O Pena Carioca, ou tudo como antes

Ao encenar, no Rio, trechos de obras de Martins Pena, grupo chama atenção para autor crítico e versátil que iniciou, há dois séculos, comédia de costumes brasileira

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Por Wagner Correa de Araujo

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O Pena Carioca está em cartaz no Rio de Janeiro até 25 de Outubro

Teatro Poeira, Botafogo (veja mapa),

De quinta a sábado, às 21h; domingo, às 19h.

151015-PenaCariocaSob a égide inspiradora de Gil Vicente, de Antônio José da Silva e de Molière aparece o iniciador da comédia de costumes brasileira – Martins Pena (1815-1848). Na instantaneidade de sua trajetória teatral deixou uma obra testemunhal que ainda incursiona por nossos palcos, quase duzentos anos depois de produzida.

Sob a aparente ingenuidade de suas tramas rocambolescas destacou-se pela singularidade de seu mix ironizado das nuances predominantes do teatro de então (ópera, comicidade burlesca, vaudeville, drama romântico e realista). Jamais abriu mão da verdade crítica, de dizer o que não era para ser dito, de rir de sua época, ainda que lhe chamassem apoquentador das práticas morais e sociais de seus contemporâneos.

E, mesmo com seus jogos verbais de dúplice sentido e seu coloquialismo sem disfarces, ainda assim sofreu cortes censórios e advertências jurídicas na classificação de “impudentíssimo”.

Há que se destacar, outra vez, o empenho mais que meritório do diretor Daniel Herz e suas maravilhosas “máquinas teatrais” – os “Atores de Laura”, na incisiva caracterização de máscaras (Diego Nardes) e trajes quase clownescos (Antonio Guedes) visualizando, estética e dramaturgicamente, “O Pena Carioca”.

Na reunião de três exemplares peças clássicas, sem a poeira do tempo na exatidão de seu tempo cômico, quantas vitórias neste olhar independente, risível e amoroso sobre as diversas camadas sociais. Presentes na rusticidade desafiante de A Família e a Festa na Roça (1838), O Caixeiro da Taverna (1845) e Judas no Sábado de Aleluia (1846).

De largo alcance, ora na espontaneidade de um elenco afinadíssimo de unicidade performática indissociável (Ana Paula Secco, Anderson Mello, Gabriela Rosas, Leandro Castilho, Luiz André Alvim, Márcio Fonseca e Paulo Hamilton). Ora na precisa atemporalidade da trilha ambiental (Leandro Castilho) e na funcional discrição das luzes (Aurélio De Simoni).

Mas é a arrojada envolvência da arquitetura cenográfica (Fernando Mello da Costa) na tríade (manequins/figurinos/personagens), apoiada em expressiva gestualidade (Duda Maia), que revela, na surpresa inventiva da sua marcação cênica (Daniel Herz), a inteligente evocação da atualidade deste “Pena Carioca”.

Com seus pais e filhos, velhos e jovens, patrões e empregados, pobres e novos ricos, juízes e políticos, na dialética do poder e na retórica do suborno, enfim, igual a tudo como antes…

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