Espanha à beira de crise bancária

Políticas da troika provocam novo desastre e colocam 12ª economia do planeta diante do risco devastador de corrida aos bancos

Temendo perder suas economias, manifestantes protestam diante do Bankia

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Por Antonio Barbosa Filho, correspondente na Europa

DELFT (Holanda) – Ao contrário do que vinha dizendo o primeiro-ministro (na Espanha chamado “presidente do Governo”) Mariano Rajoy, conservador, a Espanha não conseguirá fazer os resgates do sistema bancário por conta própria e isso levou a algumas decisões de emergência em Bruxelas. A União Europeia está abrindo a possibilidade de usar o Mecanismo Europeu de Estabilidade, que entrará em vigor em julho, para recapitalizar diretamente os bancos em dificuldades, sem passar pelos governos nacionais – uma tentativa de evitar que as dificuldades financeiras do continente assumam a forma de corrida devastadora aos bancos.

A ideia já havia sido defendida pelo Fundo Monetário Internacional, mas era recusada pela UE e continua sendo firmemente rejeitada pela Alemanha. Haverá debates acalorados a respeito, antes que a intenção, manifestada no dia 30 de maio, seja colocada em prática. Na mesma data, o Conselho Europeu decidiu também dar um ano a mais de prazo para que a Espanha cumpra suas metas de déficit público, o que representa um tímido afrouxamento das regras de austeridade impostas a todos os países do euro, mas também depende de aceitação pelos respectivos parlamentos.

Há poucos dias, o primeiro-ministro Rajoy concedeu sua primeira entrevista coletiva desde a posse em 21 de dezembro do ano passado. Confuso, não conseguiu transmitir a tranquilidade que a população e os “mercados” interno e externo esperavam. Teve dificuldades em explicar a nacionalização parcial do Banco Financeiro e de Poupança, conglomerado que inclui o Bankia, quarto maior banco do país. Com enorme carteira de empréstimos considerados de risco, especialmente no setor imobiliário, o Bankia era o sucessor de sete entidades bancárias que sofreram fusão há cerca de um ano e meio. O Banco Financeiro e de Poupança já havia recebido do governo uma injeção de 4,5 bilhões de euros em 2010. Há semanas, o Bankia informou que para reestruturar-se precisaria de mais sete a dez bilhões, o que surpreendeu o governo. Fazem parte do cenário desolador da Espanha a maior taxa de desemprego da Europa, de 20,2% (a naufragada Grécia está com 11,5%); trezentas mil pessoas despojadas de suas casas por inadimplência (média de 350 famílias por dia); dificuldade de rolar a dívida pública, o que só tem sido possível pagando juros de mais de 6% ao ano – estratosféricos para padrões europeus.

No último dia 25, porém, o país teve um choque ainda maior: o Bankia precisa, na realidade, de 19 bilhões de euros, o que elevará os fundos públicos destinados a apenas esta organização a quase 24 bilhões de euros!

Até esta semana, o governo estudava socorrer o Bankia com recursos do orçamento, por considerar que um socorro da União Europeia (UE) seria uma intervenção na economia espanhola. Ao mesmo tempo em que recusava tal ajuda externa, Rajoy mandava recados ao Banco Central Europeu sugerindo-lhe que o ajudasse a contornar a crise bancária e a reduzir a elevada taxa de risco que impede o país de obter recursos no mercado internacional.

Além de tudo, a Espanha sofre de uma crise de confiança generalizada. A população desconfia do governo, que vem se desdizendo a cada poucos dias. O governo não confia nos bancos, ao ponto de encomendar auditorias a agências estrangeiras (que revelaram dificuldades até no Banco de Espanha, o banco central espanhol). A UE não confia nem nos bancos nem no governo espanhol, devido a tantas informações desencontradas e compromissos desfeitos.

A Espanha alega que sua situação não é tão grave quanto a de outros países obrigados a pedir ajuda da troika (UE, Banco Central Europeu e FMI), a começar por ter a décima-segunda maior economia do mundo e estar cumprindo seus compromissos internacionais. Por exemplo, a taxa de risco do país estava em 540 pontos no dia 31 de maio, em queda; os juros cobrados por títulos da dívida de 10 anos eram de 6,7% (esses números e taxas variam a cada hora, daí este momento específico para a comparação). Quando renderem-se à troika, entre abril de 2010 e abril de 2011, Grécia, Irlanda e Portugal exibiam situação ainda mais alarmante.

Porém, há o cenário político tenso, para agravar a situação. O governo Rajoy chegou ao poder há apenas cinco meses e já está desacreditado. Foi eleito prometendo reverter as dificuldades que o socialista José Luis Zapatero vivia em seu segundo mandato, quando cedeu às “recomendações da UE reduzindo salários e aposentadorias e liquidando benefícios sociais

As hesitações de ambos os governos ao longo de todo este processo que agora atingiu seu pior momento contribuíram para a crise política que acompanha o caos econômico. O PSOE, hoje na oposição, critica o atual governo, mas não pode apagar o fato de que há apenas cinco meses, quando no poder, fazia a mesma: seguia a receita da troika em conta-gotas, submetendo-se cada semana mais.

Perplexos, os líderes espanhóis são obrigados a ouvir calados as lições do presidente do Banco Central Europeu, Mário Draghi: “quando nos defrontamos com dramáticas necessidades de recapitalização, a reação dos governos e supervisores nacionais é subestimar a importância do problema, apresentar uma primeira avaliação, depois uma segunda, uma terceira, uma quarta…” A carapuça serve perfeitamente aos dirigentes espanhóis. “Esta é a pior maneira possível de fazer as coisas”, condena o banqueiro, antes de jogar toda a culpa nos políticos: “Pode o BCE preencher o vazio da falta de ação dos governos nacionais sobre o crescimento e o déficit? A resposta é não. Pode o BCE preencher o vazio de ação dos governos sobre seus problemas estruturais? A resposta é não”.

Agora a Espanha fica à espera da reunião de cúpula da UE,  no final de junho (depois das decisivas eleições na Grécia). Só então espera-se que sejam tomados os primeiros passos para a formação de uma espécie de supervisão comum sobre os bancos europeus, para evitar contágios e pânico.

O que ninguém pode afirmar é que a Espanha consiga esperar um mês pelo remédio: a doença está já está na sua fase aguda, com risco iminente de falência múltipla de órgãos.

Antonio Barbosa Filho é jornalista e escritor, autor de A Bolívia de Evo Morales e A Imprensa x Lula – golpe ou sangramento? (All Print Editora). Em viagem pela Europa, acompanha as consequências da crise financeira pós-2008 e da onda corte de direitos sociais (‘políticas de austeridade’) iniciada em 2010

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