Embrião de uma nova esquerda?

Origens do movimento espanhol revelam busca de pós-capitalismo e esforço para superar velhas formas de centralização. Há avanços e limites

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Por Antonio Martins | Com pesquisa de Luís F. C. Nagao

Se em 1989 caiu o muro de Berlim, em 2011 caíram todas as formulações sobre o fim da história e a falta de interesse dos jovens pela política. As mudanças no mundo árabe e a piora nas condições de vida com ausência de perspectiva na Europa estão gerando processos de luta social intensos e, sobretudo, inovadores.

O caso espanhol é significativo. O uso da internet como forma de comunicação direta entre os que os que rejeitam as lógicas do capitalismo não é novo. Em 2004, mensagens em massa, trocadas por celular, desconstruíram uma tentativa do então primeiro-ministro, José Aznar, para manipular atentatos terroristas e assegurar vitória eleitoral. Em 2006, houve mobilizações por casas dignas. Em 2010, greve geral  contra os ataques do governo a direitos trabalhistas. Há poucos meses, o ciberativismo mobilizou-se contra a chamada “Lei Sinde”, que, a pretexto de defender a propriedade intelectual, restringe a troca de músicas, vídeos e outras criações culturais via internet.

Nas últimas semanas, esta rica história de ações ajudou a propagar de forma muito rápida duas iniciativas que desembocaram na ocupação, pela juventude das praças centrais de mais de duzentas cidades – inclusive Madri e Barcelona. São elas: o movimento Juventude sem futuro e a convocatória da Democracia Real Já.

Juventude sem futuro é uma agrupação de associações universitárias que vem ganhando destaque por lutar contra a mercantilização do ensino e as contra-reformas trabalhista e no sistema de aposentadorias (aumento da idade mínima para receber os benefícios e redução de seu valor). As mudanças na lei trabalhista aumentam a precariedade dos contratos e reduzem o poder dos sindicatos, ao limitar as negociações coletivas conduzidas por eles. A taxa de desemprego juvenil está em 40%.

Mas a elitização do ensino foi, talvez, o fator que detonou a atual mobilização. O acesso à universidade torna-se cada vez mais restrito. Prioriza-se investimentos que formam uma elite – em geral direcionada para postos em grandes empresas – e deixa-se à míngua cursos menos diretamente relacionados com o mercado. Em 7 de abril, milhares de estudantes foram as ruas de Madri e mais dez cidades, em protesto contra mais uma rodada de ataque aos direitos sociais (veja no Youtube).

Mais ou menos à mesma época, surgiu o Democracia Real Já. Sua origem deu-se a partir de um grupo de discussão nas redes sociais da internet conhecido como “Plataforma de coordenação de grupos pró-mobilização cidadã” que preparava e coordenava ações comuns. Eles repudiam o bipartidarismo e a prática de atos violentos e/ou vandalismo. Reivindicam atuações pacíficas e desobediência civil. Identificam um mal-estar social generalizado, por conta da corrupção e a piora na qualidade de vida. Almejam uma nova democracia com maior participação popular nas decisões.

Enrique Dans, um dos animadores da coalizão, diz que os políticos dos principais partidos – PP, PSOE e CiU – representam os  interesses dos bancos, multinacionais e da Sociedade Geral de Autores e Editores (SGAE, similar ao ECAD brasileiro).  Após as primeiras mobilizações, foram feitos acordos mínimos entre os membros da Plataforma, que se veem como anticapitalistas. “Somos uma iniciativa cidadã para defender todo mundo: desempregados, jovens, precários, etc. Queremos que as pessoas esqueçam suas divergências ideológicas e se aproximem desse fórum comum à margem de partidos e de sindicatos.” afirma Dans: “uma de nossas razões de existir é a saturação que havia nos canais tradicionais de participação política que representam partidos políticos e grandes sindicatos.”

A partir do fórum aberto na página-web do grupo, os participantes enviam de forma espontânea propostas e se vão difundindo e votando os slogans,  assim como cartazes e recursos gráficos. Facebook, twitter e email são importantes alavancas nos processos de mobilização e organização do movimento. Um jovem montou uma convocatória por Facebook em Sevilha contra a gestão da crise e a corrupção política. Grupos em Madri e Santander apoiaram sua proposta de uma performance semanal de denúncia, em uma praça central. Mais tarde surgiu o nome: Estado de Mal-estar. Bastaram dois para que surgissem em cinquenta cidades, quase todas capitais de província, grupos promotores. As convocatórias para o 15 de maio foram importantes para que houvesse mobilizações em Madri e mais 40 cidades.

A horizontalidade tem, é claro, seus problemas. Aproveitando-se do caráter aberto dos grupos, policiais teriam levantado informações que permitiram a detenção de 18 pessoas, durante as manifestações de 15 de maio. O esforço afastar os espectros da centralização e autoritarismo dificulta, às vezes, assumir posições comuns. Fala-se numa nova democracia e em ser anti-capitalista, mas não consegue, até o momento, avançar concretamente para atingir seus objetivos. A maior visibilidade está, ainda, na recusa ao que existe. São os desafios a enfrentar de agora em diante. De qualquer forma, surgiu um novo marco político na Europa e ele tem enorme potência para se alastrar – em primeiro lugar, para outros países da já debilitada zona do Euro.

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