Ensaio fotográfico: Homens de Sal

Fotógrafo paulistano registra trabalho penoso, invisível e quase extinto dos salineiros. Eles recolhem, na natureza, algo que é parte significativa da história humana

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Empregando técnica incomum, fotógrafo paulistano registra trabalho penoso, invisível e quase extinto dos salineiros. Eles recolhem, na natureza, algo que é parte significativa da história humana

Por Inês Castilho

Ricardo Hantzschel, paulistano descendente de holandeses e alemães, pesquisador, mestre em câmeras pinhole e professor de fotografia na Faculdade Senac, registra em SAL (2011-2015) o cenário e os trabalhadores da extração do sal na Região dos Lagos, leste do Rio de Janeiro. Exploradas desde 1797, as salinas fluminenses estão desaparecendo diante de métodos modernos de extração. O ensaio foi vencedor do XIV Prêmio Marc Ferrez de Fotografia, da Funarte, e convidado a participar da X Bienal de Florença, em outubro.

“Viajante, pesquisador, mestre de oficina, íntimo do mar, escolheu territórios de salinas, Cabo Frio, Araruama e outros, canteiros geométricos de brancura integral, alimentada pelo Sol disciplinado esteticamente por resguardos de madeira, atmosfera no atendimento especial do humor do artista” – escreveu o consagrado fotógrafo e artista plástico Fernando Lemos sobre o autor, no texto de apresentação do trabalho.

Antes, Ricardo Hantzschel já havia voltado suas lentes, e mente, para outras realidades em vias de extinção. Convidado a registrar o último jogo de futebol da carceragem da Casa de Detenção de São Paulo, pouco antes de sua implosão, Ricardo percorreu as celas já desocupadas fotografando e recolhendo objetos abandonados – cartas, imagens de carros, santos e, principalmente, mulheres. A montagem das fotos e objetos resultou no projeto Vestígios do Carandiru (2002-2004), próximo das artes plásticas. Outro ensaio é Sombra do Porto (1996-1999), em que registra os anos de transição do trabalho braçal dos estivadores do porto de Santos, em vias de ser privatizado e ter as práticas de manuseio de carga automatizadas.

Mas o que o atraiu ali, entre as cidades de Araruama e Cabo Frio, diz ele, foi “a geometria precisa dos quadrados das salinas, adornados por montes brancos, cata-ventos e figuras humanas, imersas na vastidão de uma paisagem absolutamente singular”. Entre 2011 e 2015, voltou anualmente ao parque salineiro fluminense para realizar o ensaio, “ressaltando a artesania do processo de extração do sal, conhecendo seus personagens e refletindo sobre as questões socioambientais da região”. O resultado é um livro precioso e várias exposições, entre elas uma em Cabo Frio, em que levou o fruto do trabalho a seus sujeitos – os salineiros.

Sobre a obra, inovadora e orgânica ao combinar o sal das salinas à técnica do papel salgado, precursora da fotografia, o autor declara:

“Esta é uma obra de ficção. Uma representação de um real possível, mediado pelo aparato, pela edição, pela emoção e pela imaginação. O mote é o sal, substância que faz parte significativa da história do homem. De caráter simbólico, em diversas culturas aparece em rituais de proteção e purificação; em outras, representa a incorruptibilidade ou mesmo a amargura. De grande valor, quando raro já foi moeda de troca e salário de soldados. Seu poder de conservar alimentos é o mesmo que corrói o ferro e resseca a pele do salineiro, marcada pelo sol, pelo vento, pelo tempo. Personagem de um ofício que se mantém inalterado desde o século XIX e que tende a desaparecer lenta e silenciosamente, calando o arrastar metálico das pás, o gemer dos carrinhos de mão, o puxar dos rodos, o pavonear dos cata-ventos. Um lugar em que a paixão e o desencanto se misturam, originando cristais brilhantes na água salgada.

“O suporte eleito, composto de papel aquarela, sal e prata, carrega na superfície imagens de um mundo à parte. A aplicação manual do sensibilizante com pincel agregou o gesto, aumentando a presença do acaso no processo do papel salgado, cuja técnica, precursora da fotografia, incorpora organicamente á imagem o produto bruto extraído da salina.”

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Um comentario para "Ensaio fotográfico: Homens de Sal"

  1. Precioso trabalho, Ricardo!

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