Maria Rita Kehl lê Aírton Paschoa

Ao apresentar novo livro do escritor, ela elogia sua secura, que compara à de Graciliano, mas avisa: “texto não é de leveza; Airton não usa trabuco, mas é bom de navalha”

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Ao apresentar novo livro do escritor, ela elogia sua secura, que compara à de Graciliano, mas avisa: “texto não é de leveza; Airton não usa trabuco, mas é bom de navalha”

Por Maria Rita Kehl | Imagem: Marcelo Grassmann, Pássaro

LANÇAMENTO:

Levante, livro mais recente de Aírton Paschoa, será lançado em 23 de Junho (6ª-feira), em São Paulo, às 19h

No Ateliê do Gervásio, espaço que também abriga Outras Palavras

Rua Conselheiro Ramalho, 945 – Bixiga (mapa) – Metrô São Joaquim (600m) ou Brigadeiro (1km) – São Paulo

Leia três séries (1 2 3) de pílulas do livro

Quem ainda não foi apresentado ao fino humor literário de Airton Paschoa corre o risco de se enganar. Mas atenção: isto que conduz o leitor à doce impressão de estar diante de um autor blasé, ou no mínimo conformista, logo há de revelar sua face ácida: nos poemas em prosa deste Levante, pedir paz no meio de um bate-boca pode ser a gota d’agua. Assim como a evocação de uma doce cantiga de roda pode tirar o sono do leitor que não dorme de máscara.

Não me atrevo a resumir o engenho literário do autor em uma simples orelha. Observo apenas que a escrita Airton, embora tome uma via narrativa muito diferente, faz jus à secura de um de nossos melhores romancistas, Graciliano Ramos. É que nosso autor também economiza adjetivos, advérbios e quaisquer outros penduricalhos que pudessem reforçar a força de suas frases secas.

A proposta destes brevíssimos contos, ou crônicas, que já foi bem-sucedida no anterior Poemitos, não é de faceirice, nem de leveza. Airton não usa trabuco, mas é bom de navalha. Daquelas tão afiadas que o leitor nem sabe de onde veio o golpe: vai ver, já está sangrando.

Só o humor tem esta rara ambivalência: fere e perdoa. Perdoa e, quando a vítima/leitor imagina que pode relaxar, fere de novo. Doeu? “Só dói quando eu rio”, responderia o leitor. Que nesse caso não será poupado. Leiam, por exemplo, o amargo “Gostinho”. O amor se desgastou? Faltou tempo, faltou “a gente”, faltou tudo. Mas tem gente a quem falta ainda mais — fiquemos com este restinho. É provocativo? É conformista? A resposta pode ser ainda mais triste: às vezes, é o que temos pra aguentar o que resta da vida. Se tem uma coisa que todo humorista sabe, é que ninguém é de ferro.

Já perto do final, o artista finge que se justifica com o leitor: “Pra quem já perdeu a cabeça, já perdeu os olhos, e vem perdendo os cabelos, os dentes, que importa perder a mão?” Só que ele sabe, é evidente, que não perdeu mão nenhuma. Airton Paschoa pode perder o leitor desavisado que esperava outra coisa de um livro chamado Levante. Pode perder os amigos, apoiadores e eventuais futuros eleitores. Mas a mão não perde, e nem se perde nos vários descaminhos que inventa.

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Um comentario para "Maria Rita Kehl lê Aírton Paschoa"

  1. PARA UMA CIVILIZAÇÃO ENGANADA, PARA QUE MAIS ENGANO?

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