O Brasil, EUA e o "Hemisfério Ocidental"

Washington deve sufocar militarmente ações comuns da América do Sul, propôs teórico geopolítico norte-americano mais influente dos no século XX.

poderimperial1

.

Washington deve sufocar militarmente ações comuns da América do Sul, propôs teórico geopolítico norte-americano mais influente dos no século XX. Em que medida proposição prevalece?

Por José Luis Fiori

As terras situadas ao sul do Rio Grande constituem

um mundo diferente do Canadá e dos Estados Unidos.

E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina

do continente tenham que ser chamadas igualmente de América,

evocando similitudes entre as duas que de fato não existem

N. Spykman, “America´s Strategy in World Politics”

Tudo indica que os Estados Unidos serão o principal contraponto da política externa brasileira, dentro do Hemisfério Ocidental, durante o século XXI. E quase ninguém tem dúvida, também, de que os EUA seguirão sendo, por muito tempo, a principal potência militar, e uma das principais economias do mundo. Por isto é fundamental compreender as configurações geopolíticas da região, e a estratégia que orienta a política hemisférica norte-americana, deste início de século.

Ao norte do continente, o poder americano foi, é, e seguirá sendo incontrastável, garantindo-lhe fronteiras continentais absolutamente seguras. Além disto, a assimetria de poder dentro da América do Norte é de tal ordem que o Canadá e o México tendem a convergir cada vez mais, atraídos pela força gravitacional do poder econômico e militar dos EUA. O que não significa, entretanto, que o Canadá e o México ocupem a mesma posição junto aos EUA e dentro do tabuleiro geopolítico e econômico regional, apesar dos três países participarem do “Tratado Norte-Americano de Livre Comercio” (NAFTA), desde 1993. O Canadá ocupa uma posição única, como ex-colônia e ex-domínio britânico, que depois da sua independência, e da II Guerra Mundial, transferiu-se para a órbita de influencia direta dos EUA, transformando-se em sócio comercial, aliado estratégico e membro do sistema de defesa e informação militar dos povos de “língua inglesa”, comandado pelos EUA, e composto pela Inglaterra, Austrália e a Nova Zelândia. Neste contexto, o México ocupa apenas a posição de enclave militar dos EUA, uma espécie de “primo pobre”, de “fala latina”, ao lado das potências anglo-saxônicas. Mais do que isto, o México é hoje um país dividido e conflagrado por uma verdadeira guerra civil que escapa cada vez mais ao controle do seu governo central, mesmo depois do acordo de colaboração militar assinado com os EUA, em 2010. E mesmo com relação ao NAFTA, a economia mexicana beneficiou-se em alguns poucos setores dominados pelo capital americano, como automobilístico e eletrônico, mas ao mesmo tempo, neste últimos vinte anos, o México foi o único dos grandes países latino-americanos em que a pobreza cresceu, atingindo agora 51,3% da sua população. Hoje a economia mexicana é inseparável da norte-americana, e a política externa do país tem escassíssimos graus de liberdade, atuando quase sempre como ponta de lança da política econômica internacional dos EUA, como no caso explícito da “Aliança do Pacífico”.

Do ponto de vista estritamente geográfico, a América do Norte inclui o istmo centro-americano, que Nicholas Spykman coloca ao lado dos países caribenhos, e da Colômbia e Venezuela, dentro de uma mesma zona de influência americana, “onde a supremacia dos EUA não pode ser questionada. Para todos os efeitos trata-se um mar fechado, cujas chaves pertencem aos EUA — o que significa que ficarão sempre numa posição de absoluta dependência dos EUA” (N.S, p: 60). O que explica as 15 bases militares dos EUA existentes na América Central e no Caribe. Foi uma região central na 2º Guerra Fria de Ronald Reagan, e será muito difícil que se altere a posição americana nas próximas décadas, muito além das “dissidências” cubana e venezuelana.

Por último, a política externa americana diferencia claramente os países situados ao sul da Colômbia e da Venezuela, onde seu principal objetivo estratégico foi sempre impedir que surgisse um polo alternativo de poder no Cone Sul do continente, capaz de questionar a sua hegemonia hemisférica. Com relação a estes países, os EUA sempre utilizaram a mesma linguagem, com duas tônicas complementares: a dos acordos militares bilaterais, e a das zonas de livre comércio. Os acordos militares começaram a ser assinados no fim do século XIX, e a primeira proposta de uma zona pan-americana de livre-comércio foi apresentada pelo presidente Grover Cleveland, em 1887, um século antes da ALCA — proposta em 1994 e rejeitada em 2005, pelos principais países sul-americanos. Não existe uma relação mecânica entre os fatos, mas chama atenção que pouco depois desta rejeição os EUA tenham reativado sua IV Frota Naval, com objetivo de proteger seus interesses no Atlântico Sul. A este propósito cabe lembrar o diagnóstico e a proposta de Nicholas Spykman (1893-1943), o teórico geopolítico que exerceu maior influência sobre a política externa dos EUA, no século XX: “fora da nossa zona imediata de supremacia norte-americana, os grandes estados da América do Sul (Argentina, Brasil e Chile) podem tentar contrabalançar nosso poder através de uma ação comum […] e uma ameaça à hegemonia americana nesta região do hemisfério (a região do ABC) terá que ser respondida através da guerra”(N.S p: 62 e 64). Estes são os termos da equação, e a posição norte-americana foi sempre muito clara. O mesmo não se pode dizer da política externa brasileira.

Leia Também:

11 comentários para "O Brasil, EUA e o "Hemisfério Ocidental""

  1. Willy Sandoval disse:

    E os chineses que não estão nem aí para os dentes arreganhados do TIO SAM. Por que eles estão no caminho certo, praticamente uma potencia e nós encalacrados nesse terceiro mundismo? A culpa é do imperialismo americano ou dessa incompetência da nossa América Católica tal como cantou Caetano Veloso ? Se a aspiração a ser potencia assim como os EUA ou a China e até mesmo a Rússia que tem um monte de problemas é um tanto quanto impossivel(pelo menos nos próximos 20 anos), o que nos impede se atingir um nível sócio econômico semelhante a Canadá, Austrália ou mesmo outros não anglo-saxônicos tais como Coréia do Sul.Não sei se essa aproximação com Cuba ou mesmo a esse reacionarismo meio infantil do bolivarianismo venezuelano nos levará a algum lugar. Até mesmo porque já está mais do que provado que o capitalismo é muito superior em geração de riqueza(que gera prosperidade) do que esse socialismo furado que só consegue distribuir miséria e atraso. Está aí a China que não nos deixar mentir tal como ensinou Deng Xiau Ping(não sei se a grafia está certa) acene para esquerda mas vire para a direita.

  2. Felipe disse:

    Cara, sério que tem gente aqui chamando o Fiori de desatualizado? Que a política externa proposta pelo spykman ficou no século passado? Que a influência norte americana na américa do sul não é tão forte assim por ter focado mais no oriente médio?
    Antes de ofenderem, melhor pesquisarem as diversas formas como o controle norte americano é exigido. Bases militares, espionagem, instabilidade política(que leva ao golpe, venezuela, honduras e paraguai que o digam), controle de divisas, instabilidade econômica via especulações e velha imprensa.
    Qualquer alternativa ao modelo hegemônico é atacada pelo mercado, imprensa e, em caso de necessidade, força bélica.
    E discordo das postulações de que atualmente a tendência é a da aproximação. Caso contrário, por que o muro entre méxico/eua, palestina/israel? Por que ainda utilizam da desestabilização de países soberanos? Ataque virtual é uma realidade, Espionagem, ameaças…
    Se a tendência é de “se aproximar, demolir muros”, por que o primeiro passo não foi a defesa da soberania dos países? Não tem como “estar junto, próximo” se o outro lado não for soberano, e sim uma fantoche.

  3. Romeu de Laguna -SC disse:

    Outra coisa Medeiros, já percebeste que houveram mudanças na Rússia, China, Vietnã, Japão, Coréia do Sul, África do Sul, Índia, Chile, Uruguai, … muitos países… até na Europa do Euro e, perceba, até nos EUA?
    Pois é, eles estão se esforçando para conviver mais próximos, mais unidos, superando diferenças, demolindo muros, apoiando a liberdade de imprensa e da internet, oferecendo liberdade aos cidadãos para utilizarem sua criatividade e participarem do crescimento global.
    Já ouviste falar do conceito de aldeia global, creio, porque nossas crianças já praticam estes conceitos há muito. O movimento jovem veio para mudar o que envelheceu e abrir espaço para o novo. Quem não perceber que este novo é diferente de tudo que já foi, infelizmente, vai junto na caçamba, porque tá velho, carcomido, ultrapassado, não combina mais com o novo tempo, não é entendido, não é compreendido, não lidera mais, não engana e nem intimida.

  4. Romeu de Laguna -SC disse:

    Caro Medeiros, não me considero ingênuo, muito menos desatualizado pois leio em várias fontes, inclusive aqui.
    Acredito que os EUA tem duas fortes maneiras de controlar e comandar a América Latina:
    1) A grande facilidade com que nossas autoridades se corrompem;
    2) Tecnologia avançada, o poder de suas universidades, a capacidade do conhecimento estar a serviço do poder econômico, militar, civil, o avanço exponencial de sua gente altamente capacitada sobre o terceiro mundo submetido à pobreza e ignorância.
    Entendo que este segundo item ocorre devido à ganância dos corruptos e de elites atrasadas… por detrás destas elites uma ideologia que leva ao caos, assim na Ásia, assim no Oriente Médio, assim na África, assim na América Latina… intelectuais que acham lindo a pobreza, a miséria e a ignorância enquanto se admiram com a própria piscina.
    Por exemplo: aumento de salário sustenta a luta de classes através do movimento sindical, porém mantém o ciclo vicioso do salário correr atrás do poder aquisitivo. Nada é mais absurdo, contra o trabalhador, e nada é mais estimulante da inflação.
    Ou seja, o que vale para os trabalhadores do primeiro mundo, jamais valerá para os trabalhadores daqui do terceiro mundo, mas sustenta os salários dos nosso sindicalistas…

  5. Luiz Fernando Resende disse:

    …que pena( pra não ser “muito duro e não civilizado)!!!! Esses senhores, bem informados pela ” mercamidia moderna e democrática ” brasileira e mundial e que acreditam ” em verdades e mentiras” …se pautam por datas e épocas da “folhinha do tempo” que se distribui a cada “ano novo” e localizam “os ultrapassados” pelo tempo dela…a luta de classes( nome ultrapassado e velho, né:?) acontece além e apesar das ” verdades e datas marcadas”…

  6. Medeiros disse:

    Será que você acredita na “grande democracia do norte” e outras baboseiras? Não seja ingênuo, meu caro Romeu

  7. Medeiros disse:

    Não seria nenhuma loucura repensarmos o desenvolvimento de armas nucleares

  8. Raúl disse:

    Citar um livro 1942 (Spykman) como se fosse de hoje é um procedimento algo duvidoso. O país mais podoroso do mundo mudou muito desde então. Sua relação com a América Latina está evoluindo. O Brasil tem um efeito catalisador nesse processo. Há gigantes meio adormecidos ainda neste continente. Precisam despertar.

  9. brunomf77e disse:

    tem toda razão meu caro… esses que aí estão , lhe criticando , não informados pela mesma mídia estadunidense-sionista de sempre..
    a verdade é que a invasão do afeganistão, ainda que sob o pretexto de combater o talibã, nada foi que um desdobramento da antiga guerra fria , de modo a obter uma base bem nas costas da Rússia.
    A própria invasão do iraque e a completa desestabilização da síria pelos sauditas, certamente tem um dedo americano e o interesse de afastar de vez o poderio Russo na região, só que dessa vez a Rússia fincou o pé e não vai sair…

  10. Romeu de Laguna -SC disse:

    Fiquei com a impressão que o senhor está tão desatualizado que, mesmo sem muita informação a respeito deste assunto, fiquei pasmo ao ler tamanha fantasia. Acho que a visita de Dilma a Cuba te acordou estupefato em plenos anos 70. É Alzheimer? Leia mais jornais, observe o mundo, cure-se!

  11. Sim Fiori a tua análise foi muito eloquente; mas os EUA nos últimos 25 anos vamos dizer assim, concentrou suas forças no Oriente Médio e deixou um pouco o Caribe e a América Latina, e depois desse tempo será que os EUA está com essa panca de atacar de fato o ABC, como voce mesmo diz?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *