Europa: em busca da "Razão Populista"

Continente precisa desesperadamente de ruptura democrática, capaz de restabelecer direitos sociais e desfazer mito oligárquico que associa “povo” às baixas paixões

 

Liboa, março de 2013: centenas de milhares de portugueses saem às ruas, em dezenas de cidades, contra políticas de favorecimento à oligarquia financeira. Elas foram mantidas, como se nada tivesse acontecido e o "povo" fosse um ator político desprezível

Lisboa, 03/2013: centenas de milhares de portugueses saem às ruas, em dezenas de cidades, contra políticas de favorecimento à oligarquia financeira. Foram mantidas, como se “povo” fosse um ator político desprezível

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Por Nuno Ramos de Almeida

Há uma acusação que circula no combate político europeu: quando alguém quer desqualificar o adversário, apoda-o de “populista”. Aparentemente, o grande perigo que as nossas sociedade correm não é estarem em crise; não é a política ser monopólio dos poderosos; não é a economia estar fora da área de decisão dos cidadãos; não é a corrupção ser um mecanismo normal de funcionamento do sistema; não é a destruição do Estado social, que foi conquistado pela luta de gerações; não é as pessoas serem enviadas para a pobreza sem retorno; não é os jovens serem obrigados a emigrar e os velhos empurrados para a morte – o que é verdadeiramente grave para os habituais comentadores é a subida do “populismo” na Europa.

É importante esclarecer o seguinte: nós precisamos do populismo como de pão para a boca. Dito de outra forma, a nossa situação de crise social, política e econômica deriva da existência de um regime que serve unicamente uma pequena elite. A crise é o nome de uma máquina de guerra, de alguns, que transformou uma sociedade injusta numa ainda mais desigual, a pretexto dessa mesma crise.

A razão por que 99% da população está muito mais pobre e 1% mais rica, e desta 0,01% riquíssima, é que o poder na sociedade está nas mãos dessa ínfima minoria.

Mais que medidas pontuais, o que é necessário é reverter este processo: o poder numa sociedade não pode estar nas mão de uma minoria para satisfazer os interesses de uma casta política e econômica que vive dos lucros de negócios garantidos suportados pelos contribuintes. Para isso é necessária uma ruptura populista que inverta a lógica do poder. Necessitamos de uma democracia que seja exercida pela maioria da população e sirva os seus interesses, e não de um regime que tem como única preocupação a salvação dos credores e dos especuladores.

No seu livro A Razão Populista (2005), o pensador Ernesto Laclau disseca as premissas elitistas que estão por trás da associação, antidemocrática, que identifica o “povo” com as baixas paixões que podem ser convocadas pelos demagogos. Ele defende que a ameaça à democracia contemporânea não está neste sobressalto plebeu, mas no estreitamento oligárquico da democracia por minorias que escapam ao controlo popular.

Neste momento de crise há a possibilidade de convocar uma ruptura populista que não tenha nada que ver com os populismos xenófobos que identificam o inimigo com o imigrante do lado ou os elos mais fracos da sociedade, mas que articule identidades populares para se constituírem em oposição aos verdadeiros e poderosos inimigos desta democracia: um regime de casta que serve sempre os mesmos e se disfarça por uma mera alternância eleitoral.

Como defende Marco d’Eramo no seu artigo “O populismo e a nova oligarquia”, na New Left Review n.o 82, citado pelo politólogo Iñigo Errejón, a Europa atravessa um momento significativo em que a ofensiva oligárquica avança com a sua estratégia de empobrecimento e é preciso reivindicar uma verdadeira política que dê voz à maioria da sociedade para a construção do bem comum.

 

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2 comentários para "Europa: em busca da "Razão Populista""

  1. nunotito disse:

    Muito interessante. Concordo, as demandas (ou reivindicações como nós chamamos deste lado do mar) só podem ter uma potencialidade de ruptura quando, apesar de partirem de um sector específico, forem universalizáveis. Para isso elas precisam de ter capacidade de construir uma posição hegemónica na sociedade.
    Abraço,
    Nuno Ramos de Almeida

  2. Edgar Rocha disse:

    Excelente análise. Expõe os principais pontos de apoio ideológico para a desconstrução da democracia atual em nome dos interesses de um grupo pra lá de seleto, não só na Europa, já que as chamadas oligarquias nunca estiveram tão bem alinhadas internacionalmente, tanto no discurso quanto na estratégia. Aqui no Brasil (e não sei se vale para o outro lado do Atlântico) um outro ponto a ser considerado é o de que o avanço das estratégias de concentração de renda, anda de mãos dadas com um discurso que desarticula toda a sociedade e impede um alinhamento equivalente das forças contrárias ao poder oligárquico. Acredito que a pulverização das demandas, identidades e interesses têm dificultado, e muito, até mesmo a detecção dos problemas, quanto mais as ações de resistência frente a este processo. As articulações em torno de minorias sociais (quantas você puder imaginar), o próprio discurso que leva a uma identificação individual a este ou aquele grupo específico, têm direcionado as pautas reivindicatórias, as percepções sobre a conjuntura e definido ações de cunho puramente corporativo e específico de um segmento. É como se qualquer reivindicação fosse patrimônio daquele setor que reclama, bem como interesse exclusivo do mesmo. A malha social está mais pra colcha de retalhos. E esgarçada, por sinal. Se não for possível retomar uma consciência mais ampla, aglutinar as demandas e revindicações, pensar de forma menos corporativa, de nada vai adiantar perceber os movimentos das minorias reais, aquelas dispostas a sacrificar a democracia e as conquistas sociais em benefício próprio. É esta minoria o 0,01% ao qual o texto se refere. Mais do que nunca, vale a máxima de que não se pode combater fogo com fogo. Soma-se à referida pulverização de demandas, ao populismo de direita definido no texto em questão, tão prolífico no Velho Mundo e crescente do lado de cá e temos, além do empobrecimento, os linchamentos, perseguições, culpados, etc. Aqueles com os quais deveríamos nos unir passam a ser os inimigos ou, na melhor das hipóteses, os concorrentes na busca pela sobrevivência. Seria este um indicador de que os que reclamam, infelizmente, pensam e agem da mesma forma que os que se beneficiam? Se quiser mudar algo, é bom respondermos a esta questão.

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