Ler Primeiro: Três poemas sobre futebol

Poeta e romancista, Augusto Guimaraens Cavalcanti escreve “Sobre os goleiros”, “Ao rés do chão” e “Gramática das chuteiras”

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3 poemas inéditos sobre o ludopédio bretão chamado Football

.

Por Augusto Guimaraens Cavalcanti | Imagem: Djanira, Fla-Flu (1975)

Sobre os goleiros

Medita o goleiro-engenheiro na geometria

de gestos mais econômicos

Traves são planetas grávidos

de gols, vicejados de noite

O gol é o melhor psicanalista do atacante

O gol redime “tudo”,

é a meta representação ideal para toda cirurgia do jogo;

para o verão forçado de um gol

Antes de qualquer tempo inaugural,

pairam os goleiros

com suas aparências desoladas

a beijar solitariamente suas traves

Goleiro mãe do galináceo,

guardião do marco zero

O mistério dos goleiros:

eles também não aprenderam a voar

.

Ao rés do chão

Uma bola enfrenta o limite “real” do chão

Balizas nascem do gol como telas contíguas a

qualquer escala do corpo humano,

rodeadas por eróticas redes

Pernas eloquentes tocam o lado escuro

dos mármores lunares

Esta é a caça recíproca dos deuses que mordem;

deuses publicitários de si próprios

Este é o arriscado balé dos lumes babilônicos,

das luas improváveis de mármore

O Olímpio trágico de um Maracanã é o nosso laboratório ancestral

Somos todos filhos do dilúvio

Rola a esfera na terra sintética do espetáculo;

órbita em permanente assunção

ao rés do chão

.

Gramática das chuteiras

Um empate seria morrer pelo outro,

como uma bola que beijasse tragicamente a trave

para depois se lamentar para sempre

Das chuteiras é que saltam os pulmões das travas,

suas melodias irrompem das cinzas de uma grama

ainda por crescer

Este é o baile de um destino

que se decide em ato;

a vertigem do gol sempre abre uma fresta no espaço

Todo gol transborda

por ser irreversível

Seus roteiros não definem seus trajetos

A bola, placenta celeste, joia sem furo, esfera-lua,

bola-sol que resvala seu mapa empírico:

                                          diamante do homem comum

.

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Augusto Guimaraens é poeta e romancista. Já lançou: Poemas para se ler ao meio-dia (2006, 7Letras); Os tigres cravaram as garras no horizonte (2010, Circuito) e Fui à Bulgária procurar por Campos de Carvalho (7Letras). Atualmente prepara o livro Máquina de fazer mar. Mantém um blog: www.augustoazul.blogspot.com

Vale a pena ler primeiro é seção de Outras Palavras dedicada à literatura. Foi criada e é editada por Fabiano Alcântara. Jornalista especializado em cultura, repórter de Música do portal Virgula, e colaborador de diversas publicações – como Valor Econômico e os sites das revistas TRIP e TPM –, Fabiano é também músico, baixista das bandasMercado de Peixe e Lavoura e curador de festivais.Para ler edições anteriores da coluna, clique aqui.

 

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