Madison: uma chance de recomeço para os EUA

Movimento da esquerda norte-americana em Madison, Wisconsin, resiste à onda conservadora do Tea Party e propõe rediscutir a América.

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Por Sharons Howell e Richard Feldman (04.03.2011), da ocupação em Madison, Wisconsin, EUA | Tradução: Bruno Cava

Os protestos massivos focados em Madison, capital do estado norte-americano do Wisconsin, trouxeram uma nova vida ao movimento trabalhista do país e nova esperança para as forças progressistas de todos os lugares.

Os protestos no Wisconsin constituem a primeira batalha no que promete ser uma longa luta, entre as pessoas preocupadas com o direito de controlar as condições de trabalho, e os governadores de estado determinados a utilizar a crise financeira para erodir ainda mais o poder do povo em organizar-se de modo autônomo. Presentemente, em cerca de um terço dos estados se esperam medidas similares, que tiram o amparo legal de reivindicações coletivas.

Intensifica-se a polarização nos EUA entre a direita e seus interesses corporativos, comprometidos em desmantelar os serviços do governo e privatizar cada aspecto da vida para o lucro, e a esquerda, que busca novas relações sociais entre os cidadãos, com outras nações e com o meio-ambiente.

Com a eleição de Barack Obama como primeiro presidente afro-americano, as forças da direita, particularmente sob a influência do Tea Party [NT. movimento populista ultraconservador, com ligações ideológicas com o Partido Republicano, de oposição, e os teóricos libertarians], de apresentadores de programas de auditório, e de institutos e fundações de pesquisa direitistas [NT. or. right-wing think tanks], aceleraram seus esforços em consolidar seu poder. Forças progressistas têm sido inábeis para responder à altura, emudecendo quanto ao balanço à direita de Obama e incapazes de contestar o corte dos impostos, no que acatam a mentalidade padrão dos políticos republicanos por todo o país.

Confrontando a direita

Se é ou não o caso que os protestos em Wisconsin podem levantar o tipo de questões fundamentais que moverão o povo americano em direção a uma sociedade mais justa e democrática é algo ainda a se conferir. Mas não há dúvida que as pessoas nas ruas já colocaram em questão valores críticos da vida pública. Idéias de solidariedade, cuidado com o outro, equidade e fortalecimento comunitário há muito haviam silenciado sob a ideologia neoliberal, fundada na busca imoderada do lucro individual e corporativo.

As pessoas reunidas nos corredores do palácio do governo do estado e nas ruas de Madison estão forçando o primeiro desafio a essa ideologia e seu sistema pernicioso de valores desde pelo menos uma década. Trata-se de questões bem-vindas, num momento oportuno, quando os americanos têm a oportunidade de olhar para o caminho adiante e questionar a si mesmos se possuem a vontade e a capacidade de ser algo melhor do que têm sido.

Esses protestos foram inesperados. Por décadas, o movimento trabalhista vem perdendo terreno à medida que os trabalhadores da base fabril diminuem de número. Hoje menos de 12% da força de trabalho está sindicalizada. Enquanto isso, a maior parte da liderança sindical está interessada em preservar os empregos que lhes restaram do que em contestar a ordem vigente ou assumir uma visão mais consistente do que vem acontecendo nos EUA. Por mais de duas décadas, os sindicatos não só tem feito concessões salariais, mas também assentiram em acordos desiguais de formas de pagamento, aumento de horas extras e redução de pensões e direitos. Outrora a força principal na defesa da dignidade e da importância do trabalho, a maioria dos sindicatos se tornou preocupada em preservar o Sonho Americano para seus próprios membros, pouco se importando com a comunidade ou aqueles de fora de seu sindicato.

Em 2011, o maior segmento da população sindicalizada está no setor dos serviços, especialmente funcionários públicos, como policiais, bombeiros, professores e profissionais da área da saúde. Embora essas mudanças tenham começado no princípio da década de 1960, com os desenvolvimentos tecnológicos da produção e a crescente mobilidade do capital, aceleraram com a eleição de Ronald Reagan em 1980.

O longo assalto aos sindicatos

Reagan se aproveitou do descontentamento de trabalhadores brancos, na maioria homens, que se sentiram ameaçados pelos avanços dos direitos civis, do black power e dos movimentos feministas dos anos 1960 e 70. Com a memória fresca da derrota no Vietnã, das crises do petróleo e dos reféns americanos no Irã em 1979, que realçaram um sentimento de fragilidade, Reagan prometeu restaurar o poder americano sobre o mundo. No seu discurso de posse, em janeiro de 1981, ele propôs reduzir o aparato de governo, diminuir impostos e fortalecer o arsenal militar. Ele disse: “Na medida em que nos renovarmos aqui em nossa terra, seremos vistos como possuindo mais força através do mundo. Vamos novamente ser um exemplo de liberdade e um farol de esperança àqueles que agora não são livres.”

Naquele ano, Reagan enfrentou uma greve dos controladores de vôo, que queriam melhores condições de trabalho e maiores salários. A greve violou a lei americana e Reagan declarou-a “ameaça à segurança nacional”, ordenando a volta imediata de todos ao trabalho. Muitos se recusaram. Reagan despediu cerca de 11.000 pessoas e baniu-os de trabalhar novamente no governo federal.

Numa das reviravoltas cruéis da história, esses despedidos faziam parte do grupo sindicalizado que, na maioria, havia apoiado Reagan e sua ideologia. Agora, o legado de reação dura contra reivindicações coletivas foi invocado pelo governador de Wisconsin, para justificar seus esforços em desmantelar ainda mais os direitos sindicais.

Olhando no espelho

Essa é uma das razões porque o potencial desse movimento emergente, em fazer o país avançar, dependerá em quanto os sindicatos e as pessoas que os apóiam forem capazes de ver criticamente o seu papel, em criar a crise atual. As idéias de corte de impostos, de privatização de serviços públicos, de avaliar as coisas somente em termos de como elas afetam nossos próprios bolsos, não eram exclusividade apenas das elites corporativas. A vasta maioria dos americanos abraçou essas idéias. Muitos de nós apoiamos e encorajamos o ideário que agora ameaça destruir as fundações da responsabilidade coletiva.

Como um povo, temos tentado ver de outra forma como o poderio militar tem sido usado ao redor do globo, para assegurar os recursos necessários ao estilo de vida insustentável da maior parte dos EUA. A menos que estejamos dispostos a olhar no espelho e reavaliar os valores que abraçamos em nome do Sonho Americano, este momento, tornado possível por nossos irmãos e irmãs no Wisconsin, acabará se perdendo, deixando a direita ainda mais incrustada no nosso governo e abrindo o caminho para que nosso país seja um perigo ainda maior ao mundo.

Como um teórico americano revolucionário chamado James Boggs (www.boggscenter.org) disse em seu importante trabalho de pensamento dialético, a mudança revolucionária chega ao povo quando ele “adquire forças para lutar contra um inimigo externo como conseqüência de uma batalha prévia contra suas próprias limitações e contradições internas. Nenhum potencial revolucionário jamais se tornou uma força social revolucionária sem antes passar por uma luta interior pela superação de suas limitações e fraquezas”.

Pontos cruciais de luta

Para que o ímpeto desencadeado em Wisconsin possa crescer numa força revolucionária para transformar os EUA num país mais responsável socialmente, existem quatro pontos-chave para lutar.

Primeiro, o povo americano precisa perceber que o Sonho Americano chegou ao fim, bem como o império que o sustenta. Isto significa que não apenas temos de reconhecer a concentração das riquezas nas elites, mas também que boa parte da riqueza da classe trabalhadora americana tem sido garantida à custa do meio-ambiente e de outros povos pelo mundo. Temos de perguntar a nós mesmos se estamos preparados a viver com mais simplicidade, para que outros possam simplesmente viver.

Segundo, precisamos estar dispostos a fazer novas perguntas sorbe como reconstruir a vida da comunidade, e não só o avanço individual. Estamos preparados pra seguir com uma filosofia em que só melhoramos individualmente a nossa vida à custa de concidadãos e comunidades?

Terceiro, estamos dispostos a continuar relacionando-nos com os outros mediante atitudes distorcidas e desumanizadoras, com base em preconceitos de raça, gênero, religião, nacionalidade e diferenças de capacidade?

Finalmente, estamos preparados para desmantelar o poderio militar sobre o qual o império americano se sustenta? Com mais de 700 bases militares pelo mundo, uma economia dependente da produção bélica e um compromisso com a guerra perpétua no Oriente Médio, os EUA, nós precisamos não apenas sair da lógica da guerra, mas também admitir a responsabilidade pela tremenda destruição que criamos.

Noutro momento revolucionário na história, o Dr. Martin Luther King Jr. desafiou-nos a superar o tripé gigantesco do racismo, do egoísmo material [or. materialism] e do militarismo. Nós enquanto povo deixamos de lado esse desafio. Como o Dr. King previu, nós nos encontramos repetidamente do “lado errado das revoluções no mundo”.

Outros EUA estão acontecendo.

Nas últimas duas décadas, estas questões fundamentais formaram o pano de fundo para os esforços das pessoas dentro dos EUA, em construir uma cultura afirmativa da vida. Nas cidades abandonadas pela produção capitalista, nas periferias e reservas usadas somente por sua mão-de-obra e recursos, e nos sindicatos que batalham por se tornarem mais democráticos e reconectarem-se a suas comunidades, as pessoas têm desenvolvido novos modos de produzir juntas, redefinindo valores comuns e aprofundando o nosso entendimento sobre o bem comum.

Em nossa cidade natal, Detroit, temos testemunhado o renascimento de laços de comunidade através de um movimento urbano vibrante, a disposição em redefinir a educação numa base local, onde os estudantes são vistos como núcleo da reconstrução das comunidades e e dos esforços em transformar zonas de guerra em zonas de paz, criando novos vínculos entre vizinhos, resolvendo problemas com preocupação e respeito.

Esses esforços, acontecendo por fora da visão da mídia dominante, alimentaram a energia do segundo Fórum Social dos EUA [NT. ocorrido em junho de 201o], que proclamou: “Outro mundo é necessário, outro mundo é possível” e “outro mundo acontece aqui em Detroit”.

A luta que se desenvolve nas ruas de Wisconsin já se disseminou aos estados de Ohio, Indiana, Michigan e Illinois. Está reunindo apoios à medida que as pessoas reconhecem as questões fundamentais colocadas a nós, sobre o tipo de país que somos e o tipo de país que podemos tornar-nos.

Richard Feldman e Sharons Howell são ativistas do movimento trabalhista norte-americano.

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5 comentários para "Madison: uma chance de recomeço para os EUA"

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  3. moroni disse:

    Vamos terminar o que começamos em 1968.

  4. Gabriel Miranda disse:

    Onde encontro o texto original?

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