Nacionalismo e Desenvolvimento Econômico (I)

Alemanha, Rússia e Japão marcaram a geopolítica, desde o século XIX, por suas estratégias econômicas nacionalistas. Agora, voltam a elas

Bismarck, Roon e Moltke (1863): patriarcas da Unificação Alemã

Bismarck, Roon e Moltke (1863): patriarcas da Unificação Alemã

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Por Jose Luis Fiori

“ A dificuldade da “economia política clássica”

foi reconhecer o significado econômico das nações,

não apenas na prática mas também na teoria”.

Eric Hobsbawm, “Nações e Nacionalismo desde 1780”.

MAIS: Leia aqui a segunda parte deste texto

Desde a Revolução Francesa, a palavra “nacionalismo” teve várias definições e conotações políticas e emocionais, variando segundo o tempo e o lugar e aparecendo ora como uma ideologia ou sentimento, ora como um movimento social ou estratégia política. Na sua origem histórica, sobretudo na França e nos Estados Unidos, foi um movimento revolucionário, democrático e cidadão; depois passou a ter uma conotação predominantemente cultural e etnolínguística, sobretudo na Europa Central; para se transformar, finalmente, num projeto político de construção e/ou fortalecimento dos estados nacionais que nasceram – dentro e fora do continente europeu – a partir das independências americanas. Mas foi só na segunda metade do século XIX que o nacionalismo adquiriu uma face e uma formulação explicitamente econômica e se transformou num instrumento de luta dos países”atrasados” contra a supremacia inglesa.

É bem verdade que depois do século XVI, o desenvolvimento econômico capitalista deu-se sempre com base em estados territoriais que praticaram políticas mercantilistas de defesa de suas economias nacionais, e neste sentido, pode-se dizer que sempre existiu algum tipo de nacionalismo econômico “primitivo”, desde a origem do sistema estatal europeu. Mas foi só na Alemanha, no século XIX, que se formulou uma teoria e uma estratégia nacionalista consistente de desenvolvimento econômico, a partir de objetivos geopolíticos explícitos. Na sua obra mais importante, publicada em 1841, o economista alemão Friedrich List criticava a “economia política clássica”, por condenar as nações menos desenvolvidas a “rolar eternamente a pedra de Sísifo” do atraso, exatamente porque havia “excluído completamente a política da ciência econômica, ignorado a existência da nacionalidade, e desconhecido completamente os efeitos da guerra sobre o comércio entre as nações” (1986,p:128)1. Depois da morte de List e da primeira unificação alemã, em 1871, estas ideias contribuíram decisivamente para o desenho de uma estratégia consciente de desenvolvimento e industrialização, combinada com uma visão ufanista da cultura germânica e com um projeto geopolítico de unificação e expansão do poder alemão, em direta competição com o poder comercial e naval da Grã Bretanha.

Desde então, o sucesso econômico da Alemanha transformou-se no paradigma de referencia do nacionalismo econômico, em todo mundo, e teve uma importância particular na história da Rússia e do Japão, países que têm várias semelhanças geopolíticas com a Alemanha. Entre o fim da “Guerra dos Trinta Anos”, em 1648, e a unificação de 1871, o território atual da Alemanha foi dividido e “balcanizado”, de forma ativa e conivente, pelas grandes potências europeias. Só conseguiu se unificar depois de três guerras sucessivas e vitoriosas, da Prússia contra a Dinamarca, a Áustria e a França, na década de 1860. Mas mesmo depois da unificação, a Alemanha sempre se sentiu um país cercado e pressionado, carregando um enorme atraso político e econômico e um profundo ressentimento com relação às “grande potências” responsáveis pela criação do sistema interestatal e do capitalismo europeu, e pela liderança da conquista europeia do “resto do mundo”.

É neste contexto de atraso, cerco e ressentimento nacional, que se deve situar a permanente preocupação defensivo-expansionista da Alemanha, dentro de um “espaço vital” supra-nacional a ser conquistado e preservado. É neste contexto também que se deve situar o intense commitment [compromisso intenso] de suas elites civis, militares e intelectuais, que teve um papel decisivo no desempenho econômico do nacionalismo alemão.

Em maior ou menor medida, pode-se reencontrar muitas destas características na história da Rússia/URSS e do Japão, e nos seus grandes ciclos de intenso crescimento econômico, desde o século XIX, e mesmo entre 1950 e 1991 – apesar de que, neste período, o Japão e a Alemanha fossem transformados em “protetorados militares” a serviço da estratégia militar global dos EUA. Agora, neste início do século XXI, Alemanha, Rússia e Japão estão seguindo de novo estratégias econômicas nacionalistas, orientadas por seus grandes objetivos estratégicos nacionais permanentes, de defesa e luta por suas hegemonias regionais. Para pensar o futuro ou tirar lições, entretanto, seria importante primeiro entender porque os seus grandes sucessos econômicos e tecnológicos do passado acabaram sendo interrompidos por retumbantes fracassos políticos e ou geopolíticos. (CONTINUA)

1List, G.F. (1841), “Sistema Nacional de Economia Política”, Editora Nova Cultural, SP

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5 comentários para "Nacionalismo e Desenvolvimento Econômico (I)"

  1. E a continuação?
    (ansioso)
    :¬))

  2. Excelente artigo. Em resumo, consegue expor a construção do nacionalismo com suas causas e consequências.

  3. prof. Fiori
    sempre nos brindando com excelentes textos

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