“Na morte de Fidel” – um poema

“É urgente um verso vermelho | que ponha de novo em movimento os comboios da imaginação | azeite puro em manivelas de razão quente”

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Por Boaventura de Sousa Santos

É urgente um verso vermelho

que suspenda a animação deste desastre

pensado para durar depois do inverno

É urgente um verso vermelho

com todas as cores do arco iris

e o vento natural do universo

É urgente um verso vermelho

que ponha de novo em movimento os comboios da imaginação

azeite puro em manivelas de razão quente

o peso da história de novo levíssimo

a rodar sobre perguntas livres e ruínas vivas

a paisagem mudar primeiro lentamente

enquanto vão entrando vozes ainda submersas

e corpos mal refeitos da desfiguração da guerra e do comércio

das crateras e promoções

É urgente um verso vermelho

que desate os nós da memória e do medo

e resgate os rios da rebeldia

a palavra cristalina inabalável

inconfundível com as mordaças sonoras

à venda nos supermercados da ordem

É urgente um verso vermelho

para anunciar barco polifónico da dignidade

pronto a navegar

os rios libertos das barragens calcinadas

dos sistemas de irrigação industrial da alma

É urgente um verso vermelho

uma luz manual portátil que vá connosco

sem esperar a que virá no fundo do túnel se vier

porque a cegueira da viagem é sempre mais perigosa

que a da chegada

talvez só entrega

talvez só paragem

É urgente um verso vermelho

que trace um território inacessível

aos vendedores de mobílias espirituais

e turismo de acomodação

É urgente um verso vermelho

vinho de bom ano para acompanhar

sonhos sãos e saborosos

preparados em brasas de raiva e a brisa da alegria

É urgente um verso vermelho

sem solenidades nem códigos especiais

para devolver as cores ao mundo

e as deixar combinar com a criatividade própria dos vendavais

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