O Concurso e os limites da neochanchada

Além de extrema pobreza de ideias, filme de Pedro Vasconcelos massacra público com sucessão de clichês de péssimo gosto

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Além de extrema pobreza de ideias, filme de Pedro Vasconcelos massacra público com sucessão de clichês e piadas batidas e de péssimo gosto

Por José Geraldo Couto, no blog do IMS

A comédia brasileira da vez, ao que parece, é O concurso, de Pedro Vasconcelos. Muito bem. Entrei no cinema imbuído de curiosidade, paciência e boa vontade. Antes mesmo de o crítico Jean-Claude Bernardet passar um pito na intelectualidade brasileira que torce o nariz diante da recente onda de comédias de sucesso, esta coluna já vinha tentando separar o trigo do joio nessa seara, como atestam as críticas de Vai que dá certo e de Os penetras.

Mas vamos ao filme, que narra os dois dias e duas noites passados no Rio de Janeiro por quatro finalistas de um concurso para juiz federal. Três deles vêm de fora: um do Ceará (Anderson De Rizzi), um do Rio Grande do Sul (Fabio Porchat) e um do interior de São Paulo (Rodrigo Pandolfo). O único carioca da turma é um advogado de porta de cadeia (Danton Mello).

Talvez o fato de um mineiro (Danton) encarnar um carioca, um carioca (Porchat) representar um gaúcho e um gaúcho (Pandolfo) interpretar um paulista contribua para a falsidade da encenação, mas quem sabe seja apenas uma piada interna. Passemos ao largo também do absurdo de quatro semelhantes palermas serem os finalistas de um concurso para um dos cargos mais altos da nação. Afinal, não existe comédia sem alguma dose de falsidade e inverossimilhança.

No meio do caminho

O problema, a meu ver, é que O concurso fica no meio do caminho: nem se permite descambar para o nonsense total que caracteriza, por exemplo, nossas melhores chanchadas, ou os filmes dos irmãos Marx, nem tampouco constrói uma narrativa minimamente consistente. A partir de uma situação original – a reunião, no Rio, de quatro desconhecidos ao mesmo tempo cúmplices e concorrentes – resvala para um acúmulo de clichês (o gaúcho machão, o nordestino místico, o caipira tímido) e piadas batidas (o gaúcho machão que na verdade é gay, o mulherão que se revela um travesti, a palavra “vara” com duplo sentido jurídico e sexual, a ninfomaníaca que persegue o virgem relutante).

As tentativas de humor visual se resumem a cenas como uma luta marcial entre dois anões e um homem correndo sem as calças na pista lotada de um baile funk. Adivinhe qual é a música que um grupo de travestis põe para tocar no intuito de fazer um homossexual enrustido sair do armário. Se você acha que “I will survive”, com a Gloria Gaynor, seria uma escolha óbvia demais, errou, quer dizer, acertou.

Alguém dirá que o filme tem sua atualidade, por tratar de juízes federais, personagens em evidência nos últimos tempos. Para reforçar esse argumento, o chefe da banca examinadora é um magistrado negro, o que remete inevitavelmente ao presidente do STF, Joaquim Barbosa. Numa breve cena, o candidato do interior paulista é visto com um gibi do Batman nas mãos, o que reforçaria a referência. Mas a piada é desperdiçada, o motivo jurídico quase some, a paródia não se consuma.

Paródia e submissão

A paródia, aliás, sempre foi o procedimento básico das melhores chanchadas. Do faroeste ao drama histórico, passando pelo policial e pelo filme de aventuras, nossos cômicos sacaneavam as convenções e os clichês do cinema hollywoodiano. Faziam da falta de recursos materiais uma arma de desconstrução e derrisão.

Nas chamadas globochanchadas, ao contrário, o que se vê no mais das vezes é uma subserviência aos padrões e códigos do cinema hegemônico, quando não das sitcoms televisivas. Emulação em vez de subversão. Claro, o Brasil acaba entrando pelas frestas: a violência e o jeitinho, a linha tênue entre a lei e a contravenção, o improviso e a incompetência, tudo isso salta aos olhos. Continua válida a frase tão citada e tão mal compreendida de Paulo Emilio Salles Gomes segundo a qual o pior filme brasileiro nos diz mais respeito que o melhor filme estrangeiro. Mas isso está longe de significar que se deve ser condescendente com a produção nacional.

O Concurso não é propriamente uma “globochanchada”, já que não tem a Globo entre seus principais produtores, ainda que o diretor Pedro Vasconcelos seja oriundo de novelas e minisséries da emissora. Não importa. O fato é que, se escapa em parte (e apenas em parte) do tom histérico e do novo-riquismo das comédias de costume globais, o filme incorre na reiteração de estereótipos, na indigência de ideias e na mise-en-scène mecânica e sem inspiração da maioria dos produtos (esta é a palavra) do gênero.

Nada contra o êxito na bilheteria, que pode ser ótimo para as estatísticas da Ancine, para o mercado de trabalho do setor, para as divisas nacionais e para uma série de outras coisas. Só não sei, sinceramente, se traz algo de bom para a inteligência e a sensibilidade do espectador.

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Um comentario para "O Concurso e os limites da neochanchada"

  1. Bom texto, questionando a industrialização da imbecilidade. Algo interessante que me chamou atenção este ano: apesar do país estar produzindo cada vez mais filmes, poucos tem alguma projeção internacional. Por exemplo, não há nenhum longa brasileiro no Festival de Veneza, assim como não houve em Cannes. O diretor do festival francês inclusive, numa entrevista em abril (se não me engano), chamou a atenção para a baixa criatividade do cinema brasileiro atual, que se resume a copiar (há exceções, é claro.) Isto mostra que recursos financeiros e técnicos é apenas um quarto do necessário para produzir cinema de qualidade, em primeiro lugar precisa-se de cérebros, como afirmou o Gore Vidal em “Quem faz o cinema?”

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