paul, um expoente do Tea Party, tornou-se figura destacada, conquistando uma cadeira de Kentucky no Senado. Russ Feingold, um senador progressista e não-alinhado, eleito por três mandatos pelos democratas, foi batido. Candidatos republicanos com laços evidentes com corporações e lobbies venceram. Michele Bachmann, uma deputada republicana reeleita, comandará um grupo apreciável de adeptos do Tea Party na Câmara. Os republicanos obtiveram vitórias significativas em disputas por governos e legislativos estaduais, posicionando seu partido com força em Estados-chaves.

E tudo isso era previsível. Com a persistência de altos índices de desemprego, as pesquisas indicaram por meses – mais de um ano, talvez – que Obama e o Partido Democrata tinham se colocado à beira de um abismo. Ainda assim, o presidente e seus estrategistas – David Axelrod, Rahm Emanuel e outros – foram incapazes de encontrar uma rota segura. Em certos momentos, pareceu que não estavam empenhando-se a fundo – como em agosto, quando a Casa Branca não fez nada em especial para se preparar para as eleições.

Em seus primeiros dezoito meses de mandato, Obama obteve conquistas impressionantes. Uma lei de estímulo à economia que poupou ou criou milhões de empregos (ainda que insuficientes). Uma reforma no sistema de Saúde que inclui avanços significativos (embora também contenha recuos difíceis de entender e descarte a opção pelo sistema público). Uma reforma das instituições financeiras que montou uma nova agência de proteção aos consumidores de produtos financeiros (mesmo que não tenha definido regras de controle suficientemente fortes.

Mas o presidente, capaz de apresentar uma narrativa tão forte enquanto candidato, permitiu que dois parlamentares republicanos (o deputado John Boehner, de Ohio e o senador Mitch McConnell, de Kentucky) manobrassem às suas custas. O Partido Republicano fez tudo o que podia para bloquear a agenda de Obama, e ao final alegou não haver conseguido. Seus líderes mentiram sobre as medidas de estímulo (assegurando que elas não foram capazes de gerar empregos). Além disso, seus líderes facilitaram e saudaram as críticas do Tea Party, que apontaram a falsa criação de “painéis da morte” pela reforma e compararam os democratas que apoiaram o projeto a “nazistas”. Obama nunca os contestou com força.

Se o presidente – a pessoa com o poder da palavra – continuar fracassando em definir a oposição em termos claros, ela vai continuar sendo capaz de descrevê-lo. Confrontado com a damagogia, subversão e obstrução dos republicanos, Obama venceu batalhas legislativas – sua maioria era suficiente para tanto – mas nunca conseguiu vencer a narrativa.

Enquanto isso, as alegações dos republicanos (“socialismo”, “ausência de novos empregos”, “gastos excessivos”) impuseram-se e alimentaram as fogueiras do Tea Party. Fiel a sua inteção de superar as diferenças partidárias, Obama insistiu em negociar com o outro lado pelo bem da nação. Em alguns momentos, ele deafiou os adversários, mencionando sua obsessão em dizer “não”, mas não manteve a coerência. Depois de denunciá-los, negociava com eles (quase sempre para nada). No máximo, apresentou uma mensagem dúbia. Os resultados foram óbvios. O grito republicano (Não a Obama!) venceu facilmente a fala balanceada do presidente (Devemos Trabalhar Juntos e Ter Paciência, Mas O Outro Lado Às Vezes Não Colabora).

Agora, Obama tem diante de si uma escolha dura. Manterá a mesma postura, mesmo com as bancadas republicanas na Câmara e Senado ainda mais voltadas para a direita? Ou reavaliará o discurso e adotará um tom de disputa? É verdade, como dizem os eruditos convencionais, que o eleitorado norte-americano não gosta de confrontos em Washington. Mas se Obama – o homem com o poder da palavra – fracassar em definir a oposição claramente, ela vai continuar a defini-lo (e suas iniciativas) em seu próprio proveito.

Trata-se de algo muito maior que as disputas entre partidos e as eleições de 2012. Tem a ver com política. Com o domínio republicano na Câmara, as conquistas de Obama estão ameaçadas. Os republicanos podem não tentar destruir toda a reforma da Saúde (alguns parlamentares eleitos pelo partido propuseram esta atitude extrema, na noite da eleição). Mas podem tentar limitar ou restringir o financiamento de vários dos programas criados pela lei. O mesmo em relação à reforma dos controles sobre Wall Street e o pacote de estímulo à economia.

Para proteger estas e outras vitórias políticas, Obama terá de se envolver em batalhas com os republicanos (no Senado, extremistas como Rand Paul podem recorrer a uma série de chicanas parlamentares para paralisar toda e qualquer legislação. Se eles bloquearem a elevação dos limites de endividamento, podem precipitar uma crise econômica global).

Mas nos dias que antecederam as eleições, Obama ainda emitia sinais de que Eu-posso-trabalhar-com-eles. Ele disse ao New York Times que estava otimista sobre a possibilidade de encontrar pontos em comum com os republicanos após as eleições: “Pode ser que, a despeito do que ocorra depois do pleito, eles sintam-se mais responsáveis. Ou por não quererem agir de modo previsível; ou porque a estratégia de dizer não a tudo e lançar bombas pode não fracassar; ou por terem refletido melhor. Nesse caso, a sociedade esperará deles propostas e trabalho sérios”

Ou seja: Obama ainda não percebeu que o Partido Republicano, influenciado pelo Tea Party, tentará, manterá, depois das eleiçẽos, a estratégia de bloquear suas iniciativas principais. Na verdade, a influência da extremadireita será ainda mais forte, depois das eleições, o que significa uma obstrução mais intensa. (Depois que esta entrevista foi publicada, um estrategista do Partido Democrata queixou-se comigo: enquanto ele buscava recursos apontando os republicanos como oponentes implacáveis das políticas do presidente, Obama sabotava esta mensagem ao descrever os oponentes como gente razoável…).

Quando indagado, semana passada, se o presidente seria capaz de trabalhar com uma bancada republicana fortalecida e ainda mais conservadora no Congresso, o assessor de imprensa da Casa Branca, Robert Gibbs, não teve muito a dizer: “Caminhamos para uma situação… na qual só será avançar desenvolvendo – onde possível – trabalho comum”. Gibbs não entendeu que Obama enfrentará uma parede de oposição. Mais ainda: a oposição terá dois componentes terríveis para a Casa Branca. Os republicanos recém-eleitos, mais à direita que a bancada atual do partido; e os veteranos na Câmara, veteranos que devem ter aprendido com os excessos de 1990, quando Newt Gingrich liderou o partido. Uma oposição cheia de fervor ideológico e ao mesmo tempo mais segura, não é uma boa receita para a Casa Branca.

Em seu primeiro ato, Obama apresentou-se – como candidato – com alguém que poderia enfrentar o rancor de Washington. Em seu segundo ato – como presidente com ampla maioria na Câmara e Senado – ele venceu batalhas legislativas com suas táticas ambíguas, mas perdeu a guerra política para uma oposição rude e feroz. Seu próximo ato – como um presidente diante de imensos problemas, desafiado por uma Câmara hostil – requer uma postura inteiramente nova. Se Obama não a adotar, talvez não haja um quarto ato.

David Corn é chefe da redação da revista eletrônica Mother Jones em Washington. Seus artigos (em inglês) podem ser lidos aqui.

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