O emblemático Oscar de Melhor Atriz

Pergunta que não quer calar: a escolha da Academia levaria em conta algo mais, além da capacidade de interpretar?

Kate Winslet, que ganhou o prêmio em 2009, por sua atuação em “O Leitor”

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Por Marília Moschkovich, editora do site Mulher Alternativa

Vamos falar de amenidades – quem me dera amenidades de fato existissem. Se a gente para pra pensar e perguntar criticamente, nada mais escapa, nem o Oscar. O assunto “quente” surgiu aqui no Outras Palavras com Bruno Carmelo explicando tim-tim-por-tim-tim o que é que significa, afinal, essa premiação (e em que ela se parece com toda outra premiação, cultural ou não). Vale a leitura.

Entre as dezenas de reflexões do texto, uma não me fugiu da cabeça: a habilidade de atuar, no Oscar, é a única categoria de premiação que tem separação entre homens e mulheres (e como ontem foi Dia Nacional da Visibilidade Trans, aproveito pra indicar esse texto, que mostra que nem mesmo essa separação é tão simples, óbvia e amena assim).

Não há um prêmio para “melhor diretora mulher” diferente do prêmio para “melhor diretor homem”, por exemplo. Por que é que a habilidade de atuar estaria necessariamente ligada à classificação sexual das pessoas? A única resposta possível me parece: no caso das mulheres, nem só a habilidade de atuar está em jogo. Será?

O Instituto Geena Davis de Gênero na Mídia (Geena Davis Institute on Gender in Media) publicou, em 2008, uma nota à imprensa informando que enquanto os homens têm pouco mais de 3% de probabilidade de serem representados nos filmes de cinema com corpos idealizados surreais, para as mulheres estas chances são de mais de 10% — ou seja, três vezes mais altas. Isso pode indicar que, de alguma forma, o trabalho de atriz de cinema em Hollywood, para as mulheres, se vincula mais fortemente a um padrão de beleza muito pouco flexível. Isto não é tudo.

Outro estudo, de 2010, da mesma organização, mostrou que apenas cerca de 30% dos personagens com falas, nos cem filmes de maior bilheteria em 2007, eram femininas. Entre os profissionais que de fato encabeçavam os projetos dos filmes (diretores, roteiristas e produtores) essa proporção era ainda menor: 17%.

Geena Davis, fundadora do instituto, é atriz e já ganhou um Oscar. Caso não se lembrem ou não tenham vivido os anos 90, vale avisar que ela estrelou vários filmes feministas. Thelma & Louise é um clássico, mas também é possível vê-la como uma jogadora de beisebol de um time feminino pioneiro (ao lado de Madonna: não percam esse filmaço que em português ficou chamado de Uma Equipe Muito Especial) ou como uma pirata corajosa em A Ilha da Garganta Cortada. A organização surgiu de uma inquietação sua ao tentar encontrar representações igualitárias de homens e mulheres em filmes infantis assistidos por sua filha.

Não é preciso muito estudo e pesquisas aprofundadas pra perceber, porém, que há um certo padrão de beleza na premiação de Melhor Atriz. O pôster abaixo, publicado originalmente no Facebook, mostra como as “belezas” entre ganhadores da categoria masculina (Melhor Ator) são muito mais variadas do que entre as mulheres. Mesmo entre as indicadas ao Oscar de Melhor Atriz, a única que realmente foge deste padrão na última década parece ser Gabourey Sidibe, protagonista do filme Preciosa (fica a dica: outra obra excelente).

Não pretendo, com esta curtíssima reflexão (que nem entrou no mérito, por exemplo, do racismo forte da academia, ainda mais acentuado e evidente na tal categoria Melhor Atriz), explicar a desigualdade de gênero presente na produção, execução e premiação dos filmes de Hollywood. Mas dizer que ela existe. E está aí para pensarmos – e muito – no que diz sobre quem somos, enquanto sociedade, e o que consumimos.

Edições anteriores da coluna:

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7 comentários para "O emblemático Oscar de Melhor Atriz"

  1. Cayo Candido disse:

    Como já lembraram, as fotos escolhidas estão um tanto enviesadas. É claro que as atrizes estão lindas e maravilhosas, mas nem todos os papéis foram iguais. Helen Mirren (que já passou dos 40 faz tempo) teve que se travestir de rainha da Inglaterra e Marion Cotillard fez uma Édith Piaf decadente, no entanto, não se nega a branquidão/juventude da premiação (das dez citadas, somente uma negra e somente uma senhora).
    A premiação talvez esteja indo não para as mulheres bonitas, mas sim para as mulheres bonitas que conseguem se enfeiar. “Como essa mulher linda conseguiu ficar tão feia? Só pode ser boa atriz!” e as indústrias que ganham vendendo padrões de beleza vão andando de mãos dadas com Hollywood.

  2. Emerson disse:

    A Academia não pode inventar profissionais. Reclamam tb q poucos negros são indicados e que poucas mulheres foram indicadas à direção: é pqe a triste realidade é q ainda poucos(as) têm chance: é uma questão de coerência demográfica, uma realidade q a Academia não pode mudar.
    Acho pertinente a divisão em ‘ator’ e ‘atriz’: o sexo faz toda diferença na hora de compôr e avaliar o personagem assim como acho que atores com menos de quinze anos deveriam ter uma categoria separada: não há como incluir meninas de onze anos e Emma Thompson na mesma avaliação!!
    A idade, assim como o sexo, é relevante mas não é algo discriminatório: se trata de premiar de forma inteligente, dando um colorido ao resumo do que houve de melhor no cinema.
    Por fim, é bom lembrar que Marlyn Monroe nunca foi indicada ao Oscar e Katherine Hepburn, q não era exatamente conhecida pela sua beleza, levou 4 oscars: 3 deles, já em idade avançada…

  3. karen disse:

    Vale lembrar que Charlize Theron e Nicole Kidman ganharam o Oscar por pelos papéis nos filmes “Monster” e “As Horas”, respectivamente. Em comum, ambas tiveram que se “enfeiar” para a interpretação dos papéis. Agora, não acredito que a premiação tenha a ver com beleza, pois esta é uma condição em Hollywood. Dá pra contar nos dedos quantas atrizes feias com papéis de destaque a gente conhece, não é mesmo?

  4. Francine Barbosa disse:

    Oi Marília!
    Acho que é assim: pra ser vencedora do Oscar não importa diretamente ser jovem e bonita. Porém Hollywood quase sempre faz filmes com protagonistas homens, e quando as protagonistas são mulheres, essas personagens jovens e bonitas (e brancas). A Susan Sarandon, por exemplo, já reclamou que após fazer 40 anos teve dificuldade de encontrar papéis principais, mandavam sempre roteiros em que ela seria a mãe de um protagonista homem de 20 anos. Outras atrizes acima dos 40 já reclamaram disso também (não tenho os links com essas declarações aqui, posso procurar depois).
    Então dá nisso. Se os grandes papéis femininos em Hollywood são escritos para mulheres jovens e bonitas (ou seja, isto esta na descrição da personagem) isso reflete-se no Oscar. Daí que bons agentes vão procurar atrizes neste perfil para agenciar, e os estúdios vão investir nelas, ou seja, toda a indústria do cinema naquele lugar trabalha nesse esquema de exclusão de mulheres mais velhas.
    Daí você entende que “Precious” foi produzido pela Oprah. Se não fosse ela ninguém toparia. E se não fosse a visibilidade e o marketing que giram em torno dela a Gabourey Sidibe dificilmente teria sido indicada, porque dificilmente esse filme seria produzido! Hollywood é uma indústria e acho que a gente tem que pensar que o Oscar é reflexo disso (não só os jurados portanto).
    beijos!
    Francine.

  5. Vitor disse:

    Bom, vale lembrar também que a maioria dessas atrizes vencedoras foram transformadas fisicamente para seus papéis. A maioria delas para visuais mais comuns. Outras para mais velhas ou até grotescas.

  6. Elaine disse:

    Não sei se foi proposital, mas a atriz de Preciosa se chama Gabourey Sidibe, no texto está FULANA.

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