O darwinismo social

.

Para a Globo Filmes, o homem do futuro, aquele idealmente inserido na sociedade, é o malandro carioca.

Por Bruno Carmelo, editor do blog Discurso-Imagem.

Haveria diversas maneiras possíveis de se analisar a estreia O Homem do Futuro. A primeira seria pelo gênero de ficção científica, ilustrado por um grande número de raios laser, equipamentos mirabolantes e vocabulário convenientemente alheio ao seu público-alvo, com o intuito de impressionar mais do que esclarecer (“aceleradores de partículas”, “equações da matriz matemática” e equivalentes). Também poderia se esquecer a parafernália dos efeitos especiais e se concentrar apenas no amor romântico, com seus grandes mitos todos condensados aqui, de Romeu e Julieta a Tristão e Isolda.

Mas talvez o mais interessante seja observar o próprio título e a significação que ele apresenta dentro dessa história. Afinal, existem três homens apresentados nesta trama, todos interpretados por Wagner Moura, em diferentes momentos da vida, em idas e voltas no tempo. O ator foi provavelmente instruído a atuar como se estivesse numa história em quadrinhos ou num episódio dos Trapalhões, cheia de chiliques, atrapalhada, exagerada como ele raramente faz.

Passado o choque inicial com este personagem-marionete, resta  a percepção de uma “evolução natural” apresentada entre estes três tipos de homem, uma espécie de darwinismo concebido pela Globo Filmes, um estudo da evolução no masculino singular (porque a personagem feminina, coitada, é limitada a ser bela, a ser a santa-prostituta que nunca muda mesmo quando seu parceiro evolui).

O primeiro homem existente é o cientista íntegro. Ele é marcado pelos traços mais caricatos da inteligência: óculos, higiene precária, sem vida social nem afetiva, apaixonado pelos números, gênio intempestivo e incompreendido. Esta versão da masculinidade é desprovida de sedução, mas não de libido (ele transa com prostitutas). Acima de tudo, ele é triste, insatisfeito por ainda não ter descoberto a tal máquina de viajar no tempo. Esta figura masculina é a do nerd, do geek, do indivíduo que muitos filmes independentes aprenderam a amar e cultuar, mas que aqui será apresentado como alternativa inviável. Por isso a narrativa o abandona, e pensa em outro projeto.

O segundo homem é radicalmente oposto. Ele soube usar a tecnologia de ir e vir no tempo para aprender os fatos futuros e especular na bolsa de valores atual. Este homem de negócios é arrogante, vil, mesquinho e seu sucesso é diretamente relacionado com a perda de caráter. Por esta razão, ele também perde sua vida afetiva e social, também transa unicamente com prostitutas. Por caminhos radicalmente diferentes, estes dois projetos de homem são mostrados como fracassos idênticos. Nem a integridade romântica nem o pragmatismo capitalista são soluções satisfatórias neste filme – é preciso negar esta bipolaridade tradicional e buscar um novo rumo.

Pois neste momento a narrativa surpreende, cria uma mudança radical na conclusão e torna vencedor um outro protagonista, espécie de síntese pós-moderna dos últimos dois. O homem vencedor, que termina com amigos, com a mulher dos sonhos, com grana, limusine e champanhe nas praias do Rio, é o protótipo do malandro, aquele sujeito malicioso que dá um jeitinho, de maneira obviamente ilegal, e termina enganando a todos – inclusive ao público.

Este “homem do futuro” não é o vilão em busca do dinheiro, nem o pobre sonhador, e sim um tipo dissimulado, que finge ser gênio diante dos especuladores da bolsa, e usa sua habilidade da bolsa dentro da física quântica. O humano que supera a seleção natural, neste caso, é o mentiroso, o “adorável enganador”, aquele que retira uma solução incrível (e inverossímil) da cartola quando todos os caminhos pareciam fechados. Tanto o gênero da ficção científica quanto o da comédia romântica, acostumados com figuras maniqueístas e idealizadas, têm que acomodar de agora em diante este novo androide, não mais uma mistura de humano e robô, mas uma mistura de integridade e ganância, um lobo em pele de cordeiro.

 

O Homem do Futuro (2011)

Filme brasileiro dirigido por Cláudio Torres.

Com Wagner Moura, Alinne Moraes, Maria Luiza Mendonça, Gabriel Braga Mendes, Fernando Ceylão.

Leia Também:

2 comentários para "O darwinismo social"

  1. beatriz disse:

    o que e isso

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *