Espanha: e agora?

Após mega-manifestações em dezenas de cidades, dois articuladores do movimento dos “indignados” debatem o futuro e afirmam: “apenas começamos”

O 19J em Madri

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Por Josep Maria Antentas e Esther Vivas| Tradução: Antonio Martins

A indignação superou outra vez todos os cálculos, tomando maciçamente as ruas e mostrando a brecha aberta entre o mal-estar social e as políticas adotadas nas instituições. De 15 de maio a 19 de junho, acumularam-se forças e se teceram cumplicidades, não apenas no local (acampamentos e bairros), mas igualmente com amplos setores sociais que se sentiram identificados com nossa crítica rotunda à classe política e a um sistema bancário e financeiro a quem responsabilizamos pela crise atual. O lema “não somos mercadorias em mãos de políticos e banqueiros” sintetiza as duas demandas.

As e os indignados manifestaram-se sem ambiguidades, àqueles que sucumbiram aos “mercados” e que, exigindo políticas de cortes orçamentários, não as aplicaram a si mesmos. “Queremos políticos mileuristas” [gíria espanhola para quem recebe salários próximos de mil euros mensais], era uma das consignas aplaudidas com entusiasmo na manifestação. A democracia atual torna-se cada vez mais vazia de conteúdo, para uma cidadania com vontade de decisão e de controle sobre suas próprias vidas. Um voto a cada quatro anos não é suficiente para quem reivindica a política como exercício quotidiano de seus direitos, no dia a dia, e de baixo para cima.

O cerco conservador e midiático ao movimento, após a ação diante do parlamento catalão, em 15 de junho, não suportou uma indignação social coletiva que vai além dos e das acampadas. Equivoca-se quem pense que o movimento é coisa de jovens ou ativistas. Ou quem o considere em mero problema de ordem pública. Os “mesmos de sempre” agora são muitos. Dois anos e nove meses de crise pesam. O movimento expressa uma corrente profunda de mal-estar social, que finalmente emergiu e, como é de hábito, de modo imprevisto e com formas inovadoras. Não estamos diante de um fenômeno conjuntural ou passageiro. Vivemos as primeiras ondas de um novo ciclo de mobilizações, lançado pelas manifestações de 15 de maio e os acampamentos que se seguiram.

Na mesma data, as ruas tomadas de Barcelona

De 15 de maio a 19 de junho, recuperou-se a confiança na ação coletiva. Passou-se do ceticismo e resignação ao sí, se puede. As revoltas no mundo árabe, as mobilizações na Grécia e o “não pagaremos a crise” do povo islandês pesaram com força no imaginário coletivo. Deram-lhe poderoso impulso, permitindo recuperar a confiança no “nós”. A globalização das resistências, daquele movimento altermundista que já tem mais de dez anos, revive de novo, num cenário bem distinto, marcado pela crise.

Depois da jornada de 15 de junho, em que o movimento viu-se imerso numa batalha pela legitimidade, as manifestações de domingo eram um teste para mostrar solidez diante dos ataques recebidos. Tratava-se de traduzir em ação nas ruas as simpatias populares despertadas. Assim foi. O 19 de junho mostrou a ampliação do movimento, sua capacidade de mobilização de massas e sua explosiva expansão, em tempo muito curto. O crescimento, em comparação a maio, não é apenas quantitativo, mas também qualitativo, em termos de diversificação da base social e composição generacional.

E agora? Os desafios do movimento incluem reforçar seu enraizamento territorial, estimular assembleias locais e mecanismos de coordenação estáveis. Trata-se, também, de buscar laços com a classe trabalhadora, os setores em luta e o sindicalismo combativo, e manter a pressão sobre os sindicatos majoritários – desconcertados por uma mudança no panorama político e social que não previam.

E preciso conseguir vitórias concretas. Embora seja vitória parcial, o bloqueio de muitos despejos de moradores endividados aponta o caminho e soma novas energias. Visto de modo mais amplo, o movimento enfrenta o desafio de combinar seu caráter generalista, de crítica global ao atual modelo econômico e à classe política, com o fortalecimento das lutas concretas contra os cortes de serviços públicos e as políticas que procuram transferir o custo da crise para os de baixo.

O 19 de junho marcou um ponto de inflexão que encerra a primeira fase aberta com o 15 de maio e prepara a etapa seguinte, de um movimento que apenas começou.

* Josep Maria Antentas é professor de sociologia da Universidade Autônoma de Barcelona. Esther Vivas é membro do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais da Universidade Pompeu Fabra. Ambos participaram ativamente da organização dos acampamentos que ocuparam praças no Estado espanhol, entre 15 de maio e 12 de junho. Agora, ajudam a articular a luta contra banqueiros e políticos — e por uma nova democracia

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