O MMA sem preconceitos

Por que passei a acompanhar esportes de combate e pensar que podem ajudar a entender nossa cultura e organização social

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Por Marília Moschkovich, editora de Mulher Alternativa

Nunca pratiquei uma luta, nem estudei a fundo a sociologia do esporte. Ressalto aos leitores, portanto, que minha opinião é a de uma espectadora que por acaso é também socióloga. Até o início de 2010, esta espectadora socióloga que aqui escreve não havia tido maiores contatos com esportes de combate. Em meu preconceito, à época, este tipo de esporte era uma violência, uma selvageria – características que em minha ignorância eu também associava ao público das lutas.

Comecei a namorar meu atual marido, que de violento e selvagem não tem nada (muito pelo contrário, aliás, é uma pessoa “civilizada”, gentil, divertida) e meu preconceito caiu por terra: ele é e já era havia muitos anos, quando o conheci, fã incondicional de Mixed Martial Arts (MMA ou ainda Artes Marciais Mistas). Aos poucos, fui sendo apresentada às regras do esporte, a suas medidas técnicas de segurança, a sua história. Hoje assistimos em casa, pela internet ou em bares aos grandes eventos de MMA televisionados, como é o caso do famoso Ultimate Fighting Championship (UFC).

Preconceito é, no sentido literal, um conceito ou opinião definidos antes de se tomar conhecimento real de alguma cosia. Logo, conhecer o MMA é um passo fundamental para que nossas opiniões e o debate público em torno deste controverso esporte passem de meros preconceitos a um diálogo que pode nos ajudar a entender muito, inclusive, de nossa própria cultura e organização social. A quem interessar possa, descrevi bastante sobre esse processo de aprendizado e quebra dos meus próprios preconceitos com este que se tornou meu esporte favorito, enquanto espectadora (leia aqui). Talvez a reflexão seja útil a quem desejar questionar os próprios pontos de vista.

Preconceito é também o que norteia o projeto de lei de José Mentor (PT-SP), que ele defende com argumentos como este: “No Brasil, rinhas de galo e de canário são proibidas legalmente. Há cidades como São Paulo, por exemplo, que não permitem rodeios, porque ferem e machucam animais. Mas lutar MMA que maltrata, fere, machuca, lesiona, sangra o ser humano, pode! Rinha humana pode!” (leia o texto completo do deputado federal aqui). No sentido literal, o preconceito fica claro: numa rinha não há regras e os animais não possuem a capacidade racional, que nós possuímos, de segui-las. Tampouco os animais de rinha dispõem de uma série de dispositivos de segurança e regulamentação que poupam seus corpos da exaustão e morte durante ou após o combate. Além disso, não somos, nós, animais. Cada lutador, homem ou mulher, é um adulto responsável e autônomo que decide conscientemente jogar nestas regras.

Não desejo aqui perder o tempo de vocês (e o meu) com argumentos que me parecem, estes sim, se aproximarem das galinhas no quesito “tamanho e capacidade do cérebro”. Concentro-me sobre a reação forte de alguns grupos de pessoas (que este deputado provavelmente representa) à prática e exibição das MMA. A indignação e a reivindicação de que seria um esporte especialmente violento são frequentes. São também, uma bobagem sem tamanho.

A prática profissional de qualquer esporte de alto rendimento representa riscos ao corpo. Deforma, força, exaspera, cria lesões, arrisca. Por isso, quando uma reportagem do portal iG se pergunta se MMA seria um esporte para crianças (leia aqui), respondo na lata: depende da intensidade da prática. Como qualquer esporte. Por que não nos perguntamos se futebol é esporte para crianças, uma vez que sequencialmente assistimos jogadores lesionados gravemente e até mortes em campo? Simples. Porque sabemos que a prática nas escolinhas de futebol (ou em algumas delas, devo dizer) não é de alto rendimento. Não tem a mesma intensidade de treino exigida em times profissionais. Ora, no MMA pode valer o mesmo.

O famoso lutador Vitor Belfort chegou a comparar os esportes, também buscando desmistificar a ideia de que o MMA seria especialmente violento: “O que eu faço não é violento porque tem regra. Pode ser agressivo. Mas é agressivo você pilotar um carro a 300 quilômetros por hora ou andar em cima de uma bicicleta a 100. O futebol é mais violento que o MMA. O futebol americano, o hóquei, o rugby, o ciclismo, todos esses são mais violentos. Se você procurar a definição de violência no dicionário, vai ver que é algo como ‘empregar força física contra alguém ou intimidar moralmente com crueldade’. Violência é um ato infringido contra o outro sem regra” (leia o texto completo aqui).

Poderia-se argumentar, por outro lado, que a exposição à violência, ainda que regulamentada, interferiria negativamente no desenvolvimento de crianças e adolescentes e incentivaria até adultos a praticarem este tipo de ato. Ora, mesmo se o MMA for considerado violento, ele não é nem de longe a primeira e muito menos a pior cena de violência a que estamos expostos todos os dias. Seja na televisão, no cinema, nos videogames ou nas ruas. Violência é um homossexual espancado por mês na Paulista. Uma ciclista atropelada brutalmente. A polícia jogando bombas sobre uma favela cheia de crianças e civis. Espancando dependentes de crack no centro de São Paulo.

Mesmo com toda esta violência de fato, não nos tornamos mais violentos do que em outras épocas. Nem menos. A violência existe e é parte integrante de nossa sociedade. Se é necessária, não sei. Ela existe e está aí. Penso que seja nossa opção mais saudável tratá-la com as regras, disciplina e a ética de uma prática esportiva, ou com o imaginário simbólico de um videogame ou produção artística (peça de teatro, filme, literatura).

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14 comentários para "O MMA sem preconceitos"

  1. Carlos F. disse:

    Texto indigno de uma pessoa que se diz pesquisadora. Puro “whataboutism”, falácias, falsas analogias, afirmações generalistas e com zero de evidências científicas.
    O MMA precisa de uma defesa mais qualificada do que isso – se tiver, é claro. Algo me diz que não tem.

  2. Artur Sousa disse:

    Ótimo texto, Marília!
    Acho que as pessoas que possuem muito preconceito precisam se aproximar mais de diferentes práticas esportivas sérias.

  3. Érico disse:

    Parabéns pela texto e pelo blog. Como fã de MMA e artes marciais em geral, sempre fico feliz em ver textos muito bem escritos sobre o tema. Também a parabenizo pela evolução em se livrar de preconceitos… a cada dia me dispo mais dos meus e não pretendo parar! 😉

  4. osvaldino disse:

    a globo manda no pais vão usar um monte de argumentod fajutos para o mma não ser proibido

  5. Thalita disse:

    Não, não dá.
    Grande coisa que tenha regras. Isso não diminui em nada meu espanto em ver que o ser humano, depois de tanta oportunidade pra evoluir, insiste em se agarrar a fatores antropológicos pra justificar sua selvageria. Não gostar da luta não é sinônimo de ter preconceito contra ela, é simplesmente uma opinião, mais ainda, um direito que (ainda) temos.
    Expor a violência na TV e enchê-la de regras e purpurina não vai contribuir em nada para diminuir a violência nas ruas, nas casas, nas escolas.

  6. malu disse:

    esse comentário da vina é realmente ASSUSTADOR ou eu entendi tudo errado? ela diz que é normal um homem estuprar se tiver meios para isso e que valor éticos e morais não conseguem frear? que coisa doente!

  7. Como não estou com muito tempo, vou comentar brevemente aqui. Depois, se conseguir, embaso melhor o argumento.
    Mas -uma primeira observação a se fazer- não considero relevante querer sustentar a argumentação com base numa definição de dicionário, ainda mais sobre algo tão complexo como a violência humana. Flerta com o simplismo. Sei, por outro lado, que não é um argumento próprio da autora; fechar, no entanto, a discussão em cima desse tema com base na fala de um terceiro mais parece neutralizar a discussão do que encará-la de fato.
    Além disso, comenta-se sobre o fato de a violência, no caso desse esporte, estar sujeita a regras. Deve-se constatar que em outros esportes também existe um regulamento para que haja coerência mínima durante a prática, mas são regras geralmente as quais incidem sobre o coletivo. No caso de um esporte individual, com todo o holofote que existem sobre essas lutas, parece o espetáculo, com o respaldo de um artifício jurídico, motivador do exercício -mais do que esportivo- da disciplina sobre os corpos.

  8. Vina Guedes disse:

    O estado primitivo do homem é externar a sexualidade e a agressividade. Somente o homem adestrado consegue deter a manifestação da agressividade ou da sexualidade. Não se tem notícias de um homem que deixou de estuprar a filha, a sobrinha ou a enteada, a vizinha,porque fez uso dos princípios morais e éticos da sociedade. Não o homem não consegue deter a ereção e não estuprar a enteada,ou a menina ou mulher que estiver ali no momento oportuno e com os meios necessários para dar continuidade à pulsão maior de vida que é o orgasmo. A mesma coisa acontece com a agressividade. É da natureza biológica do homem, a força, a violência, e concomitantemente o esternar dessa pulsão primitiva também. É o maior espetáculo da terra o MMA, homens fortes, treinados, com garras de vencedores, com pulsões de serem os melhores, de detonar o adversário, com golpes lindos de “guilhotina” aniquilamento por enforcamento e outros que ainda não decorei o nome.É ali naquele octodromo que eu mais amo os homens. Eles poderiam acabar com o mundo com tanta destreza, força, técnica e coragem. No entando são educados, obedientes, adestrados e meigos.é meigos sim, pois depois de trucidar maguinificamente o adversário, ele vai lá abraça-lo e reverencia-lo.

  9. Paulo disse:

    “A violência existe e é parte integrante de nossa sociedade. Se é necessária, não sei. Ela existe e está aí.” De acordo, Marília e colega de ofício. Mas, se me permite, eu iria um pouco além do seu texto bem argumentado, para entrar no campo das escolhas que podem, ou não, melhorar nossa sociedade.
    Existem pessoas que podem jogar um videogame violento e desligar o pc sem maiores alterações de humor. Mas existem aquelas que se inspiram nos jogos e esportes (MMA inclusive), para se ‘formatarem’ diante da sociedade, seja pela personalidade instável, autoafirmação ou coisa do tipo. Fica para os ‘psi’ explicarem melhor.
    De fato, não é preciso discriminar ou ter algum preconceito contra os esportes violentos, já que – sem dúvida !! – a violência está no dia a dia, do trânsito a ação policial tupiniquim, com exceções esporádicas.
    A pergunta que eu faria é: precisamos disso ? Extravasar a agressividade é necessária, mas a violência é expressão de um patamar patológico da agressividade (individual ou social).
    Vivemos em cidades repletas de predadores bípedes, com e sem terno e gravata, jaleco ou farda. Caberia, talvez, aprofundar essas reflexões pelos caminhos da ‘função catártica’ e da ‘função mimética’. Purificar as emoções, ou trazer a violência visual ou ficcional para a realidade cotidiana ?
    Parabéns pela coragem de trazer o tema para a reflexão !

  10. Tadeu disse:

    Oi, Marília.
    Li ontem o artigo do José Mentor na Folha de S. Paulo e também fiquei com uma pulga atrás da orelha (uma pulga bem parecida com a sua) em relação ao projeto de lei que pretende proibir as transmissões de MMA no Brasil. Como vc bem pontuou, o argumento do parlamentar comete uma falha colossal ao chamar o MMA de Vale-Tudo e dizer que os combates não têm regras. O MMA tem regras (tem árbitro e nocaute técnico, oras) e muito do seu atual sucesso e massificação se deve, acredito eu, à “humanização” pela qual passou nos últimos anos: deixou de ser Vale-Tudo (quando permitia coisas tenebrosas, como dedo no olho, chute no saco e pisões na nuca, e não havia sem juiz) para se transformar num combate violento, sim, mas com regras. Ou seja, com limites.
    Talvez o MMA, hoje, esteja vivendo o que o Boxe viveu no começo do século 20, quando começou a se popularizar. O Boxe é violento, provoca sangramentos e até mortes (o Popó já matou um cara no ringue), mas já está enraizado em nossa cultura. Certamente, não foi sempre assim.
    Também concordo com vc quando diz que o MMA – e seu sucesso arrasador por aqui – pode dizer muito sobre o Brasil. Afinal, deve existir alguma coisa estranha numa sociedade que tolera (e pede) sangue e pancadaria na televisão mas que, até hoje, não aceitou, por exemplo, um beijo gay na novela das oito — que, em todo caso, não passa de uma demonstração de amor.
    Abraço,

  11. Renatoo disse:

    muito claro, justificou a violência e a agressão , com a própria violência da sociedade…triste…

  12. Leonardo Righesso disse:

    Perdão, mas não consigo concordar com o exposto.
    A autora tenta justificar a agressividade deste esporte só porque há outros mais violentos.
    Um erro não justifica o outro!
    Esporte é para ser um lazer, algo para promover a saúde, e não a perda dela!
    Aí logo vem aquele argumento:”Ah, então vá jogar tênis!”
    Eu vou mesmo!
    Nunca me machuquei (muitos menos machuquei alguém) jogando tênis ou nadando, por exemplo.

  13. agora o agressor, além de agredir, é vítima de preconceito, boa essa!

  14. cara, difícil entender mesmo por que o brasileiro quer resolver tudo no grito e na porrada… tem muito mistério nisso, de fato…
    e por que tem tanta gente que acha engraçado quebrar os dentes dos outros só para vê-los desdentados? na mais pura banalidade?..
    na verdade há gentileza seletiva, nada mais.
    preciso de muito estudo mesmo para compreender o mal, de acordo com muitos especialistas, ele não concede entendimento.
    aposto que a autora nunca viveu uma intimidação aberta de quem já sabe que vai vencer a rinha, né não?
    (consegui que parecesse ironia?)

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