Chéri à Paris: Lagostas psicodélicas

A história malucrazy (e esquecida) de um episódio dos anos 1960, que quase terminou com guerra entre Brasil e França

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Por Daniel Cariello*, em Chéri à Paris

Vistos de longe, os anos 60 foram a década em que metade do mundo parecia ter tomado um ácido. Músicas, filmes e livros psicodélicos brotavam por todos os cantos, como sementes (de papoula). A viagem era tão geral que nem as relações diplomáticas escaparam.

Veja a Guerra das Lagostas, incidente envolvendo o Brasil e a França, ocorrido entre 1961 e 1963.

O imbróglio começou quando barcos franceses vieram pescar lagostas na costa de Pernambuco. O governo brasileiro chiou. O francês bufou. O brasileiro ameaçou. O francês disse “merde!” e mandou uma frota de guerra. O brasileiro mandou os franceses tirarem os navios e os narizes da nossa costa.

Então a coisa complicou de vez e uma guerra tornou-se iminente. Foi aí que os diplomatas de ambos os países, que andavam meio entediados desde o fim da década de 40, entraram na parada.

Na mesa de negociações, os nossos disseram que as lagostas estavam em território brasileiro e dessa forma nos pertenciam. Os franceses concordaram e discordaram ao mesmo tempo, alegando que enquanto andavam e tocavam o fundo do mar, tais crustáceos realmente respondiam às leis de pindorama. No entanto, quando nadavam, estariam em águas internacionais e, portanto, não tinham passaporte e poderiam ser livremente pescadas.

A história ficou tão malucrazy que nesse instante o General de Gaulle proferiu – ou não, porque ninguém sabe se é verdade mesmo – a sua frase mais famosa em terras tupiniquins: “Le Brésil, ce n’est pas un pays sérieux”, o Brasil não é um país sério. E ele queria o quê, oras, que a gente não entrasse na brincadeira?

O quiproquó só foi resolvido quando um almirante brasileiro soltou o argumento mais brilhantemente psicodélico possível, afirmando que se as lagostas quando nadam podem ser consideradas peixes, então os cangurus quando saltam seriam nada menos do que aves.

Brasileiros e franceses concordaram que o raciocínio fazia muito sentido. E acendeu-se então o cachimbo da paz.

(*) Daniel Cariello é colaborador regular do Outras Palavras. Escreve a crônica semanal Chéri à Paris,

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Um comentario para "Chéri à Paris: Lagostas psicodélicas"

  1. Levy disse:

    Sobre o incidente, Juca Chaves, salvo engano, senão Chico Anísio, numa visão humorística do descobrimento do Brasil, narra diálogo no encontro de Pedro Álvares Cabral com uma nau francesa:
    – Olá navegantes, de onde vens e para donde vais?
    – Nós viemos do Brasil…
    – Ah… então já descobristes ‘a’ Brasil?
    – Non, nos fomos ‘au’ Brasil…
    “buscar lagosta, buscar lagosta,
    que lá na França todo mundo gôsta” (Sic., cantado)

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